As tragédias climáticas que vêm acontecendo em todo o país, levaram o Ministério da Saúde (MS) a criar, em julho deste ano, a Coordenação Geral de Mudanças Climáticas e Equidade em Saúde, subordinada ao Departamento de Emergências em Saúde Pública, da Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente.
A coordenação do setor é do responsável pela Plataforma de Nível de Biossegurança 3 (NB3) do Instituto Oswaldo Cruz (IOC)/Fiocruz e colaborador do Observatório de Clima e Saúde, do Icict, Marcos Horta. Ele é doutor em Saúde Pública e Meio Ambiente (Ensp/Fiocruz), foi vice-diretor de Laboratórios de Referência, Ambulatórios e Coleções Biológicas do IOC, de onde saiu para assumir o cargo no Ministério da Saúde. Além disso, Horta atua nas áreas da epidemiologia e vigilância epidemiológica de doenças emergentes e reemergentes, saúde global e efeito das mudanças climáticas na saúde das populações.
Ele concedeu entrevista ao site do Icict e analisou os efeitos das mudanças climáticas no Brasil.
Por que é fundamental trazer para a Saúde a abordagem de “Clima e Saúde”?
A abordagem “Clima e Saúde” é essencial porque as mudanças climáticas afetam diretamente a saúde pública, influenciando a incidência de doenças transmissíveis, problemas respiratórios e cardiovasculares, além de impactar a segurança alimentar e hídrica como os casos que estamos testemunhando de cheias de Sul e secas no Norte. Integrar esta abordagem permite desenvolver estratégias de prevenção e adaptação mais eficazes.
Qual o seu olhar para a situação atual, considerando os recentes eventos extremos (chuvas e secas na região Sul; grandes chuvas no Nordeste; secas na região Norte e no Centro-Oeste), sem falar nos desastres ambientais (rompimento das barragens da Samarco (2015) e Brumadinho (2020) e da Braskem, no bairro de Mutange (Maceió/Alagoas), por exemplo)? Como governos e população, e o Ministério da Saúde, podem lidar com isso?
A situação atual, influenciada por eventos climáticos extremos e desastres ambientais, ressalta a necessidade crítica de uma abordagem integrada e proativa em saúde pública e gestão de riscos. Observamos uma frequência crescente de eventos extremos que desafiam não só a infraestrutura, mas também a saúde pública. Governos e populações devem fortalecer a resiliência através da educação em mudanças climáticas, do planejamento urbano sustentável, e de investimentos em infraestrutura crítica. O Ministério da Saúde, em colaboração com instituições como a Fiocruz, pode ampliar sua atuação desenvolvendo políticas que integrem dados climáticos à vigilância epidemiológica para antecipar e mitigar os impactos de tais eventos.
Em 2009, o terceiro volume da Série Saúde Ambiental (do Ministério da Saúde) trouxe uma abordagem sobre os aspectos gerais das mudanças do clima e uma caracterização do Brasil, além de discorrer sobre características das principais doenças e agravos influenciados pelo clima e tendências futuras de algumas doenças e agravos. A publicação também aborda as vulnerabilidades identificadas e a organização do Sistema Único Saúde (SUS).
De 2009 para cá, como o senhor vê a situação atual e como acha que isto está impactando a saúde e o Sistema Único de Saúde?
Desde 2009, o impacto das mudanças climáticas sobre a saúde e o SUS se tornou ainda mais evidente. A frequência e intensidade dos eventos climáticos extremos têm exacerbado problemas de saúde pública, como as ondas de calor, os problemas respiratórios relacionados à qualidade do ar e impactos psicológicos de desastres naturais. O SUS tem enfrentado desafios adicionais para se adaptar e responder a essas mudanças, exigindo integração de dados climáticos com sistemas de vigilância em saúde e ampliação de capacidades para emergências sanitárias.
Seu projeto “Ampliando as estratégias de enfrentamento aos efeitos das mudanças climáticas e das ondas de calor no estado do Rio de Janeiro por meio do monitoramento contínuo de doenças sensíveis ao clima” está concorrendo a financiamento no Programa Jovem Cientista do Estado, pela Faperj. Para o senhor, como se daria esse enfrentamento aqui no estado do Rio de Janeiro?
O enfrentamento dos efeitos das mudanças climáticas no Rio de Janeiro, através do projeto, envolverá a implementação de um sistema de monitoramento de doenças sensíveis ao clima, como dengue, bem como condições relacionadas ao calor extremo. Este sistema permitirá uma resposta rápida e eficaz às emergências de saúde pública, através da análise de dados climáticos e de saúde em tempo real.
Apoio do Observatório de Clima e Saúde
A coordenação do Observatório de Clima e Saúde saudou – em uníssono – a criação da Coordenação Geral de Mudanças Climáticas e Equidade em Saúde, como “bem-vinda e necessária”. Segundo Christovam Barcellos, Renata Gracie e Diego Xavier, “a criação da Coordenação representa o reconhecimento, por parte do Ministério da Saúde, da relevância desse tema e da necessidade de priorizá-lo.”
Os coordenadores também acreditam que “esse novo espaço contribuirá para organizar as ações no âmbito do SUS, em articulação com outros ministérios, impactando as ações conjuntas de mitigação e adaptação de todos os entes envolvidos e, para tanto, temos mantido um diálogo contínuo com o coordenador da iniciativa, Marco Horta, e buscado colaborar com nossa experiência enquanto Observatório de Clima e Saúde”.
O Observatório mantém o seu apoio ao Ministério da Saúde, “por meio de nossas pesquisas, a partir de coleta e armazenamento de dados, análises situacionais dos impactos do clima na saúde nos diferentes territórios brasileiros e disseminação de informações tratadas para pesquisadores, gestores e a sociedade civil realizando assim um assessoramento técnico científico sempre que necessário”.
SUS: impactos, riscos e vulnerabilidades
A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2020 e atualizada em 2023, aponta que o Sistema Único de Saúde – SUS possui:
• 42 mil unidades básicas de saúde, em todo o Brasil;
• 44 mil equipes de Saúde da Família que atendem a 123 milhões de pessoas;
• 1.229 equipes de Atenção Básica
Em situações de eventos climáticos extremos essa infraestrutura de apoio à saúde da população brasileira fica comprometida, como foi o caso das chuvas do Rio Grande Sul, onde várias unidades de saúde também foram tomadas por água e lama, e profissionais não conseguiam chegar aos seus locais de trabalho.
Em publicação intitulada “Estratégia de Saúde – Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima”, o Ministério do Meio Ambiente e Clima, extraiu dados do Observatório de Clima e Saúde, do Icict/Fiocruz, sobre os efeitos dos eventos extremos na saúde, apontando impactos, riscos e vulnerabilidades na saúde:
Também o relatório “The Lancet Countdown 2024 – Saúde e alterações climáticas: enfrentando ameaças recorde devido a ações tardias” (The Lancet Countdown: tracking progress on health and climate change), apresenta dados sombrios:
• 167% foi o aumento da mortalidade relacionada ao calor em pessoas com mais de 65 anos em comparação a década de 1990;
• 48% da área terrestre global foi afetada por pelo menos um mês de seca extrema em 2023 e 61% da área terrestre global viu o aumento no número de dias de precipitação extrema, o que aumenta o risco de inundações, disseminação de doenças infecciosas e contaminação da água;
• 23% foi o aumento das perdas econômicas anuais médias por conta de eventos extremos relacionados ao clima de 2010-2014 a 2019-2023, perfazendo um total de US$ 227 bilhões.
Esses são alguns números extraídos do relatório que aponta que: “colocar a saúde das pessoas no centro da formulação de políticas sobre mudanças climáticas é essencial para garantir que essa transição proteja o bem-estar, reduza as desigualdades em saúde e maximize os ganhos em saúde”.
De olho no clima
O Painel de Eventos Extremos Climáticos, do Observatório de Clima e Saúde, apresenta dados atualizados na situação no Brasil. Para fazer o painel, a equipe do Observatório adotou a Classificação e Codificação Brasileira de Desastres (Cobrade), que é usada pelo Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, selecionando quatro modalidades:
► Desastres climatológicos – Períodos de seca (divididos em estiagem, seca, incêndio florestal e baixa umidade do ar;
► Desastres geológicos – Terremotos, as emanações vulcânicas (materiais vulcânicos lançados no ar a partir de erupções vulcânicas), os movimentos de massa (quedas de barreiras, tombamentos e rolamentos, deslizamentos e etc.) e as erosões (costeira/marinha; margem fluvial e continental – provocada por escoamento hídrico superficial concentrado ou não);
► Desastres hidrológicos – Inundações, enxurradas e alagamentos;
► Desastres meteorológicos – Ciclones e frentes frias/zonas de convergência (que provocam quedas bruscas de temperatura)); tempestades (ciclones, tempestades de raios, granizo, chuvas intensas, vendavais); temperaturas extremas (ondas de calor e de frio).
Crédito: Painel do Observatório do Clima e Saúde
É possível observar, nos dados do Painel que, houve um aumento de eventos extremos e de pessoas que sofreram os impactos desses eventos no período de 2020 a 2023. Para esse período, no caso de pessoas enfermas, houve um aumento de 189,12%; no de pessoas feridas foi de 333%; de pessoas afetadas foi 128,21% e com uma redução no número de mortes que foi de -39,5%, quando a prevenção aos eventos climáticas mostrou-se de fato eficaz.
A relação de eventos extremos versus pessoas afetadas no período foi de 128,63%. O número de pessoas afetadas segue crescendo como mostram os números do Painel: até março de 2024, se comparada a todo ano de 2023, representa 26,47% de pessoas afetadas.
O Brasil está preparado?
Em conversa com a equipe de pesquisados coordenadores do Observatório de Clima e Saúde, que há 15 anos acompanham a situação brasileira, com os acontecimentos recentes das enchentes no Rio Grande do Sul, queimadas e secas na região do Centro-Oeste e na Amazônia brasileira, “ficou visível que era necessário e urgente repensar a resposta a esses eventos em todo o país”, explicam. Os pesquisadores acreditam que o país está fazendo o seu dever de casa, com a “construção do novo Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima, que está sendo pensado desde 2023. Balizado pela Lei 14.904/2024, que “estabelece diretrizes para a elaboração de planos de adaptação à mudança do clima”, o documento envolve todas as esferas e setores de governo”.
Já foram realizadas, na área da saúde, por exemplo, oficinas e diversas reuniões para trazer subsídios ao Plano Setorial de Adaptação à Mudança do Clima, com foco na redução dos impactos das mudanças climáticas na saúde das pessoas e nos serviços de saúde. A Fiocruz participa representada pelos coordenadores da área de Saúde e Ambiente/VPAAPS, Guilherme Franco Netto, e do Observatório de Clima e Saúde, Christovam Barcellos, como suplente.
Matéria: Graça Portela (Ascom/Icict/Fiocruz)
Crédito imagem da capa:
Infográfico: Organização Mundial da Saúde – OMS | Reedição do infográfico “Whether you live in a…”, da OMS: Vera Fernandes (Ascom/Icict/Fiocruz) | Versão do infográfico “Whether you live in a…”, da OMS: Graça Portela (Ascom/Icict/Fiocruz)
Por Emilia Alves de Sousa
Sem dúvida, essa é uma realidade preocupante que exige ações conjuntas e imediatas, envolvendo todos os setores da sociedade para prevenir o agravamento dos riscos climáticos.
Obrigada, Graça, por compartilhar essas informações tão relevantes na Rede!
AbraSUS