Crime, justiça e modos de vida

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O que é terrível sobre as estruturas policiais é o fato de que nunca na história nossos gestos e modos de pensar deixam tantas evidências concretas. Tecnicamente os fatos referentes aos nossos atos são plenamente passíveis de constatação.

Todo instante de nossa vida gera dados que podem ser rastreados e reconstituídos. Nós não devemos restringir nossa noção de justiça a uma opinião com direito a liberdade de expressão. A injustiça no ato de assassinar não está sujeita à perspectiva pela qual uma ou outra opinião se forma.

Assim, o fato não de não se chegar aos interessados na morte e acobertamento do assassinato de Mariele, decorre da perspectiva e não da incapacidade técnica da polícia. Aqui uso perspectiva no sentido (que é falso) de uma legitimidade inerente a qualquer opinião. Toda opinião tem um sentido. Mas isso implica em que há sentidos que são suicidários. É justamente essa característica que torna o assassinato algo injusto que ofende a todos.

Como isso paira sobre a polícia como um todo e não sobre um ou outro policial, há a suspeita de uma parcialidade ideológica em relação aos fatos. Cada passo formal do processo de investigação é vulnerável à interferência, segundo interesses alheios à verdade.

Por exemplo, é crime políticos defenderem criminosos condenados? Se sim, a justiça formal paira sobre todos. Se não, a justiça perde a capacidade formal de cumprir sua função. Aí a política se impõe sobre a Justiça. A política deixa de ser justa. Deixa de ser política.

Mas isso não se constitui num mistério. Em nenhuma comunidade está oculta a relação entre criminalidade, polícia e religiosidade. Todos sabemos que o sistema e suas engrenagens, é estruturado de modo a subverter seus próprios pressupostos.

Dito de outro modo, o conteúdo manifesto carrega seu contraditório como “verdade”. As noções de moralidade, legalidade e justiça coexistem com sua negação gestual. Essa irracionalidade é evidente e configura o caos inerente aos jogos de interesses.

O inegável é que no capitalismo a justiça deve permitir a acumulação do capital. O resto vem depois. A vida é o maior valor constitui-se em um enunciado que significa o seu contrário.

Nós vivemos submetendo a vida a um simulacro dela mesma: a ilusão de que a representação da saúde e da vitalidade (o dinheiro) são como a vida, ou antes, são o suporte por trás da existência. Ou seja, tomamos algo, pela negação do mesmo.

Todos sabemos. Mas a maioria pensa que essa realidade decorre ou constitui uma evidência contra a vida.
Como, de fato, o valor enquanto representação, submete a existência, concluímos pela esvaziamento do real.
Temos como concreto o valor simbólico do metal raro, para termos um exemplo, enquanto esse é precisamente o conceito, ou seja, nosso pressuposto.

O real é, tanto o metal, quanto o ser vivo e seu espírito, que lhe permite, pela impressão, exatamente por sua falibilidade ou imprecisão, supor a realidade.

Estar em acordo com a objetividade é uma possibilidade do conhecimento. Ou seja, há um campo da incerteza, das possibilidades e impossibilidades que é maior do que objetivamente existe. O mundo pressupõe todos os entes, exceto ele mesmo.

Assim, átomos e seus componentes, existem tanto quanto delírios.

Mas a vida orientada por delírios, mesmo que apenas determinados por percepções suficientemente imprecisas, ou lidas através de preconceitos, não pode persistir.
Os metais e a vida, não podem estar errados. Eles existem, conforme os limites de suas possibilidades, enquanto o pensamento se projeta para o campo transfinito de tudo que pode existir hipoteticamente.

Não há motivo ou razão para atribuir mais realidade a objetividade do que a subjetividade. Mas sem uma ética, tudo que é objetivo persiste no sentido de destruir o subjetivo.

A vida está acima do bem e do mal. Nosso modo de vida, entretanto, pode ser injusto, errado, produtor de sofrimento e iniquidades. Dito de outra forma, o modo de produção capitalista é um modo, um jeito, uma invenção humana.

Ser humano, persistir, no palco da existência sempre foi o efeito de nossa capacidade de criar modos de vida. O capitalismo não passa de um péssimo modo de vida ao qual estamos patologicamente habituados.