“Trabalhador tem direito de ser salvo também”

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Vejam essa entrevista que nos chama atenção para a importância do trabalhador, essencial em qualquer área. Ao colocar em questão o problema financeiro mundial instalado e a rápida tomada de decisão para “salvar” instituições financeiras – que se fez necessária – percebe-se que esta não poderá ser mais importante que o cuidado com a pessoa, o cidadão, o produtor/consumidor de bens, que tem direito à vida e como diz a PNH, a ser protagonista do processo. 

O chileno Juan Somavia, diretor geral da Organização Internacional de Trabalho (OIT), soa o alarme: o desemprego já está aumentando, e os trabalhadores têm tanto direito de serem salvos da crise quanto os bancos. “Trabalho não é mercadoria”, diz. Ele chama o atual modelo de globalização de “injusto”, diz que é preciso repensar a governança mundial e conclama governos a se prepararem desde já para proteger trabalhadores e suas famílias dos efeitos da crise, sob o risco de terem que enfrentar um sério problema social. A entrevista é de Deborah Berlinck e publicada pelo jornal O Globo, 12-10-2008.

No início do ano a OIT calculou que a crise elevaria em 5 milhões o número de desempregados em 2008. E agora que a crise piorou?
Calcular o impacto do desemprego hoje seria prematuro porque a crise não parou. Mas será pior.

O senhor se assusta com o que está acontecendo?
O que me preocupa é que é preciso lidar com dois problemas. O congelamento do crédito e, ao mesmo tempo, as pessoas. Será preciso criar sistemas de desemprego. E assegurar que pessoas que estão perdendo suas casas serão apoiadas para que não as vendam a preço de barganha.

Como fazer isso num momento de corte de crédito, em que os governos estão com seus orçamentos pressionados?
É uma questão de prioridade. Se considerarmos pessoas uma prioridade, então, cada governo terá que ver de que forma vai lidar com isso. Na América Latina, foram tomadas várias medidas para diminuir o impacto do aumento dos preços de alimentos e petróleo. Se nos concentrarmos só em restabelecer a vida do sistema financeiro, e não a vida e as condições das pessoas, vamos ter um problema social muito sério. É preciso assegurar que as pessoas possam continuar a consumir. Ter acesso à proteção social e benefícios de desemprego também será bom para a economia.

Todos os países serão afetados?
Sim, porque temos uma desaceleração (econômica) mundial.

Quais serão os efeitos sobre o mercado de trabalho?
Mais desemprego no mercado formal. E mais precariedade no mercado informal. Uma forma de atenuar (a situação) é manter o fluxo de investimentos. Países com grandes mercados internos, como China, Índia e Brasil, podem contra-atacar a crise expandindo a demanda local.

Que setores podem ser mais afetados com a crise?
Certamente comércio internacional e investimentos vão diminuir. Os países que são mais intensos nestes dois setores vão ser mais atingidos. E os que estão mais concentrados no mercado interno vão ser menos afetados.

Alguma previsão de como a desaceleração econômica no Brasil vai afetar o mercado de trabalho?
As políticas do presidente Lula têm sido muito bem-sucedidas. A geração de emprego no setor formal é bastante grande. Ao mesmo tempo, as políticas para lidar com trabalho infantil e escravo têm sido bem-sucedidas.

Qual o impacto que a crise terá no Brasil?
Não dá para descrever agora. Mas, dado o bom desempenho do país em combinar política social e econômica, não tenho dúvida de que vão administrar bem esta situação.

O que devem fazer os trabalhadores no meio da crise?
A mensagem dos trabalhadores tem sido: nesta crise, não se esqueçam de que há trabalhadores e suas famílias. E esta é a minha mensagem.
A voz dos trabalhadores é muito importante, como são as vozes das pequenas empresas. Não vamos esquecer que o maior número de empregos criados no mundo vem das pequenas empresas. Mas estas são geralmente as que não têm voz.

O senhor tem insistido na necessidade de uma nova governança mundial. Qual é a melhor solução?
Precisamos primeiro concordar que, antes da crise financeira, havia uma crise: uma globalização injusta, que estava produzindo resultados desiguais.

O que é preciso, então? 
 Uma globalização mais justa. O modelo atual desvalorizou o papel do Estado, supervalorizou o papel do mercado, e não ouviu muito a voz democrática da sociedade. O resultado disso são políticas que criaram muitas desigualdades. Há um total desequilíbrio em favor do sistema financeiro. Há uma “financialização” da economia real.

E como lidar com isso?
É preciso trazer o sistema financeiro de volta à sua função: alimentar a máquina produtiva, emprestando dinheiro para investidores ou empresas que querem criar empregos e geram produtos no mercado. O percentual do trabalho no Produto Interno Bruto (PIB, a soma de bens e serviços produzidos) mundial está baixando. Isso quer dizer que as políticas estão favorecendo o capital contra o trabalho. Trabalho não é uma commodity. Trabalho é fonte de dignidade, estabilidade da família, da casa e de paz na comunidade. Não se pode tratar trabalho como mercadoria!

Os governos estão captando esta mensagem?
Acho que os governos estão muito concentrados na crise.Trabalhadores, suas famílias e comunidades têm tanto direito de serem salvos desta crise quanto as instituições financeiras que, finalmente, nos colocaram nesta confusão.