Roda de Conversa sobre Saúde Mental com ACS

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Oficina sobre saúde mental na Atenção Primária, reunindo Agentes Comunitários de Saúde de Pinhal Grande, Ivorá e Santa Maria, RS.

Das experiências nos territórios, passamos por todos os ciclos de vida, escrevendo três estudos de casos para um grande grupo de ACS que reuniremos em Outubro. Há no ACS, esse pé no território, que traz a voz das pessoas que lá vivem, suas singularidades, fascinante essa conversa… Bate uma saudade em quem já foi enfermeira de bairro, que caminhava e batia palmas anunciando chegar. Os abraços no portão, sentava em qualquer canto, escutava com atenção e seguia em planos de vida com eles… 

Aceitar as diferenças, aproximar, não julgar, dar tempo ao tempo, estar ali acompanhando. Abandonar o julgamento moral para o terapêutico, relação em construção de caminhos "junto com". A noção de família já não é a mesma, família de relação aberta, família com dois pais, duas mães, de mães e filhos, pais e filhos, de pessoas que convivem, que se prostituem, gostam de swing… Os motivos dessas mudanças vem se produzindo ao longo da história, são vários, sócio-culturais, econômicos, de exclusão, de invenção e desejo. Como produzir vínculos solidários, de afetos, mais acolhimento nas comunidades como de fato se apresentam? Sem aquela de que tudo deve estar nas suas caixinhas, casinhas, de bem e de mal…

Os estudos de casos escritos por eles…

Caso 1: Família com quatro pessoas, todos estão saudáveis. A adolescente de 17 anos, Cláudia, engravidou. Moradores de Quilombo. Seu pai, o Sr. João, 58 anos, é servente de pedreiro. Sua mãe, Maria, 52 anos, é do lar. Ela tem uma irmã também adolescente menor, Camila, 12 anos, estudante.  A adolescente fez acompanhamento de pré-natal sem intercorrências, realizando os exames e não faltou às consultas. Na hora do parto, no teste rápido, aparece um resultado positivo para HIV. Ela se nega ao tratamento e, também, para o filho. Após o parto, o bebê tomou o xarope como recomendado. Várias buscas ativas foram realizadas, sem resultado (visitas domiciliares, orientações). Cláudia estava tomando medicação para secar o leite e foi orientada para não amamentar, no entanto, em casa, o leite retornou e a mesma amamentou seu filho num período de um mês, pois na sua compreensão amamentar é um "ato de amor". Apresenta-se insone, chorosa, geralmente, passa a maior parte do tempo isolada, esconde-se para amamentar seu bebê, agora com 4 meses.

 

Caso 2: Mulher, 35 anos, Paula. Marido, 38 anos, Vinícius. O casal tem três filhos menores, 4, 10 e 15 anos. Estão em separação de corpos, mas dividem a mesma casa. Paula começou a fumar, beber e sair à noite para dançar e namorar. Seus namorados a levam até perto de casa. O filho adolescente mais velho também começou a sair à noite.  A mãe de Paula mora ao lado. Vinícius trabalha à noite de vigilante no bairro.

 

Caso 3: Sebastião, 70 anos, trabalhador rural há muitos anos, foi morar na cidade. Josefina, 59, esposa, do lar. Ele esteve em crise, não dormia, não se alimentava, pensava em morrer. Foi ao banco e sacou dinheiro para comprar um caixão… Após tentativas de agendamento médico, a família solicitou visita domiciliar. Ele não aceitou receber a equipe da ESF. Um enfermeiro do hospital foi acionado e ele foi medicado à força. Adormeceu sob o efeito do sedativo e, quando acordou, foi convencido por um amigo a consultar com um psiquiatra em outra cidade. Iniciou o tratamento medicamentoso, mas não aceita o atendimento da equipe da unidade de saúde do município. Há apenas uma técnica de enfermagem e uma ACS, em quem ele confia e aceita visitas. Guarda muito rancor do que aconteceu com ele naquele dia.

 

No outro mês, essas serão algumas provocações de conversas sobre o território, para o entendimento da vida que ali se produz, a maneira como se trabalha em saúde prescrevendo caminhos… Como abandonar o julgamento moral e produzir trabalho terapêutico, afetivo, de vínculos e confiança nos territórios? Como tolerar a ideia de que não há um modo de viver, mas vários… Como afirmar esses diversos modos de viver, investir em bons encontros que afetem e despertem essa vontade de mais vida na vida? Vida em alegria, gozo e possibilidades. O normal x o patológico de Canguilhem…

A saúde mental como política transversal, que atravessa as intercorrências da vida, sem a máxima de aparecer como algo de caráter especializado, que é de APS, só para inicio…