Notas sobre o dia do sanitarista e da sanitarista

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Arte por Victo Ngai

Por algum motivo o dia de hoje é usado para comemorar o dia do médico sanitarista. Um profissional de saúde que articula os conhecimentos de medicina com a saúde pública para atuar sob os diferentes níveis de atenção, gestão e vigilância no Sistema Único de Saúde (SUS). No entanto, a profissão sanitarista também é exercida por enfermeiros, farmacêuticos, psicólogos, cientistas sociais, jornalistas, estatísticos etc, ou seja, enfermeiro sanitarista, farmacêutico sanitarista, psicólogo sanitarista…

O sanitarista não é uma profissão exclusiva da área da saúde, mas, uma profissão que vem rizomando entre todas as áreas intercessoras do conhecimento. A historiografia da saúde pública revela que a formação desse profissional tem muito mais haver com o contexto de saúde pública da época do que qualquer coisa. Por exemplo, os cursos curtos de Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da USP e os cursos descentralizados da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) em parceria com a Escola de Saúde Pública do Rio Grande do Sul. De forma mais estruturada, esses cursos começaram a surgir na década de 70/80.

Mas, também, a prática de saúde pública existe desde os tempos coloniais. No Brasil Colônia, os responsáveis pelo o cuidado com as pessoas doentes eram os pajés e os boticários (hoje, chamamos de farmacêuticos). Desse período até 1808 era inexistente a presença de médicos na região. No entanto, a ausência de uma rede básica de serviços de saúde daquele período fez com que uma das principais atribuições do médico (ou do sanitarista) fosse o combate às epidemias.

Talvez, combate as epidemias e campanhas de vacinação sejam duas ideias-forças que expressam bastante o pensamento sanitarista daquele tempo e de hoje em dia.

E na história da saúde pública brasileira a revolta da vacina merece destaque e discussão. Destaque pela as medidas sanitárias usadas para combater a epidemia de febre amarela: brigadas para eliminar focos dos insetos nas casas, jardins, ruas entre outros lugares que as larvas do mosquito poderiam se desenvolver. Discussão pela tentativa autoritária da vacinação em massa contra a varíola.

Com a organização da Liga Contra a Vacinação Obrigatória, o intenso movimento popular que reivindicava a suspensão da obrigatoriedade da vacinação conseguia aprovação do Governo. Isso em 1904. E, nesse movimento de revolta popular e autoritarismo do Estado muitos mortos, feridos e presos (alguns deportados para o Acre). Três anos depois a febre amarela estava erradicada no Rio de Janeiro. No ano seguinte uma epidemia de varíola levou a população aos postos de vacinação.

Há uma circulação de diálogos entre algumas instituições de pesquisa e meios de comunicação que em 1908 o Brasil reconheceu o Sanitarista por conta da vacinação da varíola e da população buscar os serviços de saúde para se protegerem da doença. Para mim, faltam informações a respeito disso e tomo a liberdade de reproduzir essa história até onde sei. Ou seja, até aqui.

Entretanto, vale lembrar-se do conceito de biopolítica e biopoder de Foucault. E como a história se repete. Atualmente, nossas medidas de proteção à saúde para a dengue são as mesmas utilizadas na época da revolta da vacina.

Sanitaristas são todos: os da graduação e da pós graduação

Um debate que vem ganhando força e gerando um pouco de polêmica é o sanitarista formado na graduação e na pós graduação. Uma espécie de quem é quem. Um jogo de identidades. Se antes a pós graduação formava sanitaristas para o campo da saúde. As graduações em saúde pública/saúde coletiva/saúde ambiental também estão formando sanitaristas. E, essa produção de novidade pode soar um pouco estranho.

“Um aluno que saiu do ensino médio pode fazer uma graduação em saúde pública? Como assim? Não tem mais que fazer pós graduação? É assim mesmo? Como você sente fazendo esse curso”. Multidão de perguntas sobre o “novo” sanitarista.

Os cursos curtos da FSP e da ENSP constituíram de importantes apostas para o movimento da reforma sanitária brasileira e da constituição do SUS porque foram fundamentais para colocar nas ruas militantes comprometidos com a construção de um sistema de saúde público, integral e gratuito.

Desse tempo em diante, também, era discutido a formação de sanitarista no contexto da graduação. Mas, com alguns temores. Do desinvestimento do campo da saúde coletiva com as outras profissões da área da saúde e se a saúde coletiva como um campo cientifico que acabava de se formar tinha habilidades e competências suficientes para formar um profissional de saúde “puro”. A aposta do sanitarista no âmbito da graduação é a mesma: de permanecer o sistema de saúde como um projeto ético-político-exitoso.

Agora, com 21 cursos de saúde coletiva pelo país e com muitos sanitaristas formados nessa graduação e ocupando espaços no cotidiano do trabalho dos serviços do SUS na atenção, na gestão e na vigilância o desafio deste profissional é de conquistar o reconhecimento da sociedade para a regulamentação da profissão.

Não só da sociedade, mas, também dos serviços de saúde, dos trabalhadores, das equipes, dos gestores, dos conselheiros. Nem toda novidade pode ser bem vinda. Uma tarefa que mobiliza a todos/as que acreditam que o sanitarista, enquanto 15ª profissão da área da saúde pode realizar mudanças molares e moleculares nas políticas de saúde que são fabricadas nas esferas municipal, estadual e federal.

Então, notas para a reflexão sobre o dia de hoje.