Um diálogo entre Direito e Psicologia sobre a internação compulsória

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Sabemos que a internação compulsória tem como intuito internar a força, ou seja, contra a vontade, o indivíduo que faz uso abusivo de álcool e outras drogas (em especial, o crack). Esse meio de "acabar com a epidemia do crack" (sim, entre aspas porque já basta a mídia dizendo ser um fator emergente no Brasil) fere os princípios, movimentos e tudo aquilo que conquistamos a partir da Reforma Psiquiátrica brasileira. 

Então nos cabe a pergunta: Se a preocupação é o tratamento e o bem-estar de indivíduos que estejam em descontrole extremo e expondo a si e outros ao risco de morte, por que o melhor meio que tem sido encontrado é a retida de seu convívio social e fazê-los focar em um tratamento de abstinência? Não é melhor investir na rede de saúde já existente? Criar novos CAPS, fornecer capacitações, supervisões aos trabalhadores, investir nos programas de redução de danos, consultórios de rua… Assim estaremos trabalhando diante a luta antimanicomial, respeitando os direitos humanos desses indivíduos e vendo-os de forma singular.

A partir dessas reflexões, segue em anexo o texto escrito por um advogado de Paranaíba/MS e em anexo, "o diálogo" escrito por nós, do CONCIES devido o espaço cedido por Fernando Murillo no jornal Interativo da cidade de Paranaíba/MS.

Numa recente edição desse Jornal, na coluna “Seu Direito”, uma reflexão jurídica foi tecida sobre o tema da internação compulsória de dependentes químicos. Concordando com a relevância do assunto acreditamos que ele tem que ser abordado por diferentes saberes e áreas; por isso fazemos nossa contribuição ao debate. Apenas “um caminho” não resolverá o problema complexo das drogas. Elas estão constantemente sob os holofotes da mídia, sendo o crack o principal protagonista. Uma das ações mais reivindicadas, e ao mesmo tempo mais criticadas, no debate atual, é a internação compulsória de usuários de droga/crack. O Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas inclui diversas estratégias e uma dessas são os convênios com as chamadas “comunidades terapêuticas” que têm sido os locais mais procurados para esse tipo de internação. Ao mesmo tempo, várias denúncias têm sido feitas sobre a precariedade de boa parte desses espaços como utilização de mão de obra não remunerada, violação de privacidade, violências, falta de acesso a atendimento médico, psicossocial, entre outros. Movimentos sociais e Conselhos de Profissão como o de Psicologia (CRP) têm se mostrado receosos e contrários a essa medida, atentado para os compromissos do país com a Reforma Psiquiátrica, que prevê a criação pelo Estado, via SUS, de uma rede de serviços de saúde e suporte social, para ajudar as pessoas dependentes. Assim, ao invés de fortalecermos o arbítrio de familiares desassistidos e desesperados a internarem à força algum de seus membros nos “novos manicômios”, porque não esclarecer a população sobre os serviços que, por direito, deveriam existir nos municípios, segundo a Política de Saúde Mental, mas não são objeto de preocupação dos prefeitos? Por que não fortalecer o CAPS e os PSFs para acolher pessoas dependentes e familiares, para ajuda-los a lidar com esse problema? Por que não fazer parceria com os Prontos Socorros para atuar melhor nas intercorrências ligadas às drogas? Porque não investir em leitos para internações breves, que despertem o interesse e a vontade de uma pessoa dependente a se tratar, ao invés de força-la a ir para uma instituição fechada? Porque não criar equipes de rua para abordar dependentes e por meio do diálogo e do vínculo ajudá-los a reconhecer a própria condição de perda de saúde e de dependência? Esses serviços e ações devem promover cuidados de urgência, emergência e acompanhamento. De acordo com critérios técnicos, suas equipes (e não a família desesperada) decidirão, em último, ultimíssimo caso !!!! pela orientação a favor da internação compulsória, em situações de risco de vida. Devem-se respeitar, portanto, as dificuldades da pessoa em dependência, construindo com ela e seus familiares, acordos, com vias à redução ou suspensão do consumo da droga, sem desrespeitar seus direitos (à liberdade, à vida, à dignidade, à escolha). Senão, estaremos decidindo por ela, sobre a sua própria vida, impondo-lhe a internação, reeditando uma velha prática higienista que incentiva a estigmatização dos dependentes químicos.
Como se vê a idéia central é o “cuidado” a todo e qualquer ser humano, respeitando direitos, mesmo que a demanda por cuidado aumente a cada dia na área das drogas. Incentivar como solução eficaz a internação compulsória só tende a incitar tensões familiares, desrespeitos e omissão das autoridades em melhorar o atendimento em saúde pública. Recolher pessoas à força e trancafiá-las em um espaço físico não se configura uma solução adequada.
Informações: Serviço especializado de atendimento a usuários de álcool e outras drogas, no município: CAPS I –Av. Três Lagoas, 2230 Centro – Tel. p/ contato 36690075.

Grupo CONCIES – Grupo de Discussão e Trabalho em Saúde Mental https://www.concies.com.br