Assassinos por natureza?

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Nós, cada um de nós, com raras exceções, considera justo e moralmente certo matar outros seres humanos sob determinadas circunstâncias. Por exemplo, quando há ameaça a nossa existência e quando ameaçam tomar, ou tomam nossa propriedade. Sendo que a precedência da propriedade sobre a vida é um fato aceito, mesmo sendo ilegal, por muitas pessoas.

Outra situação em que o assassinato é passível de absolvição é a de extremo sofrimento ou desordem psíquica, seja permanentemente, ou momentaneamente.

Por exemplo, quando flagramos a pessoa amada em intercurso sexual com outra pessoa, podemos cometer assassinato. A maioria sofre com isso, mas não mata. Entre os que assassinam as pessoas que amam doentiamente, muitos podem alegar perda do juízo e discernimento momentânea. Isso, de modo triste, já foi razão em nossa história para absolvição de acusados de feminicídio. No entanto, muitos sofrem essa dor e cometem assassinato, sem sequer reivindicar o benefício da psicopatia momentânea, pois cometem suicídio logo em seguida.

Outros, jamais sentem culpa e desenvolvem gosto e prazer pela crueldade. Isso quase que invariavelmente está associado a abuso sexual e violência na infância.

Podemos imaginar, por nossa experiência íntima, que a maldade extrema surge em meio a intensos sofrimentos ou desordens mentais.

Ou seja, não é a norma que milhões de seres humanos, por seu modo de pensar, sejam considerados maus por natureza. Conhecemos a maldade por nossos sentimentos mais pessoais, em nossos pensamentos. Assim, se a maldade humana é espontânea, como alguns defendem, eles estão dizendo que sua suspeita recai sobre a humanidade e não sobre esse ou aquele tipo humano.

Com relação a ideia de legítima defesa da vida ou da propriedade poderíamos ter que aceitar que os povos nativos da América teriam o direito moral de buscar o nosso extermínio. Afinal, foram exterminados 80 milhões de pessoas nos primeiros 100 anos da colonização de nosso litoral. Essa guerra contra os habitantes originais do Brasil ainda está em curso agora.

Esse extermínio não foi cometido em nome de ideologias políticas, mas da catequização e anúncio do evangelho de nosso senhor Jesus. A grande questão ética, discutida por séculos na história do Brasil era se negros e índios tinham ou não alma.

Considerando tudo isso, eu nunca estarei iludido de que aqueles que buscarem me assassinar não estarão absolutamente convencidos da justiça e necessidade de seus atos, ou da profunda desordem de suas mentes e almas. Não preciso do recurso covarde de os considerar culpados para defender a mim e a minha família com todas as forças de que disponho.

Repito, todos nós sentimos isso na mais profunda e íntima consciência. Não conhecemos o mal pelas imagens da violência do mundo. Muitas vezes essas imagens até nos divertem de modo mórbido. Basta prestar atenção ao que compartilhamos no WhatsApp.

Então, podemos assumir que aqueles que nos ameaçam estão nas mesmas condições em que nós mesmos poderíamos cometer assassinato: Doentes, sentindo-se ameaçados ou no seu legítimo direito moral de defesa ou, segundo algumas formas de pensar, de vingança.

A civilização ocidental parece ter se constituído em oposição às simplificações que justificam o assassinato tirando a esfera da justiça das opiniões e paixões individuais. A investigação, processo, julgamento, condenação ou absolvição seguem o rito do devido processo legal. A imparcialidade e neutralidade na aplicação das leis é um princípio fundante das democracias liberais.

No momento atual esses fundamentos dos regimes democráticos estão sendo rapidamente corroídos em nome de ideologias simplistas e totalizantes que advogam o arbítrio e a corrupção dos meios democráticos em nome dos fins.