O meu olhar sobre a Rede Humaniza SUS

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Queridos amigos da RHS,

Nesses tempos em que tantas coisas nos sufocam, nos violentam e roubam nossa capacidade de alegria, lembrar da RHS é  aproximar-se das forças que nos erguem; é viver a experiência de uma existência que atravessa muros, rompe silêncios, abre-se às palavras e oferece acolhida a pensamentos, idéias e sentimentos. A rede é horizonte a nos lembrar que é preciso salvar a vida que ainda está aí, pulsante.

Nos dez anos da RHS, daqui da minha janela, lembrando dos nossos primeiros encontros, sopro os belos versos de Fernando Pessoa:  “Quando te vi amei-te já muito antes”.  Amei-te já. O agora e o passado entrelaçados.  Penso: quando conheci a rede, já a amava.

Sentindo-me em casa num lugar que nunca antes havia visitado, fui descobrindo cada canto, aquietando-me em alguns, seguindo apressada em busca de outros, inquietando-me ou fazendo morada naqueles que me encantavam. Espantava-me diante da composição entre semelhanças e diferenças, versos e prosas, singularidade e comunidade. Na unidade de Saúde, o cotidiano foi ganhando sentidos que eu sabia que existiam, mas até então, não conseguia identificar e expressar.

 Em um belo conto, Eduardo Galeano ( Livro dos Abraços) conta sobre um pai que leva o filho para conhecer o mar. E “foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: – Pai, me ensina a olhar!”  Olhos de pai e filho – olhares que ali se afetam.

A rede ensina a olhar. E os olhares sobre o cotidiano do SUS produzem os olhares da rede. Às vezes, as vistas ficam embaçadas para as preciosidades das coisas miúdas; outras, não conseguem alcançar a amplidão dos horizontes.

Seja diante das coisas miúdas nas quais tropeçamos sem enxergar, ou das grandezas que nos espantam, precisamos do outro para aprender a olhar.

Agora, revisitando cantinhos escondidos, vejo-me vestida na camiseta  do movimento HumanizaSUS no aeroporto de São Paulo, ansiosa por ser logo identificada pela pequena equipe de editores que me ajudaria “a olhar a rede.”

Hoje, meu olhar sobre a rede carrega afetos, histórias, lembranças de preciosas miudezas, descobertas, afetos, amizades e contos. Contos de amor ao SUS e de amor pela vida.

As fronteiras entre os percursos no cotidiano do trabalho e a vida na RHS se diluem de tal modo que,  em muitos momentos, vem a lembrança: “podia contar isso na RHS”. É assim sempre que escuto o senhor idoso, acamado, durante a visita domiciliar, depois dos cuidados com suas lesões, dizer: “que os anjos lhe levem e lhe tragam de volta”. Quando arrumo sobre a mesa da Tenda do Conto a boneca de pano confeccionada por Dona Amanda, relíquia por ela doada antes de partir. Quando gravo no celular  os batimentos do coração do bebê que vai chegar para enviar para o pai que não conseguiu faltar ao trabalho naquele dia. Quando falo sobre os cinco minutos pelo SUS na sala de espera, quando conto aos alunos da UFRN por que a Unidade de Saúde do Panatis hoje se chama Unidade de Saúde Justiniano Siqueira e sempre que nos juntamos em roda para conversarmos sobre acolhimento, vínculo e humanização.

Sinto que, por mais que tentemos, dificilmente conseguiremos medir em números ou expressar em palavras a importância da rede para trabalhadores, gestores e usuários do SUS. Sobre o que pode a RHS, para os que já a conhecem, ainda há muito a se revelar. Sobre o que ela esconde, para os que a acessam agora (assim como para quem se afasta e a ela retorna), muito a ser desvelado.

Hoje, passeando por cantinhos escondidos, reencontrei a alegria contagiante da grande amiga Cláudia Peju, o grito do “Homem Elefante” no primeiro post da RHS, os versos cortantes de João Cabral de Melo Neto no “Poema (s) da cabra”, o conto chinês “a Janela”, e, por fim, o encanto de “Luanda”…

Girando no carrossel que compus, repito: “Quando te vi, amei-te já muito antes…”