Singularidade disruptiva – Escolhas e determinantes

8 votos

Uma tendência pode ser entendida como rota ou direção que se escolhe seguir. Nesse caso se assume o pressuposto de que há um ponto zero onde está uma tomada de decisão. É um artifício útil para efeito analítico — e de construção de valor — a respeito do que se constitui como resultado ou consequência.

A tomada de decisão representa uma inflexão que, podendo ter sido outra, responde pelas consequências que se seguem de modo independente das variáveis e determinantes que poderiam ser assumidas, de modo retroativo, como causas da escolha, causas da inclinação, da tendência e das alternativas que eram possibilidades de escolha que foram preteridas e descartadas.

De outra perspectiva, acima das escolhas, na altura dos grandes processos históricos, pairam as tendências amplas que dão o contexto e a estrutura possível para a existência das diferentes tomadas de decisão. No caso da perspectiva marxista o grande ator da história, que determina às ações dos seres humanos é o capital. No âmago da luta das classes os seres humanos buscam no capital a autonomia que concedem ao dinheiro de modo inadvertido. A longa era do capital industrial está dando lugar ao capitalismo financeiro que se relaciona de um modo novo com os meios de produção, com o trabalho, com o ambiente e com os recursos naturais.

Então, é o lugar dos humanos que está em jogo no atual estágio das transformações tecnológicas revolucionárias que estão nos afetando. Os fenômenos sociais e políticos que observamos estão dentro desse quadro histórico mais amplo.

A crise política no Brasil vem evoluindo desde 2013 no contexto de uma perturbação de ordem institucional que se insere num quadro mais amplo de uma crise civilizatória e humana. A coincidência do estresse jurídico legal, causado pela ruptura continuada com o pacto civilizatório representado pela constituição de 1988, chegou ao auge no mesmo momento em que os efeitos de quarta revolução industrial começam a afetar todos os seres humanos.

Nesse sentido, a recursividade a escolhas feitas durante os sucessivos momentos de impasses que parecemos estar vivenciando continuamente tem um limite, enquanto recurso para a compreensão e construção de sentido. Vejamos um exemplo recente:

A decisão de colocar o aparato judicial no coração da disputa político eleitoral de parte dos articuladores tucanos era incontornável do ponto de vista desses atores. Não seguir essa esse curso de ação, significava assumir um cenário em que a eleição para mais dois mandatos, dependeria apenas da saúde de Lula.

Assim, a Lava Jato era inevitável. No entanto, suas consequências também. A destruição da viabilidade política eleitoral de seus operadores e a eleição de Bolsonaro era, igualmente, uma conseqüência do abalo sísmico civilizatório que mencionei acima. Para além da polarização entre PT e PSDB depois da eleição e impeachment de Collor, havia uma ressurgência liberal conservadora relacionada às consequências globais da quarta revolução industrial.

A persistência política da esquerda, do PT e de Lula depois de tudo o que aconteceu de 2015 até hoje, se deve ao fato de que o pensamento da esquerda se inclina, melhor do que o pensamento de direita, a invenção de um mundo possível para além do messianismo milenarista.

Não pode existir um pensamento conservador e de direita, reacionário portanto, que não derive para o neo fascismo. Os pressupostos bíblicos da direita conservadora só se resolvem numa hecatombe apocalíptica. A derrocada do pensamento conservador é uma possibilidade concreta. Os pressupostos conservadores só se sustentam como mistificações e crenças. E, somente uma distopia pode se fundar em mitos tão frágeis.

No entanto, a alternativa ao fascismo parece ainda mais nebulosa num mundo onde a privacidade e o papel moeda estão condenados a desaparecer, ao mesmo tempo em que a inteligência artificial e a robótica vão causar uma disruptura de sentido e significado para a maioria dos humanos. Mais uma vez na história da espécie humana o único sentido possível está no futuro, a espera de sua invenção.

Por isso, os crimes de Bolsonaro e de Moro estão em processo de naturalização. A denúncia retórica não dá conta de manter na superfície o infindável manancial de desvios dessa era da estupidez em que estamos atolados.

Esse processo de aceleração da dissolução do Estado democrático de direito parece (mais do que uma rota originada na tomada de decisões dos atores políticos que exercem e disputam o poder) o resultado da inclinação das forças movidas na crise civilizatória que ameaça a espécie humana.

Em Bolsonaro, a ruptura com a democracia representa uma articulação direta com a criminalidade rasteira das relações entre facções criminosas e milícias. Em Sérgio Moro, a ruptura com a ordem democrática representa as consequências nefastas do arranjo dos interesses das classes médias, que pela corrupção e favorecimento, convivem desde a formação do Brasil, com as iniquidades que caracteriza a vida da maioria da população do Brasil.

É preciso pragmatismo para lidar com a força tectônica da crise civilizatória que vivemos e distanciamento para perceber o curso avassalador dos fenômenos históricos. Sem isso não poderemos identificar os determinantes que devemos enfrentar por serem as chaves para evitar as consequências para as quais estamos nos dirigindo.