“ Se antes não havia políticas específicas, hoje, o que não existe é o cumprimento delas.”

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Os  textos que seguem foram divulgados na lista de emails do Grupo que faz o Coletivo Ampliado da Rede HumanizaSUS; de forma que coletivamente achamos importante divulgar como Post a  mensagem do companheiro Médico Psiquiatra Lincoln J.C. Almeida, em relação ao posicionamento da Defensoria Pública do Estado de Tocantins, assim como, na ampliação desta reflexão, o documento que expressa o posicionamento da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Seguem os textos ( os grifos são meus):

 

 
Prezados colegas e companheiros (as):

Foi veiculada uma notícia no Jornal do Tocantins sobre uma ação pública civil movida pelo MPE, OAB e Defensoria Pública, obrigando o Estado a internar dependentes químicos em hospitais psiquiátricos e comunidades terapêuticas.
Foi solicitado espaço no mesmo jornal para que se tentasse mobilizar reflexões e ponderações na opinião pública, assim como nos próprios órgãos responsáveis pela ação citada. Sem, no entanto, saber se a entrevista concedida será realmente transcrita de forma integral, decidi enviar este texto pela internet na tentativa de socializá-lo e multiplicá-lo para que vozes de contestação possam ser erguidas  nos mais diferentes cantos do País.
Abraço e obrigado,

Lincoln J.C.Almeida
Médico-psiquiatra
diretor do Caps-ad de Palmas-TO


 
 
SOBRE A AÇÃO CIVIL DE OBRIGAR O ESTADO DO TOCANTINS A
INTERNAR DEPENDENTES QUÍMICOS
(Jornal do Tocantins 07/10/2011)
 
 Eu entendo a seriedade com que o Ministério público, a Defensoria e a OAB se movimentaram para que uma ação civil, obrigando o Estado a internar dependentes químicos, viesse à tona. Entretanto, trata-se de uma atitude desesperada e até ingênua, isso é importante que se diga.
 
Desesperada, pois há muito se sabe que a internação, além de ser apenas uma etapa do tratamento, em lugar algum do mundo traz estatísticas animadoras no que se refere a recuperação do dependente, se vista de forma isolada.
 
Importante dizer também que ela é consequência de uma total desarticulação e falta de diálogo entre os segmentos da máquina pública, pois sabemos que a única forma de um combate mais efetivo ao problema das drogas é realizada através de ações conjuntas entre os diversos órgãos: Segurança Pública, Saúde, Cidadania e Justiça, Educação, Trabalho, Assistência Social, etc.
 
O que acontece, entretanto, é que com a ação pública em questão corre-se o risco de priorizar uma forma de tratamento que tem indicações técnicas específicas e que não atinge a necessidade de grande parte dos usuários, além de onerar tanto o estado que tornará o problema ainda mais agravado. Sinto profundamente pela falta de memória que temos enquanto cidadãos, uma espécie de amnésia histórica, tipicamente brasileira, pois há pouco mais de vinte anos esse era exatamente o modelo de tratamento mais usado para dependentes de álcool, cocaína e maconha, entre outras drogas, mas que não deu certo. Internava-se com a máxima facilidade e simplesmente nunca houve resolutividade, já que após 6 ou 9 meses internado, logo ao sair da clínica, lá estava o usuário se drogando de novo, perpetuando um ciclo de recaídas. Tratar da dependência de drogas sem uma rede constituída que trabalhe globalmente, inclusive com a família e a comunidade, é perda de tempo e de dinheiro público.
 
E isso por quê? Porque o problema das drogas é multifatorial e depende de inúmeras ações conjugadas que vão muito além de uma internação. Se antes não havia políticas específicas, hoje, o que não existe é o cumprimento delas. Atualmente contamos com uma ampla gama de portarias e projetos, temos verbas e incentivos variados, mas incrivelmente, ainda assim, agimos como desesperados correndo de um lado a outro sem nos comunicarmos adequadamente, trazendo o risco de reproduzirmos a mesma coisa que no passado já foi feita e não trouxe resolutividade.
 
É importante que se considere a internação, como disse, parte do tratamento e não o foco principal. Nesse sentido, medidas como essa da ação pública do MPE do Tocantins e como aquela do Rio de janeiro (de retirar à força os menores das ruas) são infantilizadas e demonstram a ingenuidade que citei. Falo infantilizadas porque é assim que uma criança faz quando não quer que um problema exista, isto, é, põe suas mãos sobre os olhos e simplesmente não vê mais o que está à sua frente. Não vendo, passa a crer que o problema também desapareceu. Estamos prestes a fazer a mesma coisa.
 
Tirar o dependente químico de circulação causa uma falsa sensação de alívio à sociedade, pois parece que algo eficaz está sendo feito. Todavia, sem uma rede de ações estruturadas, nada de eficaz está sendo feito, salvo protelando para um futuro próximo o mesmo problema.
 
Pois bem então, e daí? O que efetivamente pode ser feito? Talvez a primeira coisa realmente efetiva a ser feita é o Ministério Público, a OAB, a Defensoria Pública ou o Judiciário, ao invés de obrigarem a internação de dependentes químicos, cobrarem, através de medidas legais, que os dirigentes do executivo (nas esferas estadual e municipal), cumpram portarias, leis e resoluções já existentes.
 
Que esses dirigentes, para isso, convoquem seus técnicos, secretários, diretores, superintendentes, a criarem grupos intersetoriais com poderes deliberativos para pensarem, discutirem e executarem ações interligadas, fazendo com sejam realmente cumpridas.
 
Cito aqui o exemplo de algumas dessas ações já previstas e priorizadas pela política nacional do Ministério da Saúde: ampliar os leitos de retaguarda para desintoxicação nos hospitais gerais (e alguns em clínicas especializadas para os casos indicados), implantar CAPs-ad III em cidades estratégicas (são serviços que internam usuários por vários dias), implantar as casas de acolhimento transitório (CATS) para moradores em situação de rua, incentivar as políticas de redução de danos, consultórios de rua e aquelas geradoras de renda (economia solidária), mapear a cidade, entendendo a dinâmica de fluxo que a droga tem naquela comunidade, investir na capacitação permanente dos profissionais da rede pública, fortalecer a repressão (diminuição da oferta), fortalecer políticas de prevenção através dos meios de comunicação, etc. Isso é eficaz e já existe, por que não se cumpre?
 
Curiosamente não são medidas de grande complexidade, dependem sim de vontade política e compromisso social, pois além de haver verbas federais destinadas a diversos programas, já há lugares que se utilizam amplamente de uma rede pública que dialoga entre si (o estado de Sergipe, as capitais Recife e Belo Horizonte, entre outros), sendo inclusive uma das pautas principais da meta de governo da nova presidente, o combate efetivo às drogas através de medidas intersetoriais.
 
O problema parece estar em desfazer uma espécie de Torre de Babel, onde ninguém entende ninguém e cada segmento tenta idealizar de forma individualizada ‘feitos espetaculares’, ‘programas salvadores’ isolados e fragmentados que, assim como essa ação civil, mesmo estando apoiada na legitimidade de órgãos sérios e competentes como o Ministério Público, Defensoria e a OAB, longe de resolver o problema, só irá criar outro ainda maior à medida que estourar os cofres públicos e se mostrar ineficaz (uma vez mais na História).
 
Que ao menos essa ação pública sirva para demonstrar sua própria ineficácia e a incrível falta de comunicação que todos temos tido, estimulando, mesmo que de forma compulsória, o enfraquecimento de ideologias sectárias, (boa parte delas com interesses mercadológicos e que dominam secularmente a saúde mental), promovendo então, quem sabe, uma interlocução efetiva entre os diversos segmentos sociais.
 
O momento é grave e operacional, não ideológico, momento de unirmos forças com toda a sociedade, esquecendo inclusive divergências ideológicas, sejam elas científicas religiosas ou filosóficas. Que cada uma contribua com sua parte, suas idéias, reconheça seu lugar, mas não aja mais isoladamente como se detivesse a posse de alguma verdade. Juntos, ainda somos poucos para enfrentar essa dramática situação, porém, isoladamente somos verdadeiramente nada.
 
Lincoln J.C. Almeida
( Médico psiquiatra e diretor técnico do CAPS-ad/Palmas )
 

Vejam que, por outro lado, em São Paulo foi justamente a Defensoria Pública do Estado quem se levantou contra um projeto de lei que prevê a internação compulsória de crianças e adolescentes usuárias de drogas Achamos que uma Defensoria Pública estadual, polarmente contrária à de um outro estado, também destaca a necessidade de ações mais embasadas  no caminho que o SUS vem construindo ao longo do tempo, e tentando efetivar através das Políticas Públicas já amadurecidas e aprovadas, porem não implementadas em sua inteireza e amplitude, pelos governos nas esferas estaduais e municipais.

 
Ref: Projeto de Lei nº. 673/11 – internação compulsória de crianças e adolescentes usuários de droga
     O Núcleo Especializado da Infância e Juventude da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, tendo por base as atribuições que lhes são inerentes, primordialmente na prestação de suporte e auxílio nas demandas que, direta ou indiretamente, refiram-se a direitos específicos ou gerais de crianças e adolescentes, vem, por meio dos seus coordenadores, formalizar posicionamento contrário ao Projeto de Lei nº. 673/11, proposto pelo Deputado Estadual Orlando Bolçone, que prevê internação compulsória pelo Poder Público de crianças e adolescentes usuários de droga para tratamento médico.
     De acordo com o projeto de lei, a internação para tratamento médico ocorrerá independente da autorização dos pais, sendo estes apenas cientificados do local onde a criança ou o adolescente está recebendo o tratamento e das circunstâncias em que ocorreu a sua apreensão.
     Mencionar o descaso histórico do Estado para com as crianças e adolescentes brasileiros, diante de um problema grave de ordem de saúde pública pode parecer, num primeiro momento, repetitivo.
     Não é diferente quando se trata de Projetos de Lei como este que visa, tão somente, agravar a situação dessas crianças e adolescentes, uma vez que não prevê qualquer critério para o tratamento médico, psicológico, ou mesmo políticas públicas suficientes para enfrentar o problema, marginalizando a pobreza e fortalecendo estigmas preconceituosos.
     Salta aos olhos daqueles que se dedicam à incansável busca da efetividade dos direitos assegurados por lei às crianças e aos adolescentes a problemática social a que se está prestes a enfrentar mediante a aprovação de um Projeto de Lei como este: não se nega, e prevê, a transferência do grave problema de saúde pública das ruas para estabelecimentos despreparados – acredita-se, inexistentes – sendo certo ser esta mais uma medida “higienista”, proposta em conflito com as garantias constitucionais.
     Em que pese a superficialidade ao qual o tema internação compulsória foi tratado no Projeto de Lei, não foi possível esperar nada diferente da sua justificativa, em especial pelo vago depoimento do médico especialista em dependentes que supõe que caso morresse e seus filhos ficassem na rua, sua vontade era que o Poder Público cuidasse de seus filhos.
     Sem adentrar ao mérito acerca da excessiva – e temerária – confiança depositada ao Poder Público e limitações institucionais tal projeto destina-se, único e exclusivamente, à crianças e adolescentes em situação de miséria cujo uso da droga, muitas vezes, é decorrente dessa condição social.
     Nesse contexto, cumpre indagar o seguinte: se mesmo a internação para tratamento da dependência considerada ideal – estrutura adequada, apoio médico, psicológico, familiar e do próprio paciente – não é garantia integral de recuperação de tais pacientes que assumirão personagens da institucionalização irresponsável, o que se espera de uma internação que seja compulsória, massificada, desmedida, que desconsidera o apoio familiar e a vontade da criança ou do adolescente em receber o tratamento, conforme propõe o Projeto de Lei em comento? É no mínimo inconstitucional.
     Lamentavelmente, não é possível esperar nada diferente de um grande depósito de crianças e adolescentes “dopados”, estabelecendo-se uma releitura dos antigos unidades manicomiais e abordagem menorista.
     Diante da precariedade das políticas públicas brasileiras para crianças e adolescentes envolvidos com o tráfico e o uso das drogas, não se pode pensar em saídas imediatas enquanto o Estado não comprovar esforços para a implantação de políticas públicas na saúde, educação e assistência social, investindo em estratégias antidrogas: prevenção, por meio da conscientização; educação e tratamento adequado: clínicas públicas de reabilitação de qualidade, profissionais especializados, medicamentos suficientes, etc.
     A respeito da estrutura atual das políticas públicas básicas e sociais destinadas para atendimento inicial de crianças e adolescentes, o Estado de São Paulo, com 645 municípios, possui apenas 58 Centros de Atenção Psicossocial de Álcool e Droga – CAPS-AD, e 216 Centros de Referência Especializados de Assistência Social – CREAS.
     Não existe solução milagrosa para sanar o problema de saúde pública enfrentado pela sociedade, especialmente, quando se pretende impor tolerância zero e total abstinência para tratamento de suas crianças e adolescentes em situação de drogadição.
     Todavia, existe a possibilidade de que seja colocado em prática o Estatuto da Criança e do Adolescente, normas de funcionamento do Sistema Único de Saúde – SUS e Sistema Único de Assistência Social – SUAS primordialmente na elaboração de programas de proteção integral da criança e do adolescente cujo intuito é priorizar a prevenção frente à repressão.
 Ou, ainda, levar em consideração, quando da aplicação das medidas de proteção (art. 100 do ECA), os princípios (i) que reconhecem a condição da criança e do adolescente como sujeitos de direitos (inc. I);
(ii) de proteção integral e prioritária dos direitos de que são titulares as crianças e os adolescentes (inc. II);
(iii) que respeite a intimidade e o interesse superior da criança e do adolescente (incs. IV e V);
(iv) de intervenção mínima das autoridades e instituições (inc. VII);
(v) de proporcionalidade e atualidade das medidas de proteção (inc. VIII) e;
(vi) de prevalência da família na promoção de direitos e na proteção da criança e do adolescente (inc. X).
     Infelizmente, enquanto falharem as políticas sociais básicas destinadas às crianças e aos adolescentes como saúde, educação, esporte, lazer, dificilmente se logrará prevenir o tráfico e uso das drogas.
     Posto isso, por meio da presente manifestação perfunctória, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, por seu Núcleo Especializado da Infância e Juventude, reafirma sua posição contrária à aprovação do Projeto de Lei nº. 673/11 e lamenta a movimentação contrária à proteção da criança e do adolescente advinda de membros do Poder Legislativo do Estado de São Paulo.
     Sendo o que nos cumpria para o momento, subscrevemo-nos, respeitosamente,
DIEGO VALE DE MEDEIROS E LEILA ROCHA SPONTON
Coordenadores do Núcleo Especializado da Infância e Juventude
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
 

 Fonte da Imagem:

Blog de jennybyjenny :a visão de uma alma nua e crua, Crianças do Brasil- jennybyjenny.spaceblog.com.br