“Existe a bipolaridade?” – A METÁFORA DE “UM BEIJO”

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“Existe a bipolaridade?” – A METÁFORA DE “UM BEIJO”
           
            Para animar este post que discorrerá sobre outra pergunta que “não quer calar” – “Existe a bipolaridade?” (no post: https://redehumanizasus.net/node/8291), fazendo uma referência à obra de Deleuze & Guattari, e ao link no post https://redehumanizasus.net/node/8343, arrisco-me inventar um paralelo-metafórico de “um beijo” a partir das três formas de pensar dos filósofos.
 
Situação primeira: A metáfora de “um beijo”
            Imaginemos uma situação conhecida pela a maioria (ressalta-se que capacidade imaginativa é singular, esforcemo-nos!), a de “um beijo”. No entanto, não “um” qualquer, mas este, detalhado em três momentos.
            Primeiramente, há o encontro de faces que se aproximam, frontalmente, mas não se tocam. As faces são rostos em padrão típico, com dois olhos, nariz, boca etc. Estes rostos abarcam riquezas de detalhes quantas forem as “diferenças” entre duas pessoas. Na aproximação, os rostos formam espelhos em sua simetria-assimétrica de semelhança e singularidade. À altura dos olhos, “esses espelhos”, são capazes de refletir a imagem da face um do outro. Os rostos já estão, agora, “dentro e não fora”, ainda que seja apenas uma projeção dos mesmos refletidos. Somos capazes de ver a representação de nossa própria face (e não apenas a face!) nos olhos desta outra pessoa. Em um paralelo-metafórico comparo este estágio à filosofia. Uma infinitização dos reflexos das faces nos olhos de dois rostos, que se dobram em infinitas imagens projetadas nos olhos dos olhos dos olhos dos olhos… de suas faces. Talvez se tivéssemos como utilizar um microscópio (aqui é outra metáfora) para enxergar nossas faces refletidas nos olhos do outro, ainda poderíamos ver faces de faces infinitas. A filosofia, segundo Deleuze & Guattari, é a possibilidade que advém do caos, que é a possibilidade de infinitização permanente.
            Em um segundo momento, provoca-se um contato. Ainda não das faces. Imagine a mão “direita”, apenas, agora, em um movimento, um gesto. A mão direita que é posta, simultaneamente, sobre a face (direita) um do outro e que desliza, na altura das orelhas para a parte posterior do pescoço. Este contato é uma troca, que inclui sensações fora do controle próprio, advindas do calor e da pressão (da mão). Esta é a cena. Voltando ao paralelo na metáfora de um beijo, apresento-lhes a arte, que para Deleuze & Guattari irá intensificar a cena, duplicando o caos, ou seja, as formas de pensar, já que se confundem com sensações, sinestesias, “turvam-se os reflexos” (aquela infinitização das faces refletidas nos olhos um do outro), põe-se em uma possibilidade de relação, ainda que turva (rsrsrs).
            No terceiro e último, avancemos! Os rostos se tocam. E, como se trata de um beijo empírico, a boca é o meio. Os olhos, nossos espelhos de reflexo, fecham-se e as mãos pressionam o pescoço do outro em direção ao rosto próprio. “Um beijo” é vasto (!). Uma troca química-sinestésica entre outras. O momento é único e não somos capazes de mensurá-lo, prevê-lo ou aprisioná-lo. Este estágio, metaforicamente, poderia representar a ciência, que é impulsionada pela pesquisa de funções, essas que irão retroalimentar o caos. O caos, para os autores, é a fonte de criação.
            Entre o caos e as formas de pensar está o segredo, uma vida, o sentido ético. Uma vida extraída desta composição entre as formas de pensar: da filosofia, da arte e da ciência. Esmigalha-se as três, extrai-se algo que constitui variações em intensidades, talvez a subjetivação da própria vida em uma vida.
            A metáfora é inventada (desculpem, mas a interrompo aqui, contudo ela nos acompanhará!). Os conceitos são filosóficos. A questão posta é “Existe a bipolaridade”? E mais, “as doenças existem”? Amplio esta, para invocar outro conceito, que é o da “diferença” absoluta entre todos nós. Corroboro com o dito, já referenciado, de que “a pergunta é um problema mal formulado, portanto um falso problema”!
 
Afinal, “existe a bipolaridade”?
            Sim, existe o Transtorno Afetivo Bipolar. Este é um campo de estudo da ciência que aborda teorias baseadas em pesquisas genéticas e funcionais, de manifestações de uma doença que tem este nome. (As funções no beijo – composição, intensidade, contextos sociais e afetivos; a química, a biologia, a genética!) Em relação ao tratamento biopsicossocial das pessoas portadoras de bipolaridade, tem sido afirmado como sendo um transtorno que precisa ser reconhecido como tal, e tratado como qualquer outra doença, com medicamentos, e neste caso, melhor se associado à psicoterapia, suscitando o resgate de autonomia como cidadania não abstrata. No que tange à bipolaridade em crianças e adolescentes*, as pesquisas não são conclusivas, também por serem recentes, muito embora assinalem esta presença do transtorno nas exacerbações do humor desse público* em contextos dissonantes, associados a comportamentos disrruptivos. Em um trabalho conjunto (incluindo a “suposta” pessoa portadora de TAB, família e uma equipe multiprofissional transdisciplinar em saúde) é possível tatear um diagnóstico, o qual é individual, extremamente difícil e delicado, que é atravessado por aspectos subjetivos, genéticos, psicossociais e afetivos da doença, sem detalhar aqui comorbidades!
            Felizmente, a ciência possui abertura de pensar para além dela mesma (porque é exercida por “pessoas que fazem ciência”). O Transtorno Afetivo Bipolar sendo uma doença como qualquer outra, por exemplo, hipertensão, diabetes, câncer, etc, necessita cuidado, conhecimento sobre o assunto, pois todas as doenças podem de certa forma antecipar “uma morte” (corpórea, psicológica etc) se não tratadas, ou trazer prejuízos e perdas às pessoas portadoras. A dobra pode ser trazida para o limiar entre tratar a pessoa portadora de um transtorno ou apenas tratar o transtorno como doença. Doenças/transtornos não existem sem pessoas! E pessoas são uma infinita gama de possibilidades muito além de suas doenças/transtornos – talvez aqui possa estar nosso desafio: viver as outras possibilidades! Para além dos funcionalismos da ciência e mais, com o aval da mesma. Inúmeros incentivos a este respeito têm sido feito, sendo o entorno a “qualidade de vida” das/para/nas famílias (em amplo leque de orientações biopsicossociais, afetivas, medicamentosas e psicoterápicas, que variam desde a prática de exercícios físicos, aceitação do tratamento, diminuição de estímulos estressores, compreensão em esforço familiar e da sociedade em relação ao preconceito e desconhecimento, até aquilo que todos desejam no “estudar a vida”… vivê-la, vivendo-a!).
 
As três formas de pensar em Deleuze & Guattari: Não, a bipolaridade não existe!
            “As três formas/modos/maneiras de pensar” em Deleuze & Guattari, observando o que nos move, “as forças que nos atacam”. O que nos ataca? O caos! Uma “permanente caótica do devir”, ou seja, as variações dessas mesmas formas/modos/maneiras de pensar. Contextualizando isso na nossa situação problema da “existência da bipolaridade”, em uma palavração bastante pessoal (minha), arremeto-me a este caos, de onde deriva os ramos da ciência, filosofia e arte!
Digo que não, a bipolaridade não existe! Não negando a legitimidade da doença, mas afrontando o sentido de existência do transtorno em suas causas primeiras, reverberando a própria existência de cada um como diferente, ou de se encontrar em “um estado diferente”, mas que ainda o é singular e detém a possibilidade de “reinventar o novo”. A diferença absoluta que nos caracteriza são estados transitórios, e seria mínima se a referendássemos à doença.
Para Deleuze temos a tarefa infinita de recomeçar o novo. “Vontade de potência” corre no corpo. O que passou? (o devir) Reinventar o novo é não se render a monotonia. A qual me refiro aqui? A de pensar o TAB como doença em impregnações históricas, preconceitos (ah, os maníacos-depressivos, puxa, devem ser perigosos! Ainda bem que desinventaram este nome!!), associação de incapacidade do indivíduo (e há quem diga que pode ser bem o contrário, tratando-se, haveria um algo a mais nessas bipolaridades – ?). E por fim, reinventá-la. TAB não existe. O que existe? Talvez um novo conceito de TAB em constante (des)construção, afinal já estamos com muitos tipos em fase de catalogação (tipo1, tipo 1½, tipo 2, tipo 2½, tipo… 8? Estudos de “espectros bipolares”, “depressão pseudo-polar” entre outros que, possivelmente, irão surgir?).
A vida vivida como “uma vida”, isto é, vivida como experimentação, singular, mas em pontos de interconexões coletivas, de direitos, de inclusão dessa diferença radical entre nós, em um cuidado que é compartilhado, retroalimentado pelas forças que corroboram para o equilíbrio dos afetos em suas variações (que até permite algumas exacerbações desde que conectadas aos contextos).
Um beijo não começa na boca. A ciência começa no corpo? De onde vem? Amiga filosofia! A arte é o texto em uma multiplicidade de subtextos interconectados que resultam na intertextualidade sem pertença absoluta.
As discussões específicas sobre TAB estão ocorrendo em Encontros Regionais (como em outubro/2009, Santa Maria/RS), Internacionais – II Simpósio Internacional de Transtorno Afetivo Bipolar na Infância e na Adolescência, no mês passado, em São Paulo, e já estão abertas as inscrições para a 4th Biennial Conference of the International Society for Bipolar Disorders em17-20 de Março de 2010 em São Paulo. Outras possibilidades?
 
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Rodin: O Beijo