Semeando saúde, Envelhecendo com dignidade

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Apresentação:

Esse projeto de intervenção foi realizado na área adstrita da Unidade Básica de Saúde de Potengi, no município de Macaíba-RN, pelos doutorandos Caroline Sá, Jhonatan de Paula e Renata Ferraz, durante o Internato de Saúde Coletiva, do curso de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

INTRODUÇÃO:

Estamos vivendo um momento de transformação da composição etária mundial, em que a expectativa de vida para a humanidade tem alcançado valores nunca esperados nos séculos passados. Devido a esse envelhecimento da população e à complexidade de atenção e assistência que o idoso requer o conhecimento a cerca da Geriatria nunca foi tão importante. No momento de conduzir o paciente geriátrico, deve-se sempre valorizar seus componentes psíquicos e sociais, que interagem diretamente com o biológico. A avaliação deve ser ampla antes de ser tomada qualquer conduta.

Além das condições físicas e mórbidas provenientes do próprio envelhecimento, muitos idosos sofrem o abandono por parte da família e decidem viver em Instituições de Longa Permanência (ILP).3 O idoso experimenta uma realidade nova e, por vezes assustadora, tornando-se difícil elaborar de maneira tranquila e equilibrada essa nova experiência, acelerando o seu declínio psíquico e físico.

Visando o bem-estar da população idosa brasileira, criou-se o Estatuto do Idoso (2003), um marco no processo de garantia de direitos desse grupo. Além disso, a Portaria/GM nº 399, publicada em 2006, apresenta a Saúde do Idoso como uma das prioridades no Pacto pela Vida.2

Considerando o conceito de saúde de forma ampliada e atual, que abrange a qualidade de vida como um todo, se faz necessário promover mudanças em direção a um ambiente social e cultural mais favorável para a população idosa.2  É importante, ainda, a conscientização de que o idoso deve ser respeitado no seu papel enquanto pessoa e cidadão e, portanto, a ele deve ser garantido dignidade, moradia, alimentação e condições de saúde.

Em Macaíba, encontra-se o Abrigo Deus e Caridade, instituição que recebe idosos há 56 anos e abriga hoje um total de 19 moradores. O lar possui assistência médica periódica, mas não fixa, o que significa que os idosos são acompanhados por vários médicos diferentes, o que impede a formação de um adequado vínculo médico-paciente. Além disso, algumas vezes surgem condutas divergentes e perda da longitudinalidade da atenção/assistência, dificultando o cuidado do paciente idoso.

Baseado nisso, a intervenção que desenvolvemos ao final do Internato de Saúde Coletiva em Macaíba-RN foi fundamentada no aspecto do envelhecimento saudável. Almejando um cuidado mais amplo e detalhado desses idosos, decidimos realizar uma avaliação geriátrica global de cada um dos moradores da instituição, de modo a promover, na medida do possível, uma melhor qualidade de vida.

 

OBJETIVOS:

Realizando uma avaliação geriátrica global, objetivamos detectar condições mórbidas ocultas, ou seja, condições que à princípio não constituíam queixas do paciente, mas que contribuíam diretamente para queda de funcionalidade da pessoa idosa. Entre elas encontram-se: depressão, demência, incontinência, deficiências visuais e auditivas.

Além disso, iremos investigar a situação vacinal de cada morador, a presença de iatrogenias e fatores de risco para morbidade. Consideraremos, ainda, a necessidade de iniciar tratamento para condições específicas, de acordo com a capacidade funcional de cada idoso.

Com essa intervenção, desejamos proporcionar atenção/assistência de forma integral, porém tranversal, aos idosos do Abrigo Deus e Caridade, visando a promoção de sua saúde física e mental, controle das morbidades estabelecidas e prevenção de novos agravos, enfatizando o envelhecimento saudável.

 

METODOLOGIA:

Realizou-se estudo transversal com Avaliação Geriátrica Global em idosos residentes na instituição de longa permanência “Abrigo Deus e caridade” em Macaíba-RN no mês de junho de 2012, por estudantes de medicina do 9º período da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, sob a coordenação de um preceptor médico e tutora enfermeira.

Do total de 19 idosos residentes na ILP, entrevistamos 15. Quatro não puderam ser avaliados por impossibilidade comunicativa. Desses, um é portador de demência avançada, dois de surdez profunda e um de surdez profunda e cegueira.

Durante a entrevista foram colhidos dados referentes à identificação (sexo, idade, estado civil, escolaridade, profissão) e realizada avaliação da funcionalidade global, comunicação (pesquisa de diminuição da acuidade visual e auditiva), cognição (aplicação do “Mini Exame do Estado Mental – MEEM”), humor (aplicação da “Escala de Depressão Geriátrica – GDS”), mobilidade (pesquisando o risco de quedas e a incontinência urinária), suporte social, iatrogenia (listagem dos medicamentos em uso) e antecedentes pessoais fisiológicos e patológicos/hábitos de vida (tabagismo, etilismo, imunização, órteses, hospitalizações, cirurgias prévias, sexualidade, sono, atividade física) e exame físico. Após a coleta dos dados foram listados os problemas de saúde encontrados e instituída terapêutica, iniciada profilaxia, solicitados exames de rotina e de rastreio e encaminhamento para especialistas, quando necessário, além de preenchimento da caderneta de saúde do idoso.

Além disso, foi realizada roda de conversa com os idosos com lanche para entendermos o que os aflige, o que os levaram ao abrigo e as atividades que cada um gosta de fazer. Constitui um espaço possível e privilegiado de rede de apoio e um meio para discussão das situações comuns vivenciadas no dia-a-dia. Com isso, objetivamos fortalecer o vínculo, compreender a história de vida, as angústias de cada um e, a partir daí, intervir com atividades interativas que os tornem mais ativos e que elevem sua autoestima.

 

RESULTADOS:

A média de idade dos idosos avaliados foi 79 anos (variando de 65 a 95 anos), 40% (6) são do sexo masculino e 60% (9) do feminino. Quanto à escolaridade 46,7% (7) são analfabetos, 40% (6) estudaram 1 a 4 anos, 6,7% (1) estudaram 5 a 8 anos e 6,7% (1) estudaram 9 a 11 anos.

Na avaliação cognitiva foram diagnosticados 80% (12) portadores de demência, sendo 58,3% (7) analfabetos, 33,3% (4) com escolaridade de 1 a 4anos e 8,3% (1) com 7 a 11 anos de estudo, 53,3% de depressão (8), sendo 75% (6) leve e 25% (2) severa. Analisando a mobilidade, 33,3% (5) apresentam incontinência urinária, 66,7% (10) apresentam risco de quedas, dos quais 10% (1) são acamados e 30% (3) usam bengala. Com relação à comunicação, 73,3% (11) tinham alguma deficiência visual e 20% (3) alguma deficiência auditiva.

Quanto aos hábitos de vida e antecedentes pessoais, 53,3% (8) eram tabagistas prévios, 13,3% (2) atuais e 33,3% (5) nunca fumaram; 46,7% (7) eram etilistas prévios, 6,7% (1) atual e 46,7% (7) nunca fizeram uso de bebidas alcoólicas; 73,3% (10) estavam com o calendário vacinal em atraso e 73,3% (11) estavam satisfeitos com o sono, desses 27,3% usam benzodiazepínicos e 26,7% se queixavam de insatisfação do sono. Com relação às patologias que aumentam o risco cardiovascular, 26,6% (4) eram diabéticos, 60% (9) hipertensos e 46,7% (7) dislipidêmicos. Além 86,7% (13) de sedentários.

Quarenta por cento (seis pacientes) estavam com prescrição inadequada, sendo por tratamento inadequado de patologias ou não realização de profilaxia em pacientes com alto risco cardiovascular pela escala de Framingham.

 

DISCUSSÃO/CONCLUSÃO:

Através da análise dos resultados das avaliações realizadas na ILP “Abrigo Deus e Caridade”, constatou-se a elevada prevalência das síndromes geriátricas, algumas delas ainda não diagnosticadas, como casos de depressão e demência. Outras condições, como a prevenção de eventos cardiovasculares, cerebrovasculares e renais, não estavam sendo devidamente realizadas, além de situação vacinal desatualizada em alguns e o fato da grande maioria serem sedentários.

Dentro da Incapacidade Cognitiva, distinguem-se a demência e a depressão. Demência é uma síndrome caracterizada pelo comprometimento adquirido da memória associado a prejuízo em pelo menos uma das outras áreas cognitivas (linguagem, gnosia, praxia, função executiva, julgamento, pensamento abstrato), interferindo diretamente na capacidade funcional, desempenho social e profissional do indivíduo.7 Para o diagnóstico precoce, utilizamos o Mini Exame do Estado Mental e os escores padronizados por Sonia Brucki9 para a população brasileira. A partir dele, detectamos 12 casos de demência. A nossa conduta inicial foi a de pesquisar causas reversíveis de demência através de exames laboratoriais e encaminhar alguns casos ao neurologista.

A depressão é a doença psiquiátrica mais comum que leva ao suicídio e os idosos formam o grupo etário que, com mais frequência, se suicida. O GDS é uma ferramenta útil de avaliação rápida para facilitar a identificação da depressão em idosos.8 A partir dele, identificamos que mais da metade dos idosos eram portadores de depressão. Abordamos esses casos com medidas não-farmacológicas (orientação, acompanhamento e psicoterapia), associado ou não ao uso de antidepressivos para aqueles moderados e severos.

A imunização é outro aspecto da saúde do idoso que não pode ser esquecido. O Ministério da Saúde recomenda que a vacinação contra influenza seja realizada anualmente. Além disso, preconiza-se também ao menos uma dose da vacina anti-pneumocócica acima dos 60 anos, requerendo uma segunda dose após 5 anos da primeira, se o idoso for institucionalizado. Por fim, a vacina dupla bacteriana (dT) deve ser administrada a cada dez anos.8 Orientamos a imunização anti-pneumocócica, que alguns não possuíam e a segunda dose aos demais. Todos já haviam sido vacinados contra influenza e difteria/tétano.

A prevenção das doenças cardiovasculares tem indiscutível importância para a saúde do idoso. O uso de AAS 100mg/dia reduz a morbimortalidade cardiovascular de pacientes que apresentam cardiopatia isquêmica aguda ou crônica, acidente vascular cerebral e doença vascular periférica e naqueles com risco cardiovascular moderado e alto. Além disso, esses indivíduos devem ser considerados para terapia com estatinas independente dos níveis de colesterol basal, pois esses hipolipemiantes são efetivos em reduzir os eventos vasculares maiores e mortalidade total.10 Em nosso estudo, era significativa a porcentagem (40%) de idosos que não realizavam profilaxia com estatina e AAS, apesar da indicação.

A grande propensão da pessoa idosa à instabilidade postural e à alteração da marcha aumenta o risco de quedas e, por essa razão, equilíbrio e marcha devem ser sempre avaliados. Quedas representam um sério problema para as pessoas idosas e estão associadas a elevados índices de morbimortalidade, redução da capacidade funcional e institucionalização precoce.11 Identificamos número significativo de idosos com risco de quedas. Abordamos esse problema seguindo as recomendações específicas para prevenção de quedas em pessoas dessa faixa etária, além de encaminhamento para fisioterapia conforme as necessidades.

Apesar de a institucionalização ocasionar uma transformação enorme no estilo de vida dos idosos, não devemos esquecer que, muitas vezes, essa ILP cumpre papel de abrigo para aqueles que são excluídos da sociedade e da família, abandonado e sem um lar fixo, podendo se tornar o único ponto de referência para uma vida e um envelhecimento dignos.3

Durante as conversas com cada um dos pacientes percebemos a lacuna no acompanhamento médico. Tanto é que alguns dos pacientes se recusavam a cumprir as orientações médicas e após as conversas que tivemos ao longo da semana, houve mudança de comportamento, aceitando melhor as orientações e passando a participar mais das atividades do abrigo. Constatamos, então, que uma das problemáticas centrais quanto ao cuidado dos moradores do abrigo é a ausência de vínculo médico-paciente e longitudinalidade.

A atividade no abrigo foi engrandecedora e enriquecedora. Nós pudemos colocar em prática conhecimentos prévios adquiridos ao longo do curso médico e discutir cada caso, mas o que mais nos marcou foi a possibilidade de aprender com os idosos, com suas vivências e experiência de vida. Constatamos, mais uma vez, a importância de uma boa relação médico-paciente, do vínculo entre as duas partes e da confiança. Com pequenas atitudes conseguem-se grandes mudanças e é isso que vamos levar para toda a nossa vida.

BIBLIOGRAFIA:

1. Diagnóstico e tratamento, volume 2. Antonio Carlos Lopes (ed.). Editora Manole, 2006, 1ª edição, pág. 789-796.

2. Atenção à Saúde da Pessoa Idosa e Envelhecimento – Série Pactos pela Saúde. Ministério da Saúde, 2006.

3. Freire JR, R. C.; Tavares, M. F. L. A saúde sob o olhar do idoso institucionalizado: conhecendo e valorizando sua opinião. Interface – Comunic., Saúde, Educ., set.2004/fev.2005; 16 (9),: 147-58. Acessado em 24/06/2012: https://www.scielo.br/pdf/icse/v9n16/v9n16a12.pdf

4. Morais EM. Principais síndromes geriátricas. Rev Med Minas Gerais 2010; 20(1): 54-66

5. O termo “institucionalização”. Disponível em: <https://portaldoenvelhecimento.org.br/noticias/voz-do-leitor/o-termo-institucionalizacao.html

6. Ramos AM, Stein AT, Castro Filho ED, Chaves MLF, Okamato I, Nitrini R. Demência do Idoso: Diagnóstico na Atenção Primária à Saúde. Projeto Diretrizes. 2009

7. Diagnóstico e tratamento, volume 2. Antonio Carlos Lopes (ed.). Editora Manole, 2006, 1ª edição, pág. 804-811.

8. Caderno de atenção básica: envelhecimento e saúde da pessoa idosa. 2006; 19:101-107.

9. Brucki SM, Nitrini R, Caramelli P, Bertolucci PHF; Okamoto IH. Sugestões para o uso do mini-exame do estado mental no Brasil. Arquivos de neuropsiquiatria; 2003;61(3B):777-781.

10. Caderno de atenção básica. Prevenção clinica de doença cardiovascular, cerebrovascular e renal crônica. 2006; 37-38

11. Caderno de atenção básica: envelhecimento e saúde da pessoa idosa. 2006; 19:36-37