Memórias de uma Apoiadora em Formação

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Este meu percurso de aprendiz inicia-se pelo desejo, impulso e materialização dos recursos necessários para concorrer a seleção do Curso de Formação de Apoiadores da Política Nacional de Humanização (PNH) promovida pela SUSAM. A narrativa disposta neste Memorial compreende o período de 12.05.2011 a 12.09.2011.
Para iniciar, demarco um antecedente histórico importante, o que aqui desejo chamar de a “pedra fundamental”, referente a 11.04.2011. A linguagem “pedra fundamental” vem da engenharia, utilizo-a para indicar a visão de grande obra coletiva sobre a qual estamos tratando neste tema.
Assim, 11.04.2011, foi o dia em que a coordenação do curso, por meio da srª Telma Amaral, esclareceu os termos subjetivos e objetivos preliminares implicados na dimensão da proposta formativa em questão.
Lembro-me que vi atenta, Telma realizar o desenho de cenários característicos da Saúde no Brasil e no Amazonas. Telma, autêntica e muito serenamente situou as questões institucionais, a necessidade de perfil das pessoas e o foco de ação da expansão da PNH formulado e repercutido pelo grupo existente até agora no Amazonas.
Olhando e entreolhando a explanação com a qual interagia, fui pensando na minha trajetória de pedagoga do Sistema Único de Saúde, desde 2008, e vi que aqueles temas, aquelas buscas, situavam-se dentro de algumas questões do meu cotidiano. E mais, sabia que ainda não havia tido oportunidade de compartilhá-las efetivamente com um Coletivo de profissionais, pautados em problematizações semelhantes.
Assim, adentrar aos conceitos e práticas da Humanização era para mim mais que uma oportunidade profissional, já naquele momento inicial, representava uma perspectiva de amplitude existencial.
Não obstante, os sentimentos que me impulsionavam e que os reverbero nesta introdução de Memorial, eu era conflitada com o olhar factual que descortinava, vendo algumas pessoas desistirem. Talvez até se desagradassem pela forma aberta e coerente como a Telma relacionava conteúdos, perfis e necessidades do campo da saúde.
Honestamente fiquei pensando: é, todo mundo quer encontrar gente boa, só que quase ninguém quer se transformar nessa tal boa pessoa! Todos querem ser acolhidos, mas ninguém quer propor acolhimentos. Todos querem ensinar, mas ninguém quer inicialmente, aprender…
Colecionadora daquelas ausências, pensei em ser uma presença. Algo do tipo: Deixa, que eu vou….Reprisei em meu pensamento o que ia explanando a Srª Telma e grifei no meu bloco de anotações uma frase dos inúmeros slides apresentados:

…a formação é um processo que extrapola o sentido clássico da aquisição de conhecimentos técnico-científicos referidos a uma dada profissão a serem aplicados em dada realidade…Formação significa, sobretudo, produção de realidade, constituição de modos de existência, portanto, não se dissocia da criação de modos de gestão do processo de trabalho (Heckert e Neves, 2007)

Daquele instante em diante, me via desejante da formação proposta. Sabia que iria concorrer para tê-la. Não sabia que iria ser selecionada, Mas que iria tentar, sem dúvida. Desta forma caminhei até chegar neste bom instante de “prestação de contas”. É, sinto-me feliz e em devir! Da escolha inicial, às rodas e rodadas a que me submeti para ser agora quem sou, revelo a autenticidade em que mergulho para expressar o que foi para mim o processo.
Anotar é rever. Escrever é reescrever. Abrir sintonia com o que está em nós inscrito e apreciar através da expressão “texto” nós mesmos e outros protagonistas: usuários, trabalhadores e gestores do Sistema Único de Saúde.
Tenho que cumprir meus deveres, mas escrevo também para ajudar que a Humanização extrapole a beleza da palavra em si, e não se destitua de sentido e seja emplacada como um “rótulo”. Lançando os dados da vida encharcada de Humanização, quero afirmar que é preciso continuar. Quero fazer lembrar que mesmo ao registrar a digital e acionar o cartão de ponto eletrônico, diariamente, saibamos ecoar sempre a advertência de Charles Chaplin: “não sois máquinas, homens é que sóis”. 1. PNH: À primeira Vista

“…Quantos aqui ouvem, os olhos eram de fé…” ( Zé Ramalho)

O I Módulo do curso de formação de Apoiadores Institucionais para a PNH no Amazonas, ocorreu nos dias 12 e 13 de maio de 2011, no Auditório da Divisão de Desenvolvimento Profissional do Magistério (DDPM), antiga Aldeia do Conhecimento, da Secretaria Municipal de Educação.
Nosso local de curso apresentava-se como um lugar cuja arquitetura favorecia a disposição física que muito caracteriza os Encontros da PNH, o formato de roda. Assim, já praticando a mistura, a primeira dinâmica realizada por nossas formadoras, visava formar pares, juntar as pessoas em duplas.
O comando era completar provérbios populares, que haviam sido divididos em dois. As duplas que se encontrassem naquele grupo inicial de cerca de 80 pessoas, poderia começar a trocar informações sobre si .
O resultado seria algo prático e rápido se os provérbios não tivessem sido subvertidos pela sátira. Daí que muitos pares demoraram a se encontrar achando mesmo que até não tivessem par… Mas aos poucos todos foram se encontrando e a dinâmica que provocava risos e leveza entre os participantes, ia finalizando com extremo êxito.
Entre nossos formadores estava novamente presente a serena e firme Sra. Telma, da Coordenação Local da PNH no Amazonas. Representando a Coordenação da região norte, estava a entusiasmada Terezinha.
Mundo pequeno, hein! Esta é uma expressão comum que às vezes utilizamos quando nos deparamos com pessoas já conhecidas em locais em que não esperávamos vê-las.
Neste curso não encontrei propriamente pessoas a quem já tivesse fisicamente encontrado. O que de coincidente encontrei foram percepções, esperanças, gostos pela condição humana. E como era de se esperar também: “…Tanta desdita! Amor, nem te digo. Tanto castigo que eu tava aflita de te contar…” . Na mesma atmosfera, ao ouvir algumas problemáticas sobre a área da saúde, fui lembrando do resto da letra: “… Vinha nego humilhado/ Vinha morto-vivo/ vinha flagelado de tudo que é lado /Vinha um bom motivo pra te esfolar…” (Chico Buarque, na canção Não Sonho Mais, Anexo 0l )
Desde que me vi/nos vi a primeira vez em Roda, pensei: Não sei, tantas palavras… meias-palavras. Muitos psicólogos… isso pode dar em catarse. Mas não sou de desistir e fui lá, na linha mesmo do vamos lá, vamos experimentar.
Na atmosfera de abstrair a metodologia da roda, fui mexendo no dentro que trago no peito e encontrei entre alguns gostos pessoais, umas canções. Aliás, sou mesmo das canções! Sempre ouvi muitos textos bons dentro da música popular brasileira e sempre que foi possível colecionei CD’s para ouvir e reprisar as canções preferidas. Assim, a palavra “ Roda”, metodologicamente empregada, ecoou com a célebre canção de Francisco Buarque de Holanda (Roda Viva, anexo 02):

Roda mundo, roda gigante
Roda moinho, roda pião
O tempo rodou num instante
Nas voltas do meu coração…

Nesta complexa canção sobre a espiral de algumas situações que a vida oferece, nosso corpo/pensamento vai sendo envolvido em partes…, o decrescente tamanho das “rodas” – as da canção e as da vida. Nesta sequência, penso o que diz a letra para mim: “roda mundo”: Mundo, em sua aparência a maior de todas as rodas conhecidas! A seguir: “roda gigante” (grande? mas diminuída ante ao tamanho do universo/mundo da roda anterior), “roda moinho” ? (um pouco menor e mais “moedora”, drástica, atroz…) e, fechando/abrindo: finalmente “roda pião”, o brinquedo, a menor delas… e talvez a mais interior das rodas a ser girada!
Sem querer confundir quem não for muito afeito a linguagem buarqueana ou mesmo quem não goste de análises textuais, bem, este é o meu Memorial! E, para começar as giradas deste pião no universo da Humanização, quero também me valer do jeito e texto de Ariano Suassuna, ecoando o meu : “só sei que foi assim…”

 2. PNH: Lançando os dados da Vida e da Humanização

Lembro do nosso colega Rocha externando o discurso sobre o medo de todos. Tínhamos receio da amplitude da função Apoio. Tínhamos o desejo, mas não sabíamos se íamos dar conta. Para doar um pouco de ternura pensei no trecho da toada Festa da Raça, do Boi bumbá Garantido (Folclore Amazonense/ Chico da Silva): “o mundo gira junto com você!”. Vamos caminhar!
O Encontro Presencial Local (EPL) era a “Roda da vez” para aprofundar os destaques de tantos conteúdos e vivências dos Encontros Gerais ( com a turma dos mais de oitenta). Realmente refletir sobre as falas, os slides dos consultores, as consultas e os links com o cotidiano de nossas instituições é que poderiam nos ajudar: girando e fazendo a roda girar!
Neste primeiro módulo, soube que iria compor um grupo com as Formadoras Nair Costa e Karla Lima. Nair é assistente social. Karla Lima é uma psicóloga.
Nada há de mais importante na vida, no desabrochar de um ser humano, do que ter alguém que acredite nele! Pela forma como Nair e Karla conduziam os tempos das falas, o jeito da escuta, o acolhimento e ampliação do “soneto individual”, acreditei nas nossas possibilidades de formação e de comunhão. Especialmente com os mais necessitados de falar, fui me comprometendo com uma preocupação maior.
Mas realmente vi e senti que o grupo estava em ambiente seguro, com formadoras em condição de nos ancorar nos banzeiros que os rios da Humanização iam nos proporcionar . Gostei muito da definição que ouvi durante a roda: “ não é um grupo terapêutico, é para discutir processos de trabalho”.

 

 

 

"Não tenho um caminho novo. O que eu tenho de novo é um jeito de caminhar."
( Thiago de Melo)

As leituras ajudavam muito nas necessárias conquistas de um novo jeito de caminhar. A apostila, os Cadernos HUMANIZASUS, tesouros em nossas mãos! A partir do 1º giro de várias outras rodadas de conversa com Humanos sobre Humanização ( único jeito conhecido de “ humanizar”), era preciso ler para aprofundar.
A leitura é essencial, como ferramenta de lapidação, porque nos faz silenciar. As vozes da discussão eram ótimas, mas o silêncio na leitura, aprofundava o teor das palavras e sentimentos que vivíamos.
Leitura de livros e leitura de mundo, essa conexão construi junto com a obra de Paulo Freire e com meus alunos/professores da Educação de Jovens Adultos, com os quais havia me deparado em estrada anterior da minha vida de docente e pedagoga.
A abordagem da fala das pessoas (meus novos colegas de trilha de aprendizagem), na minha percepção, focava vários conceitos de dor: dor física, dor d’alma, dor social. Como gosto muito do Djavan, fiquei pensando em tocar paras as pessoas muito absorvidas pelos dias frios do isolamento, que o coletivo poderia ajudar: “ E tudo nascerá mais belo, verde faz do azul com o amarelo o ELO com todas as cores para enfeitar amores gris” (anexo 04)
Enquanto o curso transcorria, as discussões, as leituras, os desafios… o som das políticas públicas do novo Governo Federal, também eclodiam pela televisão. “Paradoidos / Paradoxos”. É, parece que foi isso o que vi, como telespectadora do “ Jornal Nacional”:

“ País rico é país sem pobreza” (slogan do novo governo Dilma Rousseff ).

Minha subjetividade aquecida com a condição de aprendiz ficava refletindo: Realidade/ contextos/ Palavras/ Slogans ! Problemas de lógica, que os textos sobre Humanização também apontavam: “ É um ótimo médico, mas parece um cavalo”. Frases também dos tipos “rouba, mas faz “ (!?). Tais frases invadem o cotidiano e nem crítica recebem mais.
Neste desencadear dos conflitos que são lidos, mas não imobilizam, lá estava eu, forças reunidas, fui para a primeira roda da minha vida com os trabalhadores, meus pares e ímpares. “… Sem o seu trabalho o homem não tem honra e sem a sua honra se morre e se mata” ( Gonzaguinha).
As rodas no LACEN iniciavam sua contribuição para minha Formação. LACEN significa Laboratório Central, serviço da FVS que concentra um grande número de profissionais: técnicos de patologia, farmacêuticos bioquímicos, enfermeiros, recepcionistas, telefonistas, motoristas, etc.

 

3. Protagonismo: Girando e fazendo a roda girar

Inicialmente, elenco a sistematização da 1ª atividade proposta ao Coletivo:
1) O que seria uma ação de Humanização considerada capaz e possível de propiciar impacto significativo na realidade em que você trabalha? (análise a ser realizada em conjunto com outros profissionais dos serviços: médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, etc)

Para análise de viabilidade da implementação de ações:

 

Ação Fatores intervenientes no desenvolvimento da ação e alcance de objetivos

Facilitadores
Dificultadores

 

 

 

Aqui, exatamente nesse espaço-tempo de fazer as perguntas girarem, posteriormente, fui entendendo ter lançado ali o primeiro passo para os traços e compassos do Plano de Ação, uma obra coletiva!
Plano de Ação/Intervenção, dizia um dos consultores “deve ser visto como espaço para se qualificar para negociações e pactuações, para disparar processos e movimentos”.
Os primeiros sintomas de nossos conflitos/ problematizações apareceram nos desafios dos profissionais para realizarem trabalhos em equipe; Barreiras de comunicação; dúvidas se o outro estava “compreendendo” sua linguagem.
Algumas das questões que mobilizaram esta 1ª Roda: Você sabe o que outro colega de outro setor faz? Fazem falta as informações que você não tem sobre o trabalho de seu colega? Você tem facilidade para ouvir o outro? Tem o hábito de buscar pelo outro?
Seria bom iniciarmos ações para benefícios de toda a coletividade?

Analisador de possibilidades, viabilidades. Na leitura surgia: “Este movimento chega aos anos 2000 encontrando ou se chocando com o que, paradoxalmente dele resulta: imagem formas instituídas, marcas ou imagens vazias, slogans já”.
Também surgiam falas dos colegas na perspectiva “do humanismo forte aos clichês”: Humanizar é cumprimentar? Ser polido? Boa sorte!(Já que equidade e justiça não está em oferta, restam os dados da sorte); Deus ajuda quem cedo madruga (!?) na fila do SUS?
Neste compasso interativo, sabemos que não estamos na recepção de uma novidade. E talvez o estranhamento dos que recusarem ou aderirem seja esse… Nem a PNH é algo realmente novo, nem o ser humano universal, brasileiro, amazônico, miscigenado conseguiu se renovar para humanizar. Acredito que é compreensivo. E para estar em roda essa compreensão de vínculo solidário é um imperativo!
Estamos todos inconformados! Mas uns estão à espreita, esperando para ver no que vai dar. Outros olhando e talvez pensando em se movimentar. Outros, tentando, tentando… na busca do outro, para não, solitariamente, se “desumanizar”.
Advinda da primeira rodada com meus colegas do LACEN/FVS, voltei aos destaques de Leitura: A sustentabilidade do SUS, os consultores, as consultas e nossos links tomavam ainda mais espaços nos meus interesses.
Neste novo EPL, com a discussão do Texto “Reforma política e sanitária: a sustentabilidade do SUS em questão” (Gastão Wagner de Sousa Campos), fomos fundo na questão do reposicionamento subjetivo.
Gostei, fui atingida! Na minha opinião, no mix entre as realidades individuais e o real das lutas universais, estão os “lutos” elaborados. São os ecos de tais “lutos” que instrumentalizam o solitário indivíduo a integrar-se como voz coletiva e compreender-se nesta aprendizagem.
Para Gastão, a função do Coletivo aponta para “articular a defesa do SUS às reformas de ordem social e política brasileira”. Nesta proposta de Reforma do modelo de gestão, diminuir o peso do poder executivo (governo), com a valorização e ampliação dos espaços de gestão compartilhada.
Era preciso contagiar e fazer girar a pergunta: Quais as vantagens de se trabalhar em equipe?
Qual nosso sentido de grupalidades?
Por onde ampliar a face sensível do sujeito?
Olho e coração de trabalhador e usuário, seguia colada nas minhas reflexões: compartilhar o conceito e valor do SUS por meio da explicitação da valorização do que é público. Era preciso aprofundar a fortaleza da afirmativa: “Sempre que falo em Humanização estou colando nesta palavra-valor o tema de defesa da vida e o de paidéia” (Gastão Campos)

Girando na roda…muitos exercícios de conexões a fazer, olhava a mim e também aos outros: Alteridade: o outro tem necessidades, tem desejos. Tem Direitos!

Radicalmente TODOS somos sujeitos de Direitos! Misturar, juntar diferenças e semelhanças ajuda-nos a fazer ver, quebrar a estéril dignidade humana apenas para uns.
Todos são dignos!

“A humanização tende a lembrar de que necessitamos de solidariedade e de apoio social. É uma lembrança permanente sobre a vulnerabilidade nossa e dos outros. Um alerta contra a violência” (Gastão Campo)

Por isso, quando tratamos de relações de trabalho, afeto e poder, necessariamente também estamos favorecendo nossa emancipação, pessoal e coletiva!
Acreditar no desenvolvimento e na capacidade de aprendizagem dos diferentes sujeitos para lidar com a reflexão sobre a origem e o desencadeamento das relações de trabalho, materializa a PNH. Nessa âncora metodológica, não se trata de foco em indivíduos, mas foco em relações entre sujeitos para produção de saúde.
Mãos à obra: Mais rodadas de Alinhamento conceitual, construção de vínculos. Sentimento de corresponsabilidade inerente à função vivenciada.
Ainda bem que nas novas rodas de conversa realizada no LACEN, percebi que o número de pessoas havia aumentado. Maravilha! Um falou para outro e surgiu, no mínimo, curiosidade para saber quais vínculos uniam aqueles profissionais em torno de seus temas.
Ter/ser o coletivo da Humanização é poder apropriar-se de uma linguagem muito importante. Fazer, beneficamente, disparar o coração nas andanças próprias de ser sujeito da produção de seu trabalho. Como Formação para Humanização não ser “rótulo”

“Formação é criação de modos de existir (viver, trabalhar, amar, aprender) e não apenas instrumentalização do outro com novas tecnologias”
Cleusa Pavan

 

Lembro-me de um dia em que uma de nossas colegas, na boa, sem agressividade nenhuma, mas com relativo “desespero”, durante um EPL, perguntou a uma de nossas formadoras (referindo-se aos compromissos do curso): Vocês estão exclusivas, só pra isso?
Claro que isso chamou a atenção das criaturas em formação… (E não dispensadas de outras demandas. Fazendo malabarismo para estar em conexão com tudo que nos era solicitado e que, claro, por vezes ao invés de nos colar umas às outras, para intensificar o “nosso coletivo”, fragmentava-nos).
Assim, com aquele sorriso típico que colore a alma da formadora em questão, ela respondeu (querendo dizer: quem me dera!): informou que não.
Sei que eu, tentando me afinar com todos os flashs, lampejos de luz elétrica ou estelar, foi mais um tácito momento de formação. Desses maravilhosos! Sem Datashow, power point, câmera digital. Sim, os instantes sobre os quais ninguém está fazendo estardalhaço, mas pela Verdade dele emanada, um conceito caminha com seus próprios pés alados e simplesmente está bem aplicado.
Na área da saúde, especificamente no campo da Humanização, ninguém vai nos “dispensar” para alcançarmos nossas metas. Para avançar vamos ter que ganhar terreno fazendo. Do movimento de nossos afazeres surgirão nossas soluções.
Conceitos como protagonismo, autonomia, corresponsabilidade não se materializam simplesmente porque estão bem escritos, analisados, enfatizados, esclarecidos em livros ou apostilas.
Paulo Freire, Marx, Gramsci, Boaventura Santos, Darci Ribeiro, apenas para citar alguns estudiosos, fizeram anúncios e foram denunciantes importantes. Seguiremos lendo e aprendendo sobre o que fizeram, mas é fundamental a compreensão que precisamos, a partir também de nossas autorias, promover nossas contribuições em Defesa da Vida.
Direitos à Educação, Saúde e Nutrição mesmo há mais de vinte e três anos escritos na Constituição Federal Brasileira, tem o nível de materialidade proporcional ao nosso senso e atitude organizacional. O que saiu do papel, foram frutos das práticas coletivas, animadas pelas forças concretas do esforço de todos e de cada um que os tiraram da retórica banal e do mero eco dos microfones.
Neste processo de formação no contexto da intervenção em Saúde, a partir da consultoria de Cleusa Pavan, explicita-se: “PNH estratégia de interferência…. Inter-ferências comportam Transferências. Trans-ferências de saberes, de poderes, de tecnologias, de afetos”
Para mim, neste dia, Cleusa foi direto ao ponto da formação-intervenção, que noutras palavras enuncia perguntas àquele que se propôs formar: Quero eu interferir, transferindo, compartilhando, doando-me???
Outra afirmativa de Cleusa: “nunca saímos impunes de processos de formação –intervenção. Com eles inter-ferimos, produzimos vida individual e coletiva, nos produzimos, produzimos mundos. Interferência com e não sobre”.
Um conceito para ganhar tempo para a formação: Reverter! Para lembrarmos o simples e elegante Edu Passos: “Reverter aqui significava trocar o primado da meta pelo do próprio caminhando (hodosmeta), afirmando a força da experiência concreta como guia para nosso (per)curso.”. Compartilhar o caminho, caminhada, o aprender-ensinar.
No decorrer dos Encontros gerais, intervalos para mais que o cafezinho e a bolachinha. Havia um pouco de tudo. E mais a onipresença da câmera fotográfica digital pessoal, que há muito é objeto obrigatório em cursos, shoppings, elevadores, igrejas e etc. De certa forma, a maquininha, também provocava barreiras de acesso aos consultores, que tinham que ser bastante clicados, e às vezes uma perguntinha no curto intervalo, ficava inviabilizada.
Daí que também envolvida em conhecer meus muitos colegas, nunca cheguei a conversar diretamente com nenhum dos consultores, apenas trocava ideias com meus inúmeros companheiros de serviços de saúde e alguns formadores. Como eles estavam no mesmo percurso de formação que eu, aproveitava para “investigá-los” e trocar experiências.
Preciosos saberes, saborosas questões com os colegas que se conectavam mais com a fala de um consultor e outro reverberava com a outra captação. Muito legal de ouvir! Como Formação e a Humanização não ser “rótulo”?Esta questão precisa ser grifada por todos os militantes da PNH.
Conduzir a força da coerência é a própria PNH em ação. Assim, ainda no marco das contribuições de Edu Passos, enfatize-se a indicação do Apoio como Método. Sobre isso recaem três dimensões: um modo intensivista; um modo de contágio; um modo de referência.
A seguir, na sistematização do próprio Edu, temos as características:

Apoio institucional = desafio de realizar um processo que, metodologicamente, pressupõe a reversão da prática extensiva da ação ministerial em intervenções intensivas. Apoio como Contágio : no lugar de propor a mudança, propagá-la; no lugar de decretá-la, dar condições para ampliação do que é só germe potencial. Neste sentido, o caráter intensivista do apoio da PNH decorre da ação de contágio. Apoio como referência: Todo dispositivo tem uma função de referência, isto é, põe a funcionar determinado processo, aciona um movimento de mudança das práticas de saúde e serve como guia. O apoiador é um guia para o caminho em um processo de mudança dos modelos de atenção e gestão na saúde.”

Dessa forma, tanto a Formação para o Apoio quanto a atitude Pró-Humanização, decorrente de suas ações, não se convertem em mero “rótulo”! Transfere-se e alimenta-se nos poderes, saberes e práticas compartilhadas. Mais ainda, AGIR, podemos lembrar e fazer valer o que dizia Ghandi: “Eu devo ser a transformação que eu quero ver”.
Não há como não querer realizar este registro sobre as conexões com os saberes do consultor Edu Passos . Para ele esta minha constatação pedagógica: usa “…palavras como se fossem mãos” (E.Lobo/Chico Buarque).
Edu tem aquela mansidão do exemplo e da força das palavras. Para o grupo em geral e para cada pessoa em particular foi fácil a associação com os esclarecimentos conceituais que ele socializou.
Naquela forma de se comunicar, foi paulatinamente ilustrando as condições estratégicas do protagonismo da função Apoio. Neste sentido, destaco suas habilidades de conduzir as perguntas e elencar possiblidades, vejamos:
“Estratégia
O que é a formação de uma estratégia?
formação estratégica = no lugar de turmas, UP s. No lugar de alunos, infiltrados”

Edu, ressalta com sua fala a relevância de contar com as pessoas atentas ao seu próprio cotidiano e nele mesmo, produzindo-se a si na formulação de novos modos de produzir saúde. Nessa perspectiva, no outro ponto de sua fala, deixa explícito a função do sujeito coletivo e a composição dele emanada:
“Afirmamos, no cotidiano das práticas concretas do SUS a inseparabilidade entre atenção e gestão, entre produção de saúde e produção de sujeitos, entre formação e transformação de si e da realidade do mundo.
Quem é o sujeito do processo de produção de saúde? Um sujeito coletivo
Não transformamos sozinhos o mundo. Daí a importância do coletivo e das práticas de grupalização e aquecimento das redes: as redes dos trabalhadores que compõem as equipes, as redes de serviços, as redes sociais, as redes da vida.
REDE = sistema acêntrico, hiperconectivo, amplificante ”

A partir de tais disparadores, podemos enfatizar a relevância das sementes lançadas e os elos de correspondência estabelecidos a cada novo módulo deste curso sobre a PNH. Tanto os Encontros mais amplos quanto as EPL’s deste período foram alinhando as experimentações realizadas aos referenciais teóricos estudados, pesquisados e consultados.
Testando e ensaiando novos “modo de fazer”, ensejando valer que o método da PNH se faz processando e inovando formas de incluir novos parceiros, multiplicando os agentes de contágio da política.
Para ampliação dos cenários institucionais para a PNH e principalmente por demanda do Coletivo que eu representava neste processo, algumas boas novidades ocorreram. Apresentei o pedido à minha formadora, para que dois profissionais da FVS, de setores diferente dos meus, pudessem participar como ouvintes das falas dos Consultores do IV Módulo do Curso de Formação de Apoiadores da PNH.
Pedido apreciado e aprovado, fizemos a experiência. Como o elo forte da PNH são as pessoas, ter a presença de mais dois colegas, de setores distintos da FVS, ouvindo diretamente a fala dos consultores, ajudou-me muito na ênfase institucional que era necessário dar naquele momento.
Após a participação tripla (eu e eles), em diálogo sobre a visualização do Encontro, foi marcante perceber a importância daquela participação . Como subsídio na execução das atividades para formulação do Plano de Ação/Intervenção, os conteudos dos slides fizeram o contágio da PNH em mais uma roda de conversa realizada no Laboratório Central (LACEN).
Podíamos constatar que na convivência com conteúdos e mais pessoas, o sentido das práticas éticas, estéticas, e políticas comunicavam-se mais estreitamente. Nos demais Departamentos da FVS, DEVISA, DVA e DVE, o LACEN representava agora inspiração para fazer girar mais inovações entre os trabalhadores da área da Vigilância em Saúde.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

5. Episódios com Plano de Ação, banner e a “fúria” do relógio: À gosto no mês de agosto

Primeiros dias do mês de agosto, calor intenso na cidade de Manaus, frequentes temperaturas em torno de 40 a 45 graus. Umidade relativa do ar em torno de 10%. E chama a atenção porque estamos numa das regiões mais úmidas do planeta.
Cito esta questão, não para desviar o assunto, mas para refleti-lo contextualmente. Porque associada a alterações climáticas, necessariamente a qualidade de vida da população fica mais suscetível e a área da saúde ainda mais demandada. Instabilidade no clima e no cotidano.
No dia-a-dia do cotidiano pessoal, mais banho, mais água potável, mais suor, mais necessidade de ventilador, ar-condicionado, etc. Nessa disposição de deslocamentos físicos e existenciais este início de mês, nós da UP NORTE, tivemos, três encontros na mesma semana.
Na sequencia de datas: 01.08 – Encontro Local do Curso Política Nacional de Humanização (PNH). Orientações mais específicas sobre a finalização da Matriz do Plano de Ação. Depois, dia 03.08, tive novas rodadas com os servidores do LACEN, para afinarmos ações programadas para a divulgação de nossos trabalhos em torno da PNH. 04 e 05.08- Precioso IV Módulo do Curso Política Nacional de Humanização (PNH) e um certo sentimento de alegria pelo percurso, mas entendendo que nesta etapa, o cronograma vai se concluindo.
Sei bem que sem os devidos acordos com o tempo é impossível atingir as metas a que nos propomos. No decorrer do curso, um dos grandes desafios foi exatamente este, pactuar com o tempo, todas as horas necessárias para: leituras, revisões de slides, escrita de memórias, articulação e realização de rodas no Serviço, etc.
Nesta etapa do curso, a fúria do relógio estava ainda mais implacável. Os episódios conclusivos se aproximavam: o Plano de Ação, o banner , este memorial.
A rede toda havia sido lançada no coletivo. Para aqueles importantes atos finais , tudo foi, era, deveria emanar das múltiplas contribuições do coletivo que representavam o nosso todo.
Toda uma aprendizagem de elasticidade estaria por vir. Por exemplo, a singularidade de compor o histórico do serviço, cada pedaço estava num canto, com uma determinada voz. No outro extremo, uma palavra para a ação elencada deveria ser reescrita porque não tinha sido bem aquilo que “Z” entendeu que “Y” pensou que disse, para aquilo que “MMX” enfocou. Fora a diferença entre o que realmente ouvimos e o que foi de fato o desejo do emissor. ..
Paranoias comunicativas e etc. à parte, depois de aprovado, o plano foi enviado, com êxito, para as correções do agente formador, sra Karla Lima. Mais adiante o banner também frutificou!!!
Os produtos que deveriam ser apresentados: Plano de Ação, banner e memorial haviam se entrelaçando e ajudado muito na formação do Apoiador institucional da PNH, o ser em gestação por todos aqueles meses Quando a ação supera sua narração, ficamos meio sem palavras ou com frases mais curtas, até para não nublar a beleza do feito.
Assim, as digitadas conclusivas neste memorial cumprem-se para lembrar que o bom caminho inaugurado é bom porque pode continuar. Trilhas abertas, outros parceiros, entusiastas da PNH podem adentrar a qualquer momento.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

6. Considerações para continuar…

Transcorridas mais de duas décadas da criação do SUS, as conquistas provocaram outros grandes desafios. A necessidade de correspondência com eles é inadiável. O estabelecimento de vínculos solidários, a construção de redes de cooperação e a participação muito contribuem gerando legitimidade social, por isso mesmo, exigem nosso olhar, compromisso e árduo trabalho.
Nesta ação sobre a PNH e a vida, somos muito mais do que aquilo que possamos verbalizar, seja em discurso oral ou escrito. Esta constatação, antes de desmotivar o gosto pelo registro, provoca-o. Atua–se no ponto de vista de que a Vida ( com V maiúsculo) demarca-se também por instantes captados. Este estar vivo no registro publicado doa a transversalidade do eterno na aparente efemeridade de um tempo datado.
Assim, para mim, lançar as luzes pela escrita foi compor, decompor, aprofundar, cruzar, descruzar, ver, rever os fatos nas fotos/ descrições realizadas. E sobre o que foi esta minha foto com a PNH? Quais suas poses, cores, luzes, mensagens tácitas e explícitas?
Bem, vejo em primeiro plano, profissionais movidos e (pró) movidos por seus desejos e imperativos de quererem mais. Seus projetos de vida congregaram-se com as páginas já escritas e inscritas na proposta da PNH. Isso é óbvio! E no enlace objetivo/subjetivo que temos por “claro, lógico e factual” é o que cada um escolhe que vai ver! Por isso mesmo, vejo isto claramente na foto, na busca de contornos éticos, estéticos e políticos do que imprimo!
A informação disponível, ao fundo da revelação exposta, por esta autora, quer também colher versos das canções sobre a realidade brasileira. Com nome Faroeste Caboclo a música em questão é atribuída, em reflexão, sobre o cenário e o povo amazônico.
João de Santo Cristo, personagem central da música em pauta, fez a saída de sua cidade, por imperativo existencial “… sentia mesmo que era mesmo diferente/Sentia que aquilo ali não era o seu lugar/Ele queria sair para ver o mar…”.
Aqui, o caminho dessa inquietude associa-se com as caminhadas vida a fora de caboclos intelectuais, no tanto que se revisam e se entreolham nesta dimensão da PNH no Amazonas. Com o efeito do encontro, vê-se o novo como aposta na superação do estado das coisas daquela condição inicial (antes da viagem formativa!).
Segue o relato de João de Santo Cristo, e pela sua decisão provocar o devir, topando o convite que um terceiro o fizera: “… dizia ele, estou indo pra Brasília, neste país lugar melhor não há…”. Realmente, dita assim, esta cidade oferecida é roteiro indispensável no itinerário da Vida, ao mesmo tempo em que é palco de inúmeras decisões fundamentais para o país.
No acúmulo e revisão da experiência, uma vez mais, tanto os intelectuais caboclos quanto o João (da música) são coincidentes na canção-película, ao toar algo na memória: “era o terror da sertania onde morava
E na escola até o professor com ele aprendeu…”. Aos que já foram identificados, militar no SUS pode nos render “rótulos”!
No movimento de avanços e recuos, o tempo pode parecer regredir, estagnar ou progredir. Por vezes é tempo coletivo, outras vezes é tempo pessoal. No aprender, o principal tempo a ser compreendido pelos viajantes/militantes, é saber prosseguir semeando, abrindo passagens…
Os fatos e fotos da realidade (desta vez na música e neste memorial) cooperam entre si para soar como um alerta. O jovem João, desta música, morreu, mas sei que segue encarnando e reaparecendo Brasil e América latina a fora. Eu, uma cabocla amazonense, sigo a trilha, ao som e com a escrita dos capítulos históricos, reclamantes de novas (in)formações e transposições!
Conclusões, por agora: se João, diz a música, não conseguiu o que queria, cabe aos caboclos e a todos, no clamor ético, estético e político, tentar uma vez mais contagiar o Coletivo do SUS e junto “… falar pro presidente, pra ajudar toda essa gente que só faz sofrer!”