Políticas Públicas de Saúde: O Método Paulo Freire aplicável no Sistema Único de Saúde.

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O cenário moderno da Saúde no Brasil conta prioritariamente com o trabalho em equipe, que atua tanto em indivíduos quanto em coletivos. Nota-se, por meio disso, que é importante a avaliação e efetivação do trabalho coletivo para aprimorar ao máximo a Saúde Pública brasileira de forma a atender as necessidades da população nessa questão. Para isso, há certa legislação que estipula normas para o desenvolvimento do Sistema Único de Saúde (SUS) no país tais como a Lei de Nº 8.142, de dezembro de 1990 e a Lei de Nº 8080, de 19 de setembro de 1990. Com base em tais leis, é possível realizar uma comparação filosófica das Políticas Públicas de Saúde com a Educação em Saúde seguindo o pensamento de autores da área de Ensino.

Na visão do chamado ‘’Método Paulo Freire’’, a teoria nunca é totalmente resolutiva, mas sim a interação dela com a própria prática, de forma superar o pensamento de que o aprendizado é um fator fixo e considerá-lo como transitório, aprendendo e reaprendendo, criando e recriando. Isso vem de uma grande análise filosófica que compara a ideia de falar ‘’às pessoas’’ com a de falar ‘’com as pessoas’’, onde a segunda supera a primeira por meio da interação de conhecimentos entre indivíduos. Como afirmado por Paulo Freire, ‘’ninguém sabe tudo e ninguém sabe nada’’, ou seja, quem somos nós para dizer o que realmente é certo e o que é errado sendo que somos relativamente ingênuos? E como seria possível aplicar na população uma forma de conhecimento prévio quando sua realidade, na prática, é totalmente diferente da teoria?

Segundo o filósofo Protágoras de Abdera, a opinião é um conceito que não define absolutamente o que é certo ou que é errado, pois expressa sempre idiossincrasias que fogem a uma verdade absoluta. A verdade é relativa e cada ser humano possui sua própria verdade enquanto nenhuma deve se sobrepor a opiniões divergentes. Para Protágoras, ‘’o homem é a medida de todas as coisas’’, mas isso não afirma em momento algum que há definição unânime da verdade absoluta visto que tal fato é plenamente relativo e dependente da visão dos valores e utilidade de cada indivíduo e populações.

Toda a Equipe de Saúde é formada por Educadores em Saúde, e é necessário compreender que não há como ensinar uma ciência teórica sem conhecer a própria ciência do educando. Ninguém está só no mundo, e é importante o respeito mútuo à divergência de visões, pois quem pensa que conhece toda a verdade traz complicações para o trabalho coletivo. Temos o dever de deixar para trás o aspecto histórico cultural da ‘’opinião dominante’’ e encarar de fato que tal hierarquia não é correta por tentar sobrepor opiniões divergentes. Ao superarmos esse quesito, passamos a ter a educação como uma conversa com o educando em saúde, e não ao educando, o que traz assim a quebra da postura da ‘’verdade única’’.

A melhor forma, segundo Paulo Freire, de mudar a sociedade e abrir novas perspectivas futuras seguindo a direção de liberdade e igualdade é a de vivermos ‘’pacientemente impacientes’’ no sentido de inquietar-se sobre tais formas de hierarquia e trazermos diferentes visões sobre a realidade política, econômica e social, mas de forma paciente, pois não há a possibilidade de mudarmos uma realidade de um dia para o outro. A pessoa não deve romper definitivamente entre o conceito de ‘’paciência’’ com o de ‘’impaciência’’, pois ambos são conceitos opostos, porém, deve-se buscar mediar ambos em busca de melhorias.

O Educador em Saúde tem função fundamental de reinventar conceitos de modo a trazer a Educação Libertadora de modo a se adequar ao grupo atendido, verificando a validade do discurso por meio da prática, utilizando a interação de pensamentos divergentes dos educandos. É de elevada importância compreender a ingenuidade relativa do educando e do educador, onde ninguém domina o total conhecimento, mas a conversa traz valorosa troca de conhecimentos importantes. E assim, finalmente, criar indivíduos ‘’pacientemente impacientes’’, os quais influenciarão no futuro do país e trarão melhorias também na Saúde Pública.

E como a legislação nacional se configura a respeito da representação coletiva? No SUS, seguindo a Lei de Nº 8.142, cada esfera de governo conta com a Conferência de Saúde e o Conselho de Saúde, os quais influenciam diretamente na Saúde Pública. Na Conferência de Saúde, reúnem-se vários segmentos sociais a cada quatro anos para realizar reuniões com finalidade de avaliar a situação nacional de saúde e propor reformulações da Política de Saúde, o que valoriza a constante reconstrução de teorias, absorvendo sempre novos conhecimentos em prol da melhoria de políticas. O Conselho de Saúde é responsável por reformular constantemente estratégias no controle da execução da Política de Saúde na instância correspondente, e nela nota-se a fundamental participação paritária de vários segmentos (De acordo com o Decreto de Nº 5.839, a constituição é de 50% de representantes de entidades e movimentos sociais de usuários do SUS; 25% de representantes de entidades de profissionais de saúde incluindo a comunidade científica da saúde; 25% de representantes do Governo Federal, Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS), Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS), entidades prestadoras de serviços de saúde e entidades empresariais com atividades na área de saúde).

A efetividade vinculada ao estímulo dessa forma de gestão coletiva na nossa legislação é que para receberem recursos para a saúde, os Municípios, Estados e Distrito Federal têm obrigação de apresentarem: Fundo de Saúde; Conselho de Saúde com composição paritária; Plano de Saúde; Relatórios de Gestão; Contrapartida de recursos para a saúde no respectivo orçamento; comissão de elaboração do Plano de Carreira, Cargos e Salários (PCC).

Conclui-se que o maior segredo para aplicar isso na saúde é a participação popular, governamental e de entidades no caráter de buscar, de várias formas, atender às demandas da população de forma mais efetiva considerando individualmente cada ser humano, seus costumes, tradições e conhecimentos. Assim, pode-se compreender as necessidades individuais e coletivas de modo que o trabalho em equipe torne-se cada vez mais efetivo agindo ‘’pacientemente impaciente’’.

 

Referências

1- FREIRE, Paulo . Como trabalhar com o povo. São Paulo, SP: [s.n.], 1982. 13 p. Disponível em: <https://acervo.paulofreire.org:8080/jspui/handle/7891/1533>. Acesso em: 13 abr. 2018.

2- DOS SANTOS, Danilo Pereira. Relativismo de Protágoras.. In: Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Paraná . (Paraná). VIII Encontro Nacional de Pesquisa em Filosofia da UFPR. 01. ed. Paraná: [s.n.], 2016. p. 57-61. Disponível em: <https://www.humanas.ufpr.br/portal/filosofia/files/2016/02/cadernos_resumos_2015-1.pdf#page=57>. Acesso em: 14 abr. 2018.

3-BRASIL. Lei n. 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências, Brasília, DF, dez. 1990. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8142.htm>. Acesso em: 13 abr. 2018.

4-BRASIL. Decreto n. 5839, de 11 de julho de 2006. Dispõe sobre a organização, as atribuições e o processo eleitoral do Conselho Nacional de Saúde – CNS e dá outras providências, Brasília, DF, jul. 2006. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Decreto/D5839.htm>. Acesso em 13 abr. 2018.