Pela humanização da vida

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                 PELA HUMANIZAÇÃO DA VIDA

Todo ano a mídia divulga que o brasileiro trabalha x dias no ano para pagar impostos, anunciando o dia a partir do qual nossos salários genuinamente passam à nossa autonomia de usufruí-los.
O que não tem sido suficientemente abordado na mídia, e provavelmente nem nas rodas de conversas ou reflexões pessoais é sobre quanto tempo a modernidade tem nos feito perder, reféns da burocratização, mecanização, mercantilização e espetacularização da vida.
Quantos documentos são necessários para se renovar um simples alvará profissional? Tarefa ingrata a ser repetida anualmente, cada vez com maiores exigências.
Para uma transação virtual básica como a compra de uma passagem aérea via internet, que deveria ser pensada para dinamizar a vida das pessoas, precisamos de cadastro, login, senha, assinatura eletrônica e código de resgate.
Quanto tempo de nosso dia desperdiçamos deletando e-mails desnecessários?
Ou mais simples ainda, para comprar-se um pão ao retornar para casa ao final do expediente, ato cotidiano que subtrai tempo de nossas vidas, em sucessivas filas: do pão, do caixa, da faixa de segurança pra atravessar a rua..
Filas, senhas, engarrafamentos para praticamente tudo o que precisamos fazer no dia-a-dia.
E plataformas: Brasil, Lattes, Moodle!
Ah!! Quem precisa mesmo de plataformas para viver…?
Quantos livros conseguiríamos ler, se não vivêssemos tão presos às novas tecnologias e à burocratização do cotidiano?
Bem fazem os russos ao lerem seus livros enquanto descem as escadas rolantes do metrô!
Mas.. ah, sim.. livros nem são tão bem vindos, pois "já nascem desatualizados". Recomendado mesmo são os “papers”. E há que se produzir uns cinco por ano para não perecer.
Ler o que já foi feito e inspirar-se a fazer mais do mesmo. E sempre na terceira pessoa!
Num passado nem tão distante, nossa memória estava ocupada em guardar as letras das músicas que gostávamos.
Perde-se uma habilidade cedendo espaço para serem adquiridas outras. A dúvida é se não estaríamos empobrecendo na troca.
Quantas vezes somos dispersos com o supérfluo: propagandas, “celebridades”, mediocridades, lixo global?
Que modernização é essa que se tivermos pressa, melhor irmos a pé? Ou quem sabe, de jegue?
A mesma modernização que oferece em média um computador para cada três pessoas, dois celulares por pessoa (dual chip), ou smartfhones com todas as respostas para as possíveis perguntas. Mas se precisarmos fazer um telefonema, corremos o risco de sermos atendidos pela máquina, ou pior, por uma pessoa treinada para funcionar como uma gravação.
E se cair o sistema? Esqueça, pague sua conta com juros no dia seguinte. Sim, volte lá, retire sua senha clicando na tecla “você”, espere na fila olhando para uma divisória espelhada que reflete sua cara de tédio, e dá-lhe vida jogada fora.
O contraponto disso é passar a vida gastando em nome de adquirir e terminar nossos tempos com todo o tempo do mundo, no vazio de uma “casa de repouso”.
Muito mais valioso que o dinheiro que repassamos aos impostos é o tempo que, passivamente, dedicamos ao não viver em nome do viver.
Mas gastar vida não nos é um problema, pois como dizia um antigo professor: “tem tempo… eu vou viver duzentos anos!”
Só assim mesmo para podermos absorver toda a fruição que a vida nos oferece.

Martha Helena Oliveira Noal 27/04/2012
Sob o impacto de um show de Vitor Ramil e de não lembrar da letra de uma das músicas mais bonitas que já foram compostas, conforme minha seleção de prediletas.