Não Li e Gostei: Livro Compartilha Experiência com Pacientes em Vulnerabilidade Extrema

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Diante de situações que rotulam os pacientes como "terminais" é comum que profissionais de saúde digam: "Não há mais nada a fazer". Essa expressão terrível acaba por chancelar formas de abandono além de sinalizar para a inadequação da formação recebida no campo da saúde, que enfatiza as ações tidas como terapêuticas e subvaloriza o cuidar.

Mas gradualmente as cosias estão mudando. Os cuidados paliativos estão se disseminando e as formas de olhar os pacientes moribundos vão também mudando. A morte não pode acontecer antes. Não podemos decretar formas sutis de morte social. Temos que resgatar a autonomia das pessoas em realizar suas escolhas diante do final da vida,momento de perdoar, de receber perdão, de agradecer, de expressas e receber amor, de dizer adeus ou quem sabe um "até breve".

Assim, avançar no processo de desmedicalização da vida implica em também desmedicalizar a forma como estamos lidando com aqueles que estão vivendo o fim da vida. Não se entende  por "desmedicalizar" a retirada do profissional médico do cuidar, muito pelo contrário. Implica em se estruturar um olhar que ultrapasse o modelo biomédico clássico – intervencionista e controlador – para um modelo onde se busque a fundamental realocação de saberes para mitigar a dor e o sofrimento ao mesmo tempo em que a vida possa ser potencializada até o fim. De forma sintética, significa deixar a morte acontecer de maneira digna, sem dor e na presença de quem amamos, com todos os sintomas desagradáveis podendo ser controlados. para isso tudo, o saber médico, atrelado a outros saberes, é  essencial.

Assim, é bem vindo o livro de da enfermeira Bronnie Ware intitulado "Antes de Partir: Uma vida Transformada pelo Convívio Com Pessoas Diante da Morte". Ao prestar cuidados a pacientes em vulnerabilidade extrema lidando com a própria finitude, Bronnie tirou lições para a própria vida. É isso, lidar com a morte pode tornar nossa vida melhor.

Ao compartilhar nosso cotidiano com pessoas vivenciando sua finitude ampliamos nossa capacidade de escuta para viabilizar a satisfação das suas necessidades. Uma delas é explicitar aspectos da existência pessoal. O momento de partir funciona para muitas pessoas como uma espécie de "autocrítica", não tanto pelo que se viveu e sim pelo que se deixou de viver. Abaixo um infográfico da "Folha de São Paulo" sintetiza os achados de Bronnie Ware: 

O que é assustador é a recorrência dessas falas, um "mantra" vindo da boca de moribundos como um sinal para nossas próprias vidas: a) Viva mais a sua vida e menos a  vida que projetaram para você; b) Não trabalhe tanto, lute por mais tempo livre; c) Expresse mais os sentimentos, muito do que não se fala talvez nunca será dito; d) Cultive mais o tempo próximo das pessoas que você gosta; e) Seja mais diligente com a própria felicidade seja lá o que você entenda por isso.

Tornou-se célebre a frase "Tempo é dinheiro" (Benjamim Franklin). Resta sempre a pergunta que pode derivar disso: "Dinheiro para quem?". As falas dos moribundos parecem caminhar na percepção de uma vida sem liberdade. A subversão de uma vida esvaziada das rotinas imersas no mundo da sobrevivência econômica meio que tiram a roupa do rei na sociedade capitalista, tragicamente, muito tarde.

Talvez um lenitivo seja, inspirado nas histórias desse livro e de outras que vamos apreendendo no dia a dia do trabalho em saúde, retomar um pouco do controle da própria vida, tornando-a de fato uma lista de projetos existenciais relevantes e não algo que vai transformando nossa vida num suco que alimenta as engrenagens invisíveis do "progresso".

Deixo para terminar a música "Epitáfio" do grupo Titãs, suspeitamente parecida com as conclusões do livro de Bronnie. Talvez um lembrete que os fantasmas na Austrália sejam muito parecidos com aqueles que nos assombram.