Verde amarelo SU(S)BIMARINO

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“As
pedras no meio do caminho do SUS”

(…)


O financiamento privado da atenção
à saúde no Brasil tem tido uma importância
crescente na organização da oferta e na compra de
serviços e produtos. Este financiamento tem sido por
desembolso direto e ou pela associação voluntária
de indivíduos e empresas aos planos privados de assistência
de saúde.

O
Brasil é, por conseguinte, um dos poucos países – se
não for o único – onde a criação de um
sistema público saúde de acesso universal e atenção
integral tem coincidido com a expansão do setor de planos
privados de assistência à saúde e dos gastos por
desembolso direto dos grupos de menor renda, ainda que em ritmo
diferenciado entre as várias regiões metropolitanas do
país.

O
setor de planos privados de assistência à saúde
de saúde tem como clientela principal a população
inserida do mercado formal de trabalho, isto é, com vínculo
empregatício. A vinculação de indivíduos
e famílias aos planos de saúde privados no Brasil está
fortemente associada ao perfil de renda.

A
enorme diferenciação em termos da abrangência
geográfica e de estrato de renda do mercado de planos de saúde
parece ratificar os prognósticos pessimistas para a política
pública universalista de saúde brasileira formalizada
na CF 1988.

Estes
prognósticos indicaram que a implementação da
universalidade de acesso pelo SUS, sem a rápida a ampliação
da oferta de serviços públicos, levaria à saída
dos estratos sociais de maior renda e capacidade de barganha
econômica do sistema público de saúde. É
necessário enfrentar estes desafios para a construção
de um Sistema Único de Saúde – universal e integral
no Brasil. São quatro os pontos fundamentais para responder a
este desafio institucional:

1
– Saúde e sistema de proteção social no
Brasil: A evolução do gasto público de saúde
tem estado associada ao fortalecimento da proteção
social na experiência internacional. As sociedades com sistemas
universais e integrais são as sociedades com sistemas de
proteção social instituído. É necessária
a compreensão de que não existe a possibilidade de um
sistema universal na saúde sem que seja fortalecido o
financiamento da proteção social no país.

As
experiências internacionais indicam que as democracias mais
bem-sucedidas são também as que apresentam os maiores
gastos públicos e, portanto, maior carga fiscal. Os gastos
públicos redistributivos sustentam a integração
de todos os indivíduos e interesses à comunidade
cívica.

As
estratégias corporativas setoriais enfraquecem o sistema
público. A insistência da exclusividade em relação,
por exemplo, ao destino da Contribuição Provisória
pela Movimentação Financeira (CPMF), é
equivocada e inviabiliza a construção de um arranjo
sustentável de seguridade social no país.

O
debate que envolve a destinação exclusiva desta
contribuição fiscal é bastante complexo, uma vez
que impõe, na prática, alternativas perversas ao
movimento sanitário. A perspectiva de obtenção
de mais recursos financeiros para a saúde não deve
implicar o abandono das motivações que levaram à
construção de uma agenda generosa e solidária de
Reforma Sanitária. Nesse sentido, a saúde deveria
participar ativamente do processo de mudanças e ampliação
nas bases de financiamento para o fortalecimento de um sistema de
proteção integrado e integral e compartilhar o
Orçamento da Seguridade Social com as funções de
sustentação de programas de transferência de
renda e previdência social dos idosos;

2
– Novas funções de coordenação dos
interesses coletivos pelo SUS: O Ministério da Saúde
tem sido incapaz de exercer a missão institucional de
coordenação nacional do sistema de saúde. O
Brasil apresenta elevado déficit de articulação
dos interesses coletivos no setor saúde por força da
especialização das funções governamentais
do SUS à esfera pública, delegando, para o mercado, as
profissões da saúde e, para a Agência Nacional de
Saúde Suplementar, a regulação da atividade
privada.

As
experiências nacionais bem-sucedidas de sistemas eficientes e
equânimes são aquelas em que o governo regula as
condições sistêmicas de financiamento e provisão
de bens públicos e serviços de saúde. Os modelos
de regulação sistêmicos privilegiam a decisão
do governo na alocação e no uso dos recursos.

A
experiência de regulação fragmentada e irracional
da “indústria de seguro de saúde” é
característica do arranjo institucional do sistema de saúde
dos Estados Unidos. O padrão de regulação
pontual observado nos Estados Unidos tem ampliado a fragmentação,
inibiu a universalização, não controlou a
expansão dos gastos e nem a alocação ineficiente
de recursos. Este é o desafio para o Ministério da
Saúde e para as instituições do SUS.

3
– Pela qualidade, eficiência e eqüidade: O
fortalecimento do papel de coordenação do setor público
exige que seja enfrentado o debate sobre qualidade, eficiência
e eqüidade no acesso na gestão governamental da saúde.

A
defesa da qualidade e da eficiência no setor público não
pode ser reduzida a uma agenda de Estado mínimo de orientação
liberal. Esta é uma leitura simplista e paralisante da ação
política no setor público.

O
setor público teve um notável aporte de novos recursos
para a saúde pelo crescimento dos gastos em todos os níveis
da federação nos últimos cinco anos. Apesar
disso, o setor apresenta elevado déficit de qualidade,
eficiência e eqüidade.

Diante
do déficit de qualidade, os estratos sociais com maior poder
de vocalização e saída para as soluções
de mercado não permanecem leais ao setor público. Metas
de qualidade e produtividade devem orientar as funções
governamentais na saúde para fortalecer a sua credibilidade e
eficiência.

As
organizações e os programas públicos devem ser
monitorados para que sejam conhecidos os padrões de eficiência
e qualidade em que operam. As Secretarias Municipais e Estaduais de
Saúde devem ser objetos de avaliações
independentes, que informem a sociedade sobre os padrões de
eqüidade e qualidade das suas organizações e
serviços de saúde.

Deve
ser exigido aos hospitais públicos e às instituições
de Ciência e Tecnologia da saúde que aprimorem o padrão
de governança corporativa. O instrumento do contrato de gestão
deve ser fortemente disseminado na administração
pública. Esta disseminação é uma condição
necessária para que se obtenham resultados de qualidade e
eficiência.

4
– A implementação do SUS é falha: A criação
de novos programas baseados do incentivo à demanda via
mecanismos de co-pagamento indica que o processo descentralização
da atenção à saúde está sob risco
e apresenta graves falhas de responsabilização.

Por
exemplo, o programa de Farmácia Popular, criado pelo governo
federal em 2004 e abraçado pelos Municípios, inaugurou
o co-pagamento na política de assistência farmacêutica
brasileira.

A
descentralização transferiu para os municípios a
provisão da atenção à saúde
básica. Os municípios são os responsáveis
pela política de assistência farmacêutica básica,
devendo prover estes insumos gratuitamente. A co-existência
desta missão institucional com o Programa de Farmácia
trouxe uma justa e profunda desconfiança sobre o destino das
transferências fundo a fundo nos municípios. Seria a
farmácia básica a única falha de implementação
dos programas de atenção primária no município
ou existem graves limitações na responsabilidade
municipal com a provisão da atenção à
saúde e, por conseqüência, com os princípios
do SUS? Esses questionamentos endereçam tarefas permanentes de
avaliação das estratégias de extensão de
cobertura farmacêutica para pesquisadores, formuladores e
executores de políticas de saúde, especialmente diante
dos possíveis desafios para transformar a vasta rede comercial
de farmácias brasileiras em estabelecimentos de saúde.

Retirado do texto de BAHIA, Ligia, COSTA,
Nilson Rosario e STRALEN, Cornelis van. A saúde na agenda
pública: convergências e lacunas nas pautas de debate e
programas de trabalho das instituições governamentais e
movimentos sociais.
Ciênc. saúde coletiva
[online]. [citado 2008-07-21], pp. 1791-1818. Disponível em:
<https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232007000700004&lng=pt&nrm=iso>.
ISSN 1413-8123. doi: 10.1590/S1413-81232007000700004