Da Pediatria para a Humanização da Saúde

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A Política Nacional de Humanização (PNH) completa 10 anos em 2013, mas ainda é um desafio para o Brasil, porque efetivar os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) no cotidiano das práticas de atenção e gestão, qualificando a saúde pública no Brasil  não é fácil. E é justamente neste ambiente que atua como consultor o médico pediatra Carlos Roberto Soares Freire de Rivoredo. Carlão, como é carinhosamente chamado pelos colegas pesquisadores, é também visto como pesquisador “curinga”.

Em entrevista ao portal (En)Cena, o médico explica que o Brasil vivencia um momento importante para o desenvolvimento de novas pesquisas na área de saúde, em especial nas regiões Norte e Nordeste.

Doutor Carlos Roberto é professor da Universidade de Campinas (Unicamp), mas viaja o país acompanhando e orientando pesquisas. E foi numa destas viagens, em Manaus (AM), durante o Seminário Norte de Humanização, que ele conversou com a reportagem do Portal (En)Cena.

(En)Cena: Nas viagens pelo Brasil, no espaço da pesquisa sobre a Política de Humanização, o que o senhor encontrou? Qual sua percepção sobre essas práticas?

Carlão: A encomenda inicial foi desenvolver a Frente de Pesquisa, e articular diversas Regiões, para que elas possam estar entrando nessa “coisa” de produção do conhecimento. No primeiro momento começamos a visitar os lugares e priorizamos os territórios que não têm uma tradição de pesquisa, necessariamente. O Brasil é um país desigual, é uma sociedade desigual, é ilíaca e reproduz isso em todos os setores. Nos setores de ciência e tecnologia, essa desigualdade também está presente, então um dos objetivos dessa Frente de Pesquisa é exatamente tentar mudar o eixo geopolítico de investigação em Saúde. O poder de pauta que o Ministério da Saúde possui, pode ser utilizado para mudar essa realidade e tentar promover uma equidade na produção de conhecimento do país. Tentar colaborar com isso, porque isso não muda assim sem mais nem menos, isso muda com o tempo e com algumas opções de políticas. Na PNH, uma opção política no que diz respeito à produção do conhecimento é desviar o eixo para lugares que tem relativamente pouca tradição de pesquisa, então fui inicialmente para o Nordeste e Norte. Foram os dois lugares que trabalhamos, o território que denominamos Nordeste II, que são os quatro Estados ao norte no Nordeste, que é Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí e Maranhão, e fui nesses quatro lugares. A gente optou por estar no primeiro momento, fazendo um projeto de estudo multicêntrico sobre apoio, onde entra os quatro estados, em quatro Universidades envolvidas (Universidades Federal do Rio Grande do Norte, do Maranhão e do Piauí, e Universidade do Estado do Ceará).

(En)Cena: Qual o objetivo?

Carlão: Criar uma rede de pesquisa em Humanização em Saúde nessa Região. A mesma coisa é na Região Norte.  Fui a Palmas, onde a gente fechou um início de conversa com a ULBRA, e alguma coisa com a Universidade Federal do Tocantins, não muito potente ainda, e agora estou em Manaus, vou mês que vem (abril) para Belém, e vou marcar agenda para os outros Estados que ainda faltam.

(En)Cena: Já é possível identificar resultado desse movimento de pesquisa?

Carlão: Já está rolando movimentos importantes no Sul, que é uma pesquisa que foi financiada via Ministério.

(En)Cena: A pesquisa fomentada pela Política Nacional de Humanização(PNH)?

Carlão: Fomentada pela PNH, que é a de avaliação de egressos dos Cursos de Apoiadores da Política. O que eu estou sentindo é que o Nordeste avança, porque ele já tem o objeto e esse objeto foi partilhado com o coletivo Nordeste e as Universidades. O que estamos oferecendo no inicio é o apoio técnico e a condução dos projetos para financiamento local, e se for o caso, sendo necessário, financiamento via Ministério. A única exigência que fazemos é que os objetos de pesquisa não sejam da decisão unicamente da academia, que eles sejam partilhados com os coletivos da PNH, as Secretarias de Estado, o Grupo de Apoiadores da Rede de Humanização. São essas pessoas, junto com a Universidade, ou as Universidades, é que vão decidir quais são os objetos de investigação. Não precisa ser estudo multicêntrico, apesar de ser o mais interessantes nesse caso, mas pode ser estudo local, projetos locais e o que eu estou percebendo é que se esboça uma rede, então conforme for a pujança do movimento do lugar a gente vai avançando cada vez mais.

(En)Cena: As Universidades decidem o foco dessas pesquisas?

Carlão: Não, é o coletivo. Os coletivos são grupos de trabalhadores, gestores e usuários do SUS, que compõe com as academias. As Universidades, junto com o coletivo da PNH. O ideal que a gente pensa é que os coletivos decidam o que eles querem saber, suas principais demandas, e eles chamam a Universidade e a gente vai entrando, decidindo quais o objetos a serem pesquisados.

(En)Cena: Esse projeto do Sul aconteceu desse jeito?

Carlão: Não! No Sul, quando cheguei, o projeto já existia. Eu só colaborei compondo um grupo já consolidado em pesquisa científica, colaborei somente na leitura do projeto e no planejamento da pesquisa.  Existem outras pesquisas que estão rolando, que também foram feitas dessa forma, uma no Rio de Janeiro no LAPPIS (Laboratório de Pesquisas sobre Práticas da Integralidade em Saúde/UERJ), sobre constituição de Redes.

(En)Cena: Você falou em articulação das Regiões, para mobilizar a produção do conhecimento. Exatamente que tipo de conhecimento que está se buscando nessas pesquisas?

Carlão: Por exemplo, essa pesquisa do Nordeste é uma pesquisa que vai dar voz ao Apoiador, para dizer “O que é apoio?” Porque o apoio tem sido discutido pelos teóricos e em instâncias de colegiados, seminários etc.? Agora o apoiador, a pessoa que está executando essa função… ele está tendo pouca fala! Quer definir apoio? Vamos definir com quem faz! Então eles estão fazendo a análise do trabalho deles através dessa pesquisa. Já existe uma proposta, um piloto, com questionário semi-estrutado. Estamos trabalhando os dados dessas entrevistas, talvez consigamos nesses próximos quinze dias escrever, reescrever, terminar de escrever e mandar para o suplemento que vai sair na Revista Interface só sobre Apoio Institucional e Humanização.

(En)Cena: Quando é que teremos  uma finalização desse trabalho, com os resultados já expostos?

Carlão: Desse miniteste?

(En)Cena: De todo o país?

Carlão: Ah, esse não tem fim. É orgânico.

(En)Cena: Acha que esse ano é possível avançar quanto?

Carlão: Esse ano, acho que na Região Norte vamos avançar bastante, tenho essa esperança. Acho que no Nordeste tem alguns projetos locais que vão aparecer, focais que vão aparecer nos Estados e o mais interessante, é assim, juntar esse povo para tentar construir essa rede. Isso que importa, para que ela possa andar com suas próprias pernas. O protagonismo da PNH não é perene, ele entra no primeiro momento como indutor. O objetivo é que em algum momento essa coisa ande sozinha e a gente possa estar indo eventualmente aos lugares para tentar estimular um pouco mais. Esse ano, tem essa Região Norte que está acontecendo, não estamos tendo perna para pegar mais nenhuma outra Região, provavelmente a pesquisa do Sul termina esse ano, a do Rio de Janeiro ainda não termina esse ano, pois está em processo e a do Espirito Santo também.

(En)Cena: O que um evento como o Seminário Norte de Humanização, no qual você está participando, soma como resultado positivo para esse movimento de pesquisa?

Carlão: Ah isso está sendo muito legal! Porque assim combinamos com os colegas da Universidade Federal do Amazonas, eles fomentaram a participação de alunos neste evento. Alunos de Medicina, da Residência Profissional, da Psicologia. Esses alunos vão produzir relatos, estarão acompanhando os grupos e os relatos do grupo, e esse material vai servir para uma análise posterior. Provavelmente, uma análise temática, uma análise de conteúdo. Vamos trabalhar alguns temas que vão surgir da conversa dos grupos, para serem analisados e quem sabe publicados em artigos, que a gente escreva e divulgue.

(En)Cena: E desse tour que você está fazendo pelo Brasil, tem algum trabalho que uma a Humanização e a Educação Popular, dessas pesquisas que você falou sobre o Rio?

Carlão: Muito pouco. Inclusive eu julgo que a PNH tem como princípio, o princípio da inclusão. Essa inclusão está sendo dupla na maioria das vezes, porque os gestores estão juntos, os trabalhadores estão juntos. Todavia quanto aos usuários ainda existem muitas dificuldades. Agora, recentemente, desde o ano passado se inicia, se cria uma frente dentro da PNH, que é uma frente de Mobilização Social. Essa gente está buscando coisas novas, inclusive dia 19 de abril, vai ter uma Oficina com Seminário, em São José dos Campos SP, na qual os usuários, os movimentos sociais estarão presentes.

(En)Cena: Os usuários têm enfrentado dificuldades?

Carlão: Nós é que temos tido dificuldade de incluir o usuário no nosso trabalho.

(En)Cena: E onde é que está a dificuldade exatamente?

Carlão: Temos uma cultura estranha em relação a isso, temos dificuldades de ouvir aquilo que não queremos. As pessoas vão falar, a gente vai ouvir e normalmente o usuário é o sujeito que fala aquilo que a gente não quer ouvir. Essa é minha leitura pessoal, não é a leitura do coletivo da PNH.

(En)Cena: O usuário não está incluído também nessa política, têm outras políticas acontecendo nos territórios, que ele desconhece, que ele sabe que é protagonista também…

Carlão: O SUS, cara, é absolutamente inovador em relação a isso!  Ele é o único Sistema de Saúde no mundo que tem isso, essa coisa de incluir usuário, da participação social.

(En)Cena: Ficou alguma coisa que você gostaria de falar?

Carlão: Eu só queria assinalar que a potência desse Seminário Norte, como as pessoas entram desejantes, elas querem alguma coisa. A Bruna La Close [Do Movimento GLBT, de Manaus, presente no Seminário Norte] estava falando que tinha pouca participação dos usuários. Mas há razões explicáveis. Tivemos a oportunidade de executar um Termo de Referência para 150 pessoas, não podíamos passar disso [como participantes do evento], não tínhamos como arcar com mais recursos nesse momento, isso tudo, mas o fato dela estar aqui [Bruna], e de outras representantes de movimentos sociais, de lutas de direitos humanos, estarem aqui, já é um caminho extremamente interessante. Eu acho que é a potência desse seminário! Ela é diferente dos outros, não estou dizendo que é melhor não. Estou dizendo que ela é diferente, estou dizendo que o ponto de partida é outro. É isso eu sinto quando saio do paralelo 17. Digo que o Brasil é divido entre o paralelo 17 para cima e o paralelo 17 para baixo. O paralelo 17 passa exatamente em cima do Rio de Janeiro, são Brasis diferentes e eles vão mudando para o lugar aonde você vai. Agora, o ponto de partida que eu sinto cada vez que eu venho à Região Norte, com o que eu vou ao Nordeste, é completamente diferente dos outros lugares.

Clique aqui para ler a entrevista completa no portal EnCena – A Saúde Mental em Movimento.