João Mário Berto dos Santos
Estudante do Internato em Saúde Mental da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Alagoas
Meu nome é João Mário Berto dos Santos. Sou estagiário de Medicina e, durante meu percurso na área de Saúde Mental, tive a oportunidade inesquecível de atuar no CAPS Dr. Sadi Feitosa, em Maceió – AL. Digo “atuar”, mas poderia dizer “transformar-me”. Porque o que vivi ali ultrapassou os limites de qualquer formação técnica: foi uma travessia humana, ética e afetiva que sedimentou em mim um olhar verdadeiramente antimanicomial sobre a psiquiatria.
No CAPS, compreendi que o cuidado em saúde mental não se faz com muros, contenções e silêncios forçados, mas com presença, vínculo e confiança. E foi exatamente isso que vivi semanalmente, nos três grupos dos quais participei com intensidade, escuta e entrega.
Nas segundas-feiras à tarde, o Grupo Ouvidores de Música se tornava uma espécie de ritual coletivo. Entre ouvidos e caixas de som, o espaço se abria para que cada usuário compartilhasse uma música e, com ela, uma parte de si. Era surpreendente como as escolhas musicais revelavam sentimentos profundos, lembranças, traumas, esperanças. Mais do que ouvir músicas, ouvíamos vidas. As letras e melodias eram a linguagem da dor e da resistência. A cada sessão, eu entendia mais sobre a subjetividade que os manuais não ensinam — e menos sobre a necessidade de rotular.
Às quartas-feiras à tarde, no Grupo Movimenta-se, o cuidado ganhava corpo. As atividades físicas e os alongamentos pareciam simples à primeira vista, mas logo revelavam sua complexidade: ali, o corpo – muitas vezes esquecido ou punido por anos de institucionalização – era acolhido, respeitado e reanimado. Vi sorrisos se abrirem após um exercício concluído, vi olhos brilharem ao redescobrirem movimentos esquecidos. Vi a dignidade voltar aos poucos, ao ritmo de cada respiração.
E às sextas-feiras pela manhã, no Grupo Educação e Saúde, experimentamos o poder da palavra e do conhecimento partilhado. Foram encontros de construção coletiva, onde temas como uso de medicações, autocuidado, estigma e cidadania eram debatidos com profundidade e sensibilidade. Mais do que informar, educar era empoderar. Cada fala era uma possibilidade de reconstrução de si. Cada escuta era um gesto de reconhecimento.
Ao longo dessa jornada, compreendi que o modelo manicomial — que ainda persiste, mesmo que com outras roupagens — nega a complexidade e a humanidade do sofrimento psíquico. E que o CAPS, ao contrário, é um espaço de resistência e de reexistência. Um lugar onde a loucura não é apagada, mas acolhida como parte da existência humana.
Minha vivência no CAPS Dr. Sadi Feitosa me ensinou que a clínica psiquiátrica só é realmente eficaz quando é também ética, comunitária e afetiva. Saio dessa experiência com um compromisso que ultrapassa o consultório: o de lutar por uma saúde mental sem grades, sem violências, sem exclusões.
Mais do que um estágio, foi uma experiência de vida. E dela, carrego comigo cada música, cada gesto, cada fala, como sementes que, um dia, florescerão em minha prática como médico. Porque a verdadeira medicina, aprendi ali, é feita com olhos que enxergam o outro por inteiro — e não apenas o diagnóstico.