O Suicídio Na Mídia: O Caso Leila Lopes

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O homem é um animal que busca significados para tudo o que faz. As coisas que aparentemente eram vazias de sentido hoje, podem ganhar novas percepções amanhã. Flores consideradas sem graça se transformam na pura encarnação da beleza se relacionadas ao amor que sentimos, por exemplo, se forem presenteadas por quem amamos.

Quando olhamos a história percebemos que isso ocorre com a mais variada expressão de características e emoções humanas. O que é valorado por um grupo e/ou sociedade em determinado período poderá ser considerado algo pejorativo em outro momento histórico. Assim, o shuicídio a partir do devinir histórico será visto ora como gesto de brauvura e despreendimento, ora como afronta aos designios de Deus, ora como expressão de doença e/ou sifrimento mental. A depender como se configura o modo de produção de verdades, o que era um problema filosófico ou ético poderá se transformar em problemática sanitária.

Recentemente a imprensa teve que lidar com a situação de Leila Lopes, uma bela atriz com a carreira em decadência e que certa vez esteve em evidência como atriz de telenovelas na Rede Globo. Recentemente "desceu" ao mais baixo nível que alguém no meio artístico pode chegar para buscar exposição: participou da produção de filmes pornográficos. Muitos de nós se lembrarão dela como a "Professorinha Lu" da novela "Renascer".

O suicídio sempre foi tratado na imprensa de forma camuflada. Só ganha cores mais claras na medida em que se torne impossível esconder o fato. A desculpa recorrente é a idéia de que se o suicídio for noticiado isso criaria uma verdadeira "epidemia" motivando mais pessoas a cometerem suicídios. Creio que o elemento que determina essa visão "envergonhada" do suicídio diz mais respeito a nossa tradição religiosa. O suicida é antes de tudo um "criminoso" que atenta contra a vontade Deus, rouba-lhe a primazia de controlar a duração da vida. Por este ato blasfêmico, num passado não muito distante, era negado aos suicidas o sepultamento em igrejas ou em terrenos consagrados nos cemitérios.

Caso ficasse demonstrado depois do sepultamento de alguém que esta pessoa havia cometido suicídio, o corpo poderia ser exumado, levado a uma sala de julgamento para a devida condenação. A situação extremamente mórbida era secundarizada diante da necessidade de regular uma afronta ao poder que era tradicionalmente explicado e legitimado com bases ideológicas de cunho religioso. Há relatos sobre cadáveres de suicidas que eram arrastados por cavalos. Óbvio dizer que a "pena" não atingia mais o morto mas objetivava disciplinar os vivos.

Voltamos portanto ao caso de Leila Lopes. Foi impossível esconder o fato de que ela havia cometido suicídio. Vazaram informações iniciais da perícia que sinalizava para a presença de veneno de rato na comida ingerida pela atriz. Assim, isso colocava à imprensa a tarefa de falar sobre um assunto sobre o qual não estava acostumada e mais,, de oferecer um sentido a pergunta que a maioria das pessoas faria: "por que ela se matou?’.

Uma rápida pesquisa pela internet mostrará que o conjunto das racionalizações caminha ora para explicações de base psicológica (estaria a atriz em crise depressiva), ora pelo próprio preconceito de classe social ( a atriz não teria suportado a perda de uma vida de luxo e riqueza e agora estar vivendo num padrão de classe média etc). Volta e meia visibiliza-se insinuações de que se tonar atriz de filmes pornográficos já seria um indício de que as coisas não andavam bem etc etc.

Quase nenhuma palavra sobre sentidos existenciais que poderiam levar a atriz a fazer o que fez. Quase nenhuma palavra que informasse ao grande público sobre as dificuldades existentes hoje no campo da psicologia e da psiquiatria para buscar um acordo teórico mínimo que dê conta da complexidade da questão do suicídio. O jornalismo rasteiro e superficial se deu conta que tem que ser rasteiro e superficial para acompanhar um estilo de público ávido por informações rasteiras e superficiais porque aprendeu a absorver informações rasteiras e superficiais. Para "entendermos" alguma coisa da nossa realidade tornou-se lugar comum a imolação da verdade diante do altar da necessidade de informações tão profundas quanto um pires.

Talvez estivesse certo Renato Russo em "Pais e Filhos":

Estátuas e cofres
E paredes pintadas
Ninguém sabe o que aconteceu
Ela se jogou da janela do quinto andar
Nada fácil de entender

Assim, uma posição minimamente honesta (se a honestidade pode ser delimitada em parâmetros) seria a busca de conjunto de informações que desse conta da complexidade dos gestos humanos e, ao mesmo tempo, da complexidade de visões e significações de quem produz e consome essas informações. Ler sobre o suicídio de qualquer ser humano é ler um pouco sobre nós mesmos, é avaliar nossas (im)possibilidades diante da vida que levamos, é inclusive questionar a necessidade que temos de bisbilhotar a vida alheia principalmente se o "alheio" for uma celebridade. Afinal de contas, para que saber do suicídio de Leila Lopes e especular sobre as razões que a levaram a esse caminho? Teríamos nos transformado em verdadeiros Sherlocks sem brilho a buscar indícios que "expliquem" superficialmente a complexidade da existência?
 

Fecho os olhos e revejo a beleza de uma mulher que a partir da ingenuidade de seu personagem na novela buscava realizar as fantasias mais básicas dos telespectadores: amar, namorar, viver! Diante do suicídio da atriz, cabe a pergunta do quanto situações como essas não seriam formas sutis de homicídio social numa cultura que supervaloriza o "vencer na vida" onde a vitória é estar o tempo todo exposto aos olhos curiosos de milhões que gostariam de estar dentro da telinha. Mas cá estou eu cometendo o mesmo erro, reduzindo um gesto humano à banalidade superficial de uma explicação psicossociológica.

Que fique vivo na memória o encantador sorriso da Professorinha Lu!