Não desejar para trás

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Não desejar para trás

O passado contém a eternidade imutável de nossas alegrias e tristezas, nossa tragédia e glória, nossa dor e nosso prazer… O futuro está aberto a incontáveis repetições e ao inédito que nasce da absoluta incerteza.

Lamentar o que aconteceu é desejar para trás e renegar toda alegria do instante presente. Ressentir-se com expectativas frustradas é renunciar a alegria de viver a vida em toda sua plenitude incontrolável.

Não há nenhum erro na vida. Nossa insatisfação decorre do ressentimento com a força incontrolável que nos faz existir. Nós queremos dizer a vida como ela deve ser. Não entendemos que a autonomia está em aceitar a diferença entre o que a vida é e aquilo que queremos acreditar que ela seja em nossos mitos e ilusões.

Declaramos que o dever ser sobre a vida é uma verdade maior do que a própria existência. Esse delírio ignora que somos um dos muitos frutos da vida. Queremos ditar aos instantes como eles devem ser, quando a alegria está em descobrir o que eles são.

Há um êxtase inerente a estar na existência. Nós o perdemos quando nos enclausuramos no interior do ressentimento. A ilusão adolescente de que a providência faz o real se moldar segundo nossas ilusões rebaixa a potência da vida.

Mitos, a despeito de sua importância, de fato, servem ao impulso de negar a vida. Podemos dar um lugar afirmativo às nossas ficções quando elas se prestam a criação artística e reservar nossa capacidade reflexiva para o trato com o acontecimento e o fluxo do tempo.