Neoliberalismo e educação

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Não se trata do que é certo. Nossas funcionalidades institucionais, nossos lugares nas engrenagens do sistema, se originam e funcionam segundo articulações de interesses. Isso se estende sobre todo o mundo do trabalho. Não será diferente em relação aos profissionais da educação.

Essa é a lição da história.

Não há finalidade ou ordem, segundo os interesses ou perspectivas dos agentes isolados.

Há um princípio teológico. Uma ordem do significado. Ela é baseada na idealização e no rebaixamento da vida.

Como Agamben escreveu, Deus não morreu. Ele é o dinheiro.

Tragicamente, quando discutimos a ordem legal e institucional, fazemos o culto de algum dos demônios da horda do deus dinheiro.

Discutir as vagas disponíveis para cada um de nós na ordem institucional é mais uma forma de culto ao dinheiro e do rebaixamento da vida.

Não há nada em nossa formação que seja mais potente que nossa capacidade de pensar de modo reflexivo. É o que faz o ser humano ser capaz de passar seu conhecimento às gerações seguintes desde dezenas de milhares de anos.

Rótulos sociais e distinções de identidade não podem dar sustentação à nossa humanidade. Na verdade, elas são o resultado de algo mais antigo e significativo.

A nossa humanidade precede a própria história da espécie.

Nós falamos como se os prejudicados pelo sistema fossem abandonados à própria sorte. Mas se é assim, já estamos cada um por sua conta.

Afinal, concedemos isso ao poder. Não somos solidários. Estamos jogando os dados e fazendo apostas com o nosso futuro.

Aceitamos que é cada um por si. Nossa fortuna é medida pelo fracasso da virtude dos outros. Mas todos temos apenas uma (e mesma) virtude: nossa humanidade.

O que constitui a crítica ao neoliberalismo?

Proponho uma conversa sobre a realidade de uma perspectiva que não é usual. As estruturas sociais não estão em oposição clássica. Não são constituídas de um real pervertido em relação a um ideal nobre. Não há uma luta entre o bem e o mal se desenrolando fora de nossa subjetividade. O mundo não é maniqueísta. A realidade não se divide, a existência não se duplica.

Estamos agindo como juízes neutros avaliando o desenrolar da estrutura neoliberal na forma institucional de nossas carreiras na educação.

Bem, o caso é que nossos julgamentos e avaliações não pairam acima da estrutura social. Tudo isso emerge dos nossos valores. E valores não vêm de uma instância transcendente. Eles brotam no processo de constituição de nossa subjetividade.

De fato, nossa subjetividade é uma ressonância da intersubjetividades e crenças compartilhadas.

Por isso, essa forma de crítica maniqueísta que costuma aparecer em nossos diálogos – como este sobre a oclusão do ensino de algumas disciplinas e a perda de postos de trabalho (ou o que achei pior) o questionamento sobre quem detém prerrogativas dadas pela ordem social capitalista para ensinar cada disciplina – é inconsequente.

Nós temos que lutar uma guerra sem trégua contra a dissolução de nossa capacidade de criticar o valor dos valores. A grande questão é se seremos capazes de inventar a nós mesmos mais uma vez. Ou se vamos nos deixar destruir pela estrutura social que criamos e que se desprendeu de nós. Cada um de nós pensa, em grande parte, de modo liberal e neoliberal.

Falar em solidariedade quando especulamos sobre quem irá perder é em si um gesto de não implicação na tragédia do outro. É negar a virtude comum, nossa solidariedade, que nos permitiu superar as condições difíceis que existiram no passado.

Ou seja, estamos pressupondo, nas entrelinhas de nosso discurso, que já não podemos fazer o que fomos capazes de fazer na aurora da espécie humana. Estamos nos tornando o que ameaça destruir-nos. Por isso escrevo que a proximidade do fascismo com o neoliberalismo é um sintoma da nossa condição autodestrutiva. Somos seres vivos que esposaram um conjunto de valores que negam a vida.