FALA DE ABERTURA DO COLÓQUIO SOBRE DROGAS E POLÍTICAS PUBLICAS EM SÃO PAULO

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Segue hoje a fala de abertura que fiz no Colóquio e logo mais virá um relato das preciosas contribuições à reflexão e troca sobre este campo da saúde pública para usuários de drogas. 

 

Em nome da PNH, uma das organizadoras deste evento, ao lado do NUPSI-USP e da Fac de Medicina da Santa Casa, agradeço a presença de todos, desejando que o colóquio que ora abrimos cumpra, de maneira satisfatória e condizente com as necessidades e expectativas dos que aqui vieram, a função política que lhe atribuímos.

De que função política a PNH fala?

Em 1º lugar, falamos da função de afirmação de uma ética do compromisso com a garantia de direitos, compromisso com a inclusão radical da diferença, no caso, inclusão das populações vulneráveis, usuária de drogas, vivendo muitas vezes em situação de rua ou nos cárceres das grandes cidades, população que não se enquadra nos cânones do metro padrão hegemônico de dominação dos corpos e das subjetividades  no contemporâneo.

Metro padrão homem/branco/heterosexual/de classe média e alta, a partir do qual as existências são medidas, avaliadas e consideradas legítimas ou ilegítimas, merecedoras ou não merecedoras de respeito, dignidade e atenção.

Em 2º lugar, falamos da função de afirmação de uma clínica cuja direção escape e ultrapasse o engessamento forçado pela proposta antidrogas, praticamente hegemônica em nossa realidade, e aponte para o alargamento de sua margem de manobras necessária à atenção dirigida às especificidades de cada caso. Portanto, afirmação de uma política de clínica que  desfocando seu olhar da substância-droga, leve em conta o território existencial dos usuários, abrindo a possibilidade de substituir os protocolos de tratamento pela experimentação, base essencial do exercício clínico.(Tedesco&Souza, 2010)

Em 3º lugar, falamos da função política de formação/instrumentalização para a ação no campo das políticas públicas de saúde, campo em que não cabem neutralidades ou omissões.

Enquanto trabalhadores deste campo, nossas práticas produzem efeitos seja em nós mesmos seja nos sujeitos com quem nos vinculamos, portanto são práticas políticas que, enquanto tal, podem estar na direção pura e simplesmente de restringir a oferta em saúde dentro de padrões morais e jurídicos – o que é uma maneira de restringir de forma estratégica a universalidade, integralidade do cuidado e a equidade do acesso -; ou, podem estar na direção de "ofertar e produzir novos agenciamentos para uma vida que corre riscos consideráveis quando a experiência-droga deixou de ser um meio de passagem, um conector de zonas e se tornou uma finalidade"  (Tedesco&Souza, 2010).

A PNH é uma invenção democrática com funções e compromissos políticos!
É uma estratégia de interferência no SUS rumo à mudança nos modos de atenção e gestão da saúde pública no Brasil.

Uma política que nasceu de experiências de um “Sus que dá certo”,  experiências de trabalhadores, gestores e usuários fazendo valer os princípíos do sus, um dos quais estará em evidência neste colóquio: o princípio da equidade, ao lado do não menos importante princípio da integralidade!

A pluralidade e diversidade dos modos de existir em nossa sociedade e mundo contemporâneo conclama-nos a responder com o princípio da equidade : ofertar mais e diferentemente a quem necessita mais, a quem não tem sido contado como valor no campo das trocas sociais e civilizatórias.

A PNH se faz com o sus e apresenta-se como  um arcabouço teórico-tecnológico de intervenção, com princípios, métodos, diretrizes e dispositivos, envolvendo trabalhadores, gestores, usuários, conselheiros de saúde, movimentos sociais e redes presenciais e virtuais, tais como a RHS, em busca da  ampliação das experiências exitosas qualificadoras e democratizantes dos serviços de saúde.

Existimos há 12 anos, disputando espaços e sentido no campo da saúde pública brasileira, resistindo às investidas contra o sus, contra a reforma sanitária brasileira que o pautou enquanto Política de Estado na constituição de 88, resistindo contra a degradação da clínica, contra os golpes fatais  que, ultimamente,  têm vindo não mais dos  militares, os outrora ditadores de nossa realidade,  mas do legislativo e do executivo,  agora achacadores legitimados por votos, de conquistas históricas da sociedade brasileira no campo dos direitos sociais.

A privatização dos serviços públicos de saúde (entrega da gestão para OS), a abertura total para a entrada do capital estrangeiro na saúde, a extensão sem limites da terceirização (todos os trabalhadores com contratos precários de trabalho, fim da CLT), a diminuição da maioridade penal, o ajuste econômico que restringe seguro desemprego e previdência dos trabalhadores, etc, são a expressão de um retrocesso democrático e social de proporções e consequências bastante funestas e pouco rechassadas!

Num contexto como este, seguimos resistindo na dupla acepção que este conceito comporta: resistência contra o dominante/hegemônico/o que retira direitos e convida-nos à “servidão voluntária”; e re-existência, exercício de um modo outro de existir, produzindo práticas e encontros aumentativos de nossa potência de perseverar no ser, individual e coletivo.

Que este colóquio seja mais um de nossos dispositivos de resistência, dispositivos de compartilhamento e estreitamento dos vínculos de conhecimento, amizade e solidariedade no campo das práticas sociais!

“Ser uma democracia, não uma subseção do sistema financeiro, ou uma ‘democracia real’ como pedem as multidões em Portugal, Espanha e Grécia, em pleno apogeu do capital financeiro, não é tarefa que se improvise” (Saul Leblon, Carta Maior, 24/06/2011).

“Existirmos, a que será que se destina!??”

A luta continua!!!!

maio de 2015