A espécie e sua condição extrema 

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Nietzsche foi o primeiro a perceber e mostrar o problema. Há uma oposição entre os valores humanos e a vida. Nosso modo de ser é evidência dessa contradição que nos faz julgar e condenar a existência.

Desde o século XX, nós investimos trilhões de dólares em armamentos. A função das armas nucleares é conter o ímpeto de empreender guerras, num cenário em que o conflito pode aniquilar todos os lados.

Como a troca de ataques nucleares tem o potencial de destruir o planeta, a civilização e a espécie humana, esse equilíbrio do terror nos constrange. Na verdade é ao mesmo tempo o tênue fio que nos sustenta e a evidência de nossa negligência contra a vida.

Existem problemas como a fome, a pobreza, as doenças, a desigualdade de condições de vida. Esses problemas, que se fossem minimizados, talvez nos tornassem menos propensos a auto e hetero agressão.

O que significa não investir nossas forças na resolução de transtornos que tornam a existência difícil, para investir recursos em armas que podem destruir tudo?

Aqui não se trata de um problema atávico no que pudesse ser uma identidade estática da espécie humana. Se estamos aqui depois de 40.000 gerações é porque nunca tivemos uma identidade imóvel.

Persistimos porque podemos articular novas características cognitivas com habilidades antigas. Sobrevivemos até aqui e, acredite, não foi por muito tempo, porque mudamos a cada beco sem saída que desafiou quem já fomos e deixamos de ser para seguir em frente.

O problema atual da civilização humana não é nossa identidade.

Padecemos de nosso modo de vida. O valor no capitalismo é hostil à vida. E permitirmos a sedução de tal modo de vida, implica no fato de que nutrimos ressentimento e suspeita contra a nossa existência.

Esse é nosso cansaço. Essa é nossa paralisia.

É um processo convulsivo em que estamos intensamente agitados. Mas não conseguimos sair do lugar. Uma comoção coletiva nos torna mais capazes de esperar pela morte e destruição do que assumir uma atitude de potência e afirmação.

A imagem ancestral da pilha de corpos nos campos de extermínio, após as batalhas, nos dá uma ideia equivocada de nossa suposta natureza. É certo que agimos de modo predatório e temos cedido a sedução do espetáculo da destruição.

Mas a solidariedade, a cooperação e a comunhão fraternal de esforços é a nossa marca predominante. Mais precisamente, a sincronização de nossas mentes produz uma articulação de nossas potências singulares. Esse é nosso poder.

Esse poder vem junto com a responsabilidade e a cumplicidade que nos faz mais do que inocentes ou culpados.

A consciência de nossa condição nos permite interferir no desenlace dos desafios que encontramos. Essa interferência pode ser de afirmação ou negação da vida.

Estar lúcidos a esse respeito nos faz capazes de instituir os valores necessários para persistir na existência, através da produção de um sentido afirmativo.

A pressão sobre a humanidade é imensa. Podemos aceitar os desígnios da vida e nos abrir para o futuro. Mas também podemos congelar na imobilidade e deixar a cena da vida.

Então, o planeta pode se recuperar. Em milhões de anos poderá existir novamente a consciência e uma civilização planetária.

Mas seres humanos jamais existirão outra vez. Esta é a solidão de nossa condição e o desafio inconcluso e precário que temos diante de nós. Corremos o perigo da auto destruição.