Marcando páginas da vida – Um relato de Experiência no CAPS Casa Verde, Maceió – AL

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Marcadores de Páginas feitos por Usuária do CAPS

Marcadores de Páginas feitos por usuária do CAPS Casa Verde

Meu primeiro dia em um ambiente totalmente desconhecido. Enfadada, fisicamente pela vida corrida, e mentalmente, por estar vivenciando o clima pesado do estágio de saúde mental em um hospital psiquiátrico – que mais parece um depósito humano do que um lugar terapêutico, diga-se de passagem – iria conhecer um local novo. O que esperar de um CAPS? Depois de 05 anos de graduação em medicina não havia sequer pisado em um local como esse. Em uma sexta-feira à tarde, deparo-me com um grupo de pessoas dançando e cantando e logo tenho que entrar na dança. Todos tão livres, manifestando-se, extravasando as emoções, direcionados por uma assistente social muito carismática. Enquanto estavam tão soltos, eu me questionava, como posso me soltar e dançar no meio dos pacientes? Durante a atividade, uma senhora de uns 40 anos me abordou dizendo que tinha um presente para mim, eu deveria escolher um marca-páginas feito com desenhos de sua autoria, dentre vários que ela havia feito. Escolhi uma borboleta, representando a liberdade intrínseca àquele local.

Os dias no estágio foram passando, e fui aprendendo que aquelas pessoas não eram pacientes, mas sim usuárias de um serviço de saúde público. Aprendi com oficinas de leitura, grupos para compartilhamento de vivências, discussões de convivência e discussões da equipe interdisciplinar que a liberdade é terapêutica, e que talvez sejamos convencionados às prisões. Tentam nos convencer, socialmente e também no meio acadêmico, de que os manicômios são as únicas saídas e não há como acabar com eles. Mas é impossível se convencer de que a lógica manicomial é adequada quando uma pessoa chora em sua frente, expressando o sofrimento por abusos vividos em internações psiquiátricas e, ao mesmo tempo, exalta o CAPS como um ambiente de salvação, reabilitação e inserção social, onde pessoas são, de fato, pessoas. Onde pessoas têm nomes e são capazes de fazer arte, vender roupas em um bazar ou pão feito com as próprias mãos.

No meu último dia durante o estágio no CAPS, a usuária que havia me dado o marca-páginas acaba descobrindo que no dia seguinte seria meu aniversário. E vira uma festa, todos os usuários começam a cantar parabéns e me abraçar e sou presenteada com um novo marca-páginas.

No final dessa experiência, contudo, eu tive a certeza de que o verdadeiro presente não cabia em minhas mãos.

Relato de experiência sobre o estágio no CAPS Casa Verde – Maceió, AL, sob orientação do Prof. Sérgio Aragaki

Caroline Meneses Resende, Acadêmica de Medicina do 9° período da Universidade Federal de Alagoas.