Tenda do Conto: cinco anos (a)colhendo histórias
O que acontece quando nos deixamos conduzir pelos gestos, pelas mãos, pelos olhos e pelas palavras daquele que desconhecemos?
O que faz alguém falar de si, ler uma antiga carta de amor, mostrar uma fotografia de família, cantar uma canção em público, escutar com entusiasmo, emocionar-se com histórias de pessoas que nunca antes havia visto?
A tenda do conto se deixa ir com cada um que senta na sua cadeira de balanço. Assim como a cadeira e a mesa (que a cada dia e em cada lugar são diferentes), os narradores, por mais que se repitam, não são sempre os mesmos e a Tenda segue se transformando junto: com os que chegam, com os que ficam, com os que se vão.
E as fotografias? O que elas anunciam?
O que elas dizem? Como aquele que posou para a velha câmera desejava ser visto? A foto repete um abraço, um momento, um riso, um acontecimento. Tentativa de registrar as pegadas do tempo. Tempo que se atualiza segundo os olhares de quem vê.
Assim também são os objetos sobre a mesa. A caneca florida tem, para Rosa, o sabor do leite de vaca ordenhado e consumido na hora no sítio do avô. Para Margarida, outra lembrança: usava a caneca para comprar manteiga a granel na mercearia perto de casa. Fascinada por aviões, quando os avistava, acenava com a caneca esquecendo que, com o movimento, a manteiga derretia derramando-se pela areia da praia… O velho rádio toca Luíz Gonzaga, conta Seu Geraldo; mas para Dona Severina ele toca uma valsa.
O lampião guiava os caminhos de Adélia, mas também iluminava Seu Olívio ao escrever seus versos.
Lampiões, lamparinas, velas… Chamas acesas. Sopros de vida.
Pessoas de diferentes lugares vêm confiar à tenda do conto suas relíquias mais valiosas. Enfeitam a mesa com preciosidades que acarinham, surpreendem; aquecem-nos com histórias que fazem transbordar o brilho nos nossos olhos.
A colcha de fuxico e as mantas estão gastas de tantas lavagens; o rádio quebrou o botão duas vezes, três vinis se partiram e um dos porta-retratos precisa ser apoiado em outro objeto para continuar de pé. A Tenda cresceu. As alças das malas quebradas e consertadas inúmeras vezes são testemunhas. Novas preciosidades vieram de novos lugares: uma réplica de louça de um ferro à brasa, uma bolsa onde foi carregado um jabuti, tapeçarias tecidas à mão: lembranças dos manauenses. Uma almofada de retalhos enfeita a cadeira de balanço: presente dos estradeiros de São Sepé/RS. Relíquias!
Em setembro de 2008, divulgamos pela primeira vez a experiência da Tenda do Conto no post: Tenda do conto um espaço aberto para a sua história . Depois do primeiro post, estivemos no seminário nacional da PNH, participamos de congressos e de fóruns de saúde mental, montamos a tenda do conto em diversas unidades de saúde do município, na UFRN, em penitenciárias, hospitais psiquiátricos, escolas… enfim, montamos e desmontamos a tenda, arrumamos e desarrumamos nossas malas oitenta e seis vezes….
Não sem tropeços, seguimos com os nossos sonhos. Cantarolamos a canção de Milton e Lô Borges: “Porque se chamavam homens também se chamavam sonhos e sonhos não envelhecem.” Comemoramos cinco anos de Tenda do Conto. Em agradecimento pela fonte de desejos que vigora aqui , juntamos num vídeo bem modesto pequenos trechos da festa de aniversário e de outras Tendas passadas para brindar com essa gente bonita da RHS!
Cinco anos (a)colhendo histórias, juntando pessoas, convivendo, compartilhando VIDA!
Por Luciane Régio
Dona Ilma, hoje com seus 85 anos, viveu mais de 60 anos com o "Sr. Er", falecido há uns dois anos e meio. Ela, uma Estradeira que nunca viajou com o Grupo, não perdia um encontro! Dizia sempre, "eu não vou porque o meu véio tá sempre doente e nós dois tomamos uma caixa de remédios". Ensaiamos algumas vezes essa saída, como faríamos… Ela chegava com as perninhas curtas, apressada, dia antes dizendo que "ah, não vai dar, deixamos para a próxima… é muito remédio, cada um tem uma hora, o Er não está bem"… E o Sr. Er faleceu, ela faltou a primeira e a segunda vez. Um encontro entre consulta ela me disse que não viria mais "nas reuniões", porque a tristeza batera e a fraqueza agora era grande. A filha cuidaria dos remédios dela, já que a cabeça nem ajudava mais. "Saudades dele", e choramos abraçadas, porque eu também sentia. O Sr. Er vinha no ambulatório duas ou três vezes por semana. Era um senhor sempre bem arrumado, com muita dificuldade para ouvir, contava suas histórias enquanto verificava a pressão. Eu gostava de rir com ele. Saudades… A D. Ilma fez duas almofadas, uma guardei aqui, a outra, cruzou o país levando suas histórias para a Tenda do Conto… Fizemos Cantinhos de Contos (fica aqui nossa homenagem de carinho na comemoração desses cinco anos! https://redehumanizasus.net/8500-grupos-de-educacao-em-saude-em-cantinhos-de-contos-sao-sepe-rs… https://redehumanizasus.net/8550-grupo-de-educacao-em-saude-em-cantinhos-de-contos-outros-videos-sao-sepe-rs), do jeito gaúcho, contando das lidas no campo, dos "causos de almas desencarnadas" que assoviavam nas coxilhas, das cabeças de porco assadas, das lendas da noiva de branco que esperava o gaúcho na porteira e o curupira quem era? Chorei de medo, mesmo sabendo que eram causos. Que enfermeira que nada, ali só era a gente. Passávamos nossas tardes de encontros conversando… inspirações da Tenda do Conto, levou o grupo para as estradas da vida. E o que pode valer mais do que esses encontros?? Só eu sei o quanto sinto falta. Eles seguem! Os encontros continuam! Eu os visito quando consigo, morando e trabalhando em outra cidade.
Jacque, meu coração dispara! Tenho tanto pra te agradecer amiga, à tenda, a nossa rhs!
Não consigo mais dizer nada rs 🙂
Beijos, Parabéns!!!! Lindo vídeo, Jacque, que surpresa!
Quem dirá que não sentei ai na cadeira de balanço?!!
Lu