Papel da Equipe Multiprofissional nos Cuidados Paliativos: Psicologia
Essa exposição seria apresentada no “II Simpósio Norte-Nordeste de Cuidados Paliativos da ANCP, que aconteceu nos dias 26 e 27 de junho em Fortaleza, no Ceará.” Entretanto, na madrugada do dia da apresentação, meu pai partiu desse mundo. Minha dor impediu que tivesse condições emocionais de estar no evento e criar uma “mascara” como se nada estivesse acontecendo. O momento era para a dor, o desespero e todo um conjunto de ações práticas que a morte exige de nós.
Mas a apresentação estava pronta. Sendo assim, resolvi criar um texto a partir dos slides produzidos para de alguma forma compartilhar com vocês o meu recado naquele dia, uma maneira de sentir que pelo menos parte do meu dever fosse cumprido. A seguir comentaremos slide por slide.
Título: Papel da Equipe Multiprofissional nos Cuidados Paliativos: Psicologia
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O título dessa exposição pode nos levar a alguns enganos causados pela noção que cada um de nós temos a respeito da ideia de “papel”. Assim, temos que buscar a origem da expressão e delimita-la com maior objetividade.
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Assim é necessário voltar ao passado do teatro, mais precisamente à Grécia antiga onde o teatro moderno tem suas bases. Foi lá pela primeira vez na história do ocidente que grupos de pessoas “representaram” ações com base numa história escrita. A expressão “personalidade” deriva desse momento. Os atores usavam as “per sonares”, máscaras que expressavam sinais emocionais ao público que assistia. Foi ali também que se percebeu o teatro como “arma” política pois a forma como determinados personagens reais eram representados poderia alterar a percepção que as pessoas tinham dele no cotidiano. Representar, portanto sempre esteve longe da neutralidade, produz consequências na plateia e no ator.
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Mas podemos trazer essa noção de papel para nossa vida cotidiana? A literatura foi a primeira a fazê-lo na medida em que as histórias escritas expressavam personagens em ação muitas vezes contraditórias com suas vontades originais. Basta que pensemos na nssa própria vida que isso ficará muito claro. Temos imagens públicas (nossos comportamentos no trabalho, no lazer comunitário, nas ações políticas), nossa imagem privada (mulher, marido, esposo, pai, filho), expressões de nós mesmos, mas que não são compartilhadas claramente com os outros (“não amo mais”, “odeio meu chefe”, “a aula está chata”, “como ela se veste de maneira ridícula” etc.). Aqui ocorre-me a imagem dos super-heróis, como se tivéssemos expressões de nossa identidade individual que só podem ser representadas e\ou apresentadas dentro de determinadas circunstâncias. Não posso ser super-herói sem minhas roupas para tal ou minha identidade secreta será descoberta. Da mesma forma, pode ser exigido papeis de gênero que não fomos preparados para exercer ou quem sabe trabalhos onde nos sentimos subjetivamente inadequados para exercer como o pediatra que odeia crianças ou o professor que não gosta de dar aulas. Foi para dar conta dessas questões que surgiu uma escola em sociologia chamada Interacionismo simbólico.
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Se pensarmos no papel que um psicólogo deve exercer num serviço de cuidados paliativos, temos que ir na direção do que ensina os grandes atores. Papel é algo que precisa ser vivido de tal forma que o ator começa a ter dificuldades de se diferenciar com objetividade de seu personagem. E é isso que torna convincente sua dramatização. Veja o caso de Johnny Deep, capaz de transitar por personagens de tal forma que esquecemos do ator que o representa e junto com ele nos perdemos na trama. Em conversas informais podemos até discutir os rumos da vida do personagem caso no transcorrer da trama tivesse feito outra escolha.
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Nesse slide podemos ver a complexidade dos inúmeros papeis vividos por Johnny Deep no cinema. Em alguns deles temos dificuldades de identificar o ator que protagonizou o personagem. É isso, nossa vida é um pouco a vida de Johnny Deep no cinema pois de certa forma atuamos o tempo todo na linha de nossa existência. Só que o palco extravasa em muito os limites do teatro ou da câmera de cinema. Nosso Palco é o mundo.
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E é nesse palco “mundial” que entra o psicólogo no serviço de cuidados paliativos. O “público” (os outros profissionais, pacientes e familiares) tem um conjunto de expectativas sobre seu trabalho. Acreditam que sua formação o dotou da capacidade para lidar com os medos, angústias e sofrimentos do paciente e da família, agindo com respeito frente à realidade da finitude humana e às necessidades do doente. Acreditam também que ele lidará com mais naturalidade com a morte e o morrer. Apostam que ele será capaz de oferecer um suporte simbólico para que a família compreenda a evolução da doença e todas as suas etapas, que motivará os pacientes a viverem o mais intensamente possível o que lhes resta de vida além de ser um agente cotidiano do exercício de sua autonomia. Serão capazes de integrar o aspecto clínico com os aspectos psicológico, familiar, social e espiritual ao trabalho além de unir esforços de uma equipe multidisciplinar para oferecer o cuidado mais abrangente possível.
Mas esperem, esse conjunto complexo de atribuições não é algo restrito ao “atuar” do “ator psicólogo”, pelo contrário. Esse conjunto de expectativas parece ser na verdade uma diretiva geral para as ações de cuidado para TODOS os membros da equipe. O que parece diferenciar então o “ator” psicólogo na verdade é sua “escola de atuação”” onde exercerá esse conjunto de diretivas de uma maneira um tanto diferencia do que os outros atores.
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Mas o próprio psicólogo tem seus desafios pois sua formação não o preparou para lidar com a morte e o morrer como alguns poderiam imaginar. Contraditoriamente, a morte é discutida na maioria dos currículos de psicologia como algo que acontece na velhice, com um certo “pudor” durante duas ou três aulas nas cadeiras de “Psicologia do Desenvolvimento”, algo como se apenas os velhos morressem. Além disso, o psicólogo tem que romper com certo personagem criado no que eu chamo de “estereótipo do Divã”. Boa parte dos cursos de psicologia preparam os psicólogos para uma clínica individualizada e “escondida” do mundo. Essa forma de atuar em cuidados paliativos pode até acontecer, mas será necessariamente esporádica pois em CP se trabalha fundamentalmente em equipe. Nesse sentido, talvez uma das primeiras ações de um profissional de psicologia numa equipe de cuidados paliativos recém-formada é FRUSTRAR o que os outros profissionais esperam dele. Sua formação propõe ajuda-lo a esclarecer redes de significados dos pacientes para a equipe, da equipe para os pacientes, dos familiares para o paciente, do paciente para os familiares, dos familiares para a equipe, enfim, as possibilidades são muitas e as situações irão sempre variar de caso a caso. Mas aqui deixo um recado importante que os profissionais mais experientes com certeza não verão como uma grande novidade, mas que vale ouro aos mais jovens: submeta a sua formação teórica à realidade e não o contrário. A teoria deve nos possibilitar lentes que possam trazer indícios do real para melhor interpretá-lo e qualificá-lo, mas nunca deve funcionar como algo que veja o mundo apenas em tons de vermelho quando a realidade oferece um complexo cromatismo com várias cores.
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Por fim, temos aqui uma fábula de Esopo. Os sábios gregos já intuíam que não se podia dar credibilidade a algo por ter sido escrito por esse ou aquele filósofo de renome. Nem sempre é verdade o que está escrito em algum lugar; é necessário provar a verdade com atos. Para isso é preciso EXPERIMENTAR com responsabilidade. Assim, numa equipe multidisciplinar, talvez o maior desafio do psicólogo seja o tempo todo se apropriar de saberes tidos como “alheios” para enriquecer a própria atuação. Não é assim que faz os grandes atores? Se ele tem que interpretar o papel de um médico, irá se apropriar de “jargões”, “expressões”, “gírias”, irá conviver com médicos, perguntar para eles coisas a respeito de sua vida cotidiana, mas em última instância isso não o tornará médico. Mas agora aspectos antes ininteligíveis ganham novos relevos, são reapropriados e devolvidos sob novo prisma. Quem foi “interpretado agora sente-se motivado também para te conhecer de uma maneira dferente.
Vida Plena!