O RECORRENTE BATE CABEÇAS NAS UNIDADES DE PRONTO ATENDIMENTO.

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Após algumas versões da Portaria Ministerial que criou as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), em 2011, conforme dispõe a Portaria nº 104, de 15 de Janeiro de 2014, foram redefinidas as diretrizes para implantação e funcionamento dessas unidades, inclusive, do conjunto de serviços de urgência 24 horas não hospitalares da Rede de Atenção às Urgências e Emergências (RUE), em conformidade com a Política Nacional de Atenção às Urgências, determinando responsabilidades dos entes federados no que tange ao incentivo financeiro de custeio mensal. Mantiveram-se, contudo, parâmetros claros de competências financeiras para que os municípios, estados e a federação, se encarregassem de alocar recursos suficientes ao funcionamento dessas unidades, de modo a que não houvesse falha na operacionalização do sistema. Determinações logo desrespeitadas e descumpridas sob pretexto da crise financeira instalada no país, a partir de 2015. A partir de então, como efeito dominó, as UPAs foram sendo desmanteladas, descaracterizadas, fechadas, e a população desassistida nas situações que envolvem a necessidade de atendimento de urgência e emergência em saúde.

São inadmissíveis os absurdos experimentados por algumas pessoas que precisam de atendimento nas diversas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), embora continuem nos indignando devido as precárias condições de funcionamento da sua grande maioria, ao redor do nosso país. Diversas ocorrências têm sido relatadas pelas famílias vitimadas e divulgadas através de imagens categóricas compartilhadas nas redes sociais, segundo as quais não se pode negar veracidade pela evidente riqueza de detalhes visuais e sonoros que ilustram tamanho descaso para com as necessidades de acolhida digna, quando as pessoas precisam de atendimentos de saúde em caráter emergencial. Particularmente, as mais crentes, porque é notório que quem tem condições de arcar com altas despesas dos planos de saúde, raramente se expõe aos riscos de agravos nelas predominantes. Maioria já selou as portas, por absoluta incompetência administrativa dos seus gestores municipais, outras sequer funcionam em período ininterrupto de 24 horas, ou resistem oferecendo serviços de péssima qualidade, devido à escassez de materiais, equipamentos e insumos básicos ao satisfatório funcionamento. Funcionam em ambientes insalubres, mobiliário depredado, desgastado pelo intenso fluxo de usuários. O fato de não estar funcionando 24 horas ininterruptas é suficiente para descaracterizar suas diretrizes fundamentais, pois foram criadas para atender a população nas situações que envolvem riscos à integridade física, mental e emocional, sobretudo, ameaça à vida das pessoas. Quando não se tem como imaginar o deixar de ser atendido, acolhido, examinado, diagnosticado e encaminhado para serviço especializado em unidade hospitalar ou equivalente.

Seu funcionamento em condições precárias denuncia que algo não está sendo executado como deveria no âmbito da gestão pública municipal onde a unidade foi implantada, que uma auditoria técnica e administrativa é sempre bem-vinda e ajudaria a melhorar a qualidade dos serviços prestados à sociedade. Dinâmica precária de funcionamento que não se justifica, nada obstante a crise de financiamento público que tanto tira o sono dos gestores públicos, as estruturas de governo organizadas sempre podem se servir do disposto na Portaria nª 104/2014, desde que apresentem regularidade na comprovação de indicadores de produção compatíveis com a solicitação de respectivos repasses de custeio. A falta de transparência nos processos de compras de materiais e equipamentos, bem como dos termos contratuais com empresas para terceirização de pessoal e serviços, não se sustenta no ponto de vista ético e a sociedade exige que o erário seja preservado da intervenção corruptiva, utilizado de forma clara e transparente. Administrações públicas transparentes, competentes e responsáveis geram economia suficiente para garantir o suprimento de materiais, medicamentos, equipamentos e serviços essenciais ao bom desempenho das unidades disponíveis ao atendimento da população, basta que sob comando de servidores comprometidos com o bem servir à sociedade.

Na UPA, por exemplo, as pessoas devem permanecer em observação, por até 24 horas, para elucidação diagnóstica ou estabilização clínica, e encaminhados aqueles que não tiveram suas queixas resolvidas com garantia da continuidade do cuidado para internação em serviços hospitalares de retaguarda, por meio da regulação do acesso assistencial. O que não se verifica na prática, devido à diversos fatores, como falhas de comunicação, dificuldades operacionais na central de regulação, desorganização estrutural do sistema, e leniência das equipes que nelas atuam, por mero descrédito na conjuntura política instituída. O gargalo começa ante a pequena disponibilidade de leitos hospitalares de retaguarda, inviabilizando agilização nas transferências dos clientes, fazendo com que permaneçam na UPA por longos dias, muitas vezes, culminando na constatação de óbitos decorrentes de cuidados e assistência inadequados. A permanência dos clientes em período superior a 24 numa UPA sempre se incorre em riscos de complicações, pois essas unidades não dispõem de estrutura hospitalar de hotelaria, laboratórios de análise clínica, recursos complementares de exames e diagnóstico, ou ambientes seguros e equipados para intervenções de alta complexidade. Enquanto não houver garantias de retaguarda para encaminhamento de clientes de alta complexidade para leitos hospitalares, melhor que as pessoas recorram diretamente aos serviços de pronto socorro ou urgências dos hospitais da região em que residem, visando eliminar riscos de permanecer numa UPA e de lá ser transferido para capela mortuária.

A sociedade não aguenta mais conviver com denúncias de maus-tratos, como de recente mãe desesperada pela situação caótica vivenciada com filho, em UPA da região Centro Sul Fluminense. Jovem de 18 anos, com histórico de paralisia cerebral, deficiência psicossocial e usuário dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), deitado em aparente abandono no leito, sem roupa de cama, contenções improvisadas em membros superiores e inferiores, desidratado, vestindo roupa que chegou, todo urinado e em estado de extremo desconforto porque o aparelho de ar condicionado estava quebrado, em pleno verão de temperaturas ao redor dos 40ºC. O histórico de paralisia cerebral já indica que deveria estar vinculado à Rede de Cuidados da Pessoa com Deficiência, por óbvias razões de responsabilidades das equipes de reabilitação física, assistido no criterioso programa de cuidados de longo prazo domiciliar e/ou comunitário, ao menos é o que determina a Portaria nº 793/2013, do Ministério da Saúde. Ainda que desassistido pela Rede de Cuidados da Pessoa com Deficiência, uma vez usuário do CAPS, dispõe de prontuário que deveria ser acessado e consultado pela Central de Regulação, com imediato contato de encaminhamento para o serviço de retaguarda correspondente. Sem opção de atendimento digno para o filho, essa mãe o levou para casa. O desenho não funciona por absoluto amadorismo administrativo na gestão pública municipal, onde os servidores não se comunicam, batem cabeça, falta de tudo, inclusive respeito para com a população.

Wiliam Machado