Educação para a saúde e a cidadania: rodas de conversas com profissionais e usuários

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Na declaração de Jacarta (1997), a saúde é considerada como um direito humano fundamental e essencial para o desenvolvimento social e econômico e, para isso estimula a participação por meio da educação e informação para a garantia da promoção da saúde.

Dessa forma, a educação e a promoção da saúde estão fortemente interligadas, uma vez que a saúde é influenciada pela qualidade de informação das pessoas. E segundo Gauderer (1993), quanto mais e mais bem informado o indivíduo, mais valorizado será, pois pode tomar decisões mais adequadas, podendo ser escolhidas para o exercício do poder. A informação é, portanto, a base da autonomia, da independência do conhecimento e da cultura.

É dentro desse contexto que se insere a ação Educação para a Saúde e a Cidadania que vem sendo implementada no Hospital Infantil Lucídio Portella-HILP. A iniciativa surgiu a partir da necessidade de criar um espaço que proporcione aos profissionais refletirem, debaterem, trocarem informações sobre o processo saúde/doença, com os pais/acompanhantes dos pacientes internados, numa perspectiva de ampliar a comunicação e ajudar a desconstruir alguns equívocos e preconceitos sobre a doença, alimentação, higiene corporal e sobre os procedimentos médicos, e melhorar as relações profissionais/usuário  no âmbito hospitalar.

Logo que o HILP iniciou o seu atendimento, década de 80, era comum encontrar nas enfermarias, mães puérperas que apresentavam certos equívocos com relação a alimentação, como não consumir frutas cítricas e nem determinadas carnes consideradas “reimosas”, ou sejam, na concepção delas, por ocasião da menstruação e ou do parto, esses alimentos não deveriam ser consumidos, pois faziam mal à saúde. Outras ficavam semanas usando um pano amarrado na cabeça, e quase sempre o mesmo pano, cobrindo a região das orelhas, durante o período puerperal, para não ouvir ruídos, e assim não “quebrar o resguardo”, e não “ficar com dores de cabeça.” Existiam também puérperas que  chegavam com dois ou três dias de paridas, às vezes parto normal, e apresentavam resistência para fazer qualquer atividade, inclusive tomar banho, pois achavam que qualquer esforço que fizesse poderia comprometer o “resguardo”. Para quem não sabe, o “resguardo”, na região Nordeste, é um termo popular dado ao período pós-parto que geralmente dura entre 30 a 40 dias, e que exige cuidados especiais com a parturiente, entretanto existem muitos mitos sobre o evento.  E os problemas não paravam por aí. Em relação à criança, era muito frequente a chegada de umas com dente de alho enfiado num cordão, muitas vezes sujo, amarrado no braço para evitar mau olhado e “quebrante”, o que deixava um cheiro forte nas enfermarias, sem falar nos riscos de infecções. Outras crianças chegavam com gema de ovo grudada na cabeça, para levantar a “moleira” baixa, nos casos de desidratação, o que dava muito trabalho para retirada pela equipe de enfermagem, por conta da cola da gema na cabeça da criança. Entretanto, os casos mais emblemáticos e difíceis de lidar eram as resistências na permissão das compressas/banho nas crianças com febre alta. Os pais argumentavam que a água no corpo quente da criança poderia “estuporar”, mesmo quando a água era morna. Tal cenário inspirou a implementação do projeto em tela. A princípio com o objetivo de mobilizar os profissionais, como enfermeiros, nutricionistas, médicos,  para reunir os pais e dialogar com eles esses preconceitos, trocando ideias, conhecimentos, melhorando as relações, no sentido de que profissionais e pais/acompanhantes chegassem a um entendimento sem tanto estres.

O tempo passou, muitos tabus/preconceitos foram descontruídos, e nós profissionais aprendemos muito com esses pais/acompanhantes. Apartir daí, outras necessidades surgiram, o que demandaram uma adequação do projeto, buscando debater outras questões, outros temas do interesse dos usuários, envolvendo profissionais de outros saberes nas rodas de discussões.

No atual contexto, tem-se procurado trabalhar, além de informações sobre o processo saúde/doença, temas voltados para o fortalecimento da cidadania, políticas públicas e as formas de acesso a essas políticas, para que esses sujeitos conquistem a auto-estima e a autonomia necessária para melhoria da qualidade de vida, bem como, fomentar a busca de alternativas para solução de problemas e transformação da vida cotidiana.  Outra prioridade é estimular os usuários para o reconhecimento das suas próprias necessidades de saúde e poder expressá-las nas rodas de discussões.

Os temas são definidos através de oficinas realizadas para essa finalidade,  e trabalhados em rodas de conversas no espaço do ambulatório, semanalmente, nas quarta-feira, envolvendo não só os pais acompanhantes dos pacientes internados, mas os usuários que aguardam atendimento médico no ambulatório.

No dia 18 (quarta-feira), dia Nacional do Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças, o tema em destaque foi a violência contra a criança e o adolescente. Para conduzir o debate foi convidada a enfermeira Rosa Laura, da Coordenação da Atenção da Criança e Adolescente/SESAPI, que trouxe uma importante contribuição, fazendo disparar um diálogo caloroso entre os participantes, com compartilhamento de vivências, ideias, tirando dúvidas, e ainda  com distribuição de folderes e cartazes sobre o tema. Além dos profissionais envolvidos com a iniciativa, como assistentes sociais, enfermeiros, psicólogos, médicos e estudantes de psicologia, também participaram trabalhadores de diversas áreas do hospital. A escolha do tema não foi simplesmente para marcar a data, mas pelo fato de que o hospital tem recebido um número expressivo de crianças vítimas dos mais variados tipos de violência. E a informação ainda é a melhor forma de prevenir.