Maluco Voador: quando o cuidado vira música, roda e encontro no CAPS II
Falar sobre a oficina de música no CAPS II é falar sobre encontros que curam. E é também falar sobre o Maluco Voador, grupo de música do serviço, que não é só um grupo é um território de cuidado, invenção, afeto e liberdade.
Escrevo aqui como estagiária de Psicologia, atravessada pela experiência de participar por três meses e, por um dia, conduzir uma oficina deste coletivo tão potente. O projeto já existe há muito tempo e segue voando com asas construídas por trabalhadores, usuários e muitos que, como eu, passam e deixam também um pouco de si.
O Maluco Voador pulsa no território de um CAPS como uma aposta na potência da arte como cuidado. Aqui, a música não é terapia no sentido tradicional. Ela é encontro, é roda, é coletivo, é espaço de subjetivação. Um espaço onde, como diria Winnicott, podemos brincar, criar e existir de forma mais inteira, mais viva e mais verdadeira.
Nosso repertório é tecido pelas vozes e histórias de quem participa. A cultura popular pulsa forte. A ciranda, o maracatu, o coco e o samba atravessam nossos encontros.
O nome Maluco Voador carrega uma linda provocação: e se a loucura, ao invés de ser encarcerada, pudesse ganhar asas? E se, ao invés de silêncio, ela pudesse ser canto, batuque e poesia?
Foi nesse espírito que aconteceu a oficina que compartilho hoje. A proposta começou com uma escuta bem simples, mas poderosa: qual ritmo vocês querem? Entre rock, sertanejo e gospel, o rock ganhou. E, com ele, vieram as escolhas pessoais de cada um, músicas que fazem parte das histórias de vida, que emocionam, que atravessam.
Preparamos tudo com carinho: vídeos de apresentações ao vivo, pra que cada instrumento pudesse ser visto, sentido. Entre uma música e outra, conversávamos sobre a história do rock, suas origens, suas misturas. Eu confesso que tinha receio… E se não gostassem? E se fosse chato? Mas o que aconteceu foi justamente o contrário: os corpos se moveram, os olhos brilharam, alguns dançaram, outros se emocionaram profundamente. Teve até apresentação improvisada de dança, feita por um visitante de outra unidade, acolhida com tanta generosidade que me comoveu.
Mais do que uma oficina, aquilo foi um acontecimento. Um espaço onde, como bem descreve o Caderno HumanizaSUS (Brasil, 2010), se produz cuidado em liberdade, na ética do encontro, na estética da vida e no compromisso político de estar com o outro, não para tutelar, mas para construir, juntos, modos diferentes de existir e resistir.
No final, deixei um bombom Serenata de Amor para cada um. Não como prêmio, não como encerramento, mas como lembrança doce de que aquele momento existiu, foi real, foi potente.
É assim que pretendo seguir a minha jornada, inspirada no Maluco Voador: inventando cotidianos, voando baixo quando for preciso, subindo alto quando dá, e, principalmente, lembrando que a loucura cabe, sim, na roda da vida.