Sobre a cobrança por fora aprovada no STF

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Olá,
Estou curioso para saber os desdobramentos da tal sentença. Os médicos, representados pelo CREMERS, venceram na ação com origem em uma pequena cidade aqui do RS. Porém existem ações semelhantes para muitas outras cidades, inclusive capitais. Com a prática de se estabelecer jurisprudência no supremo para sentenças de primeiro grau esta "merda" só pode ser alvo de recurso no próprio STF. Que até onde eu sei é uma instância superior ao STJ. É a última instância do judiciário no país.

Ou seja, a coisa é grave. De alguma forma a constituição foi violada pelo sentença com base nos autos do referido processo. Que argumentos levaram a turma do STF a dar provimento aos demandantes – CREMERS – ainda não sabemos. O caso é que se a sentença não for reformada levamos uma bola nas costas muito mais significativa do que a lei do ato médico. E que acima de tudo privatiza a saúde pública de forma muito mais rentável para os magnatas da saúde. Uma sentença judicial que mantém a responsabilidade dos gastos com a atenção na mão do Estado e passa a oferecer como mercado de conveniência e conforto todos os 200 milhões de brasileiros é certamente de interesse dos grandes investidores privados da saúde.

A imprensa, fartamente financiada com recursos dos planos de saúde privados, chamou a decisão do STF de ampliação do SUS para oferecer mais conforto e poder de escolha ao usuário. Pagando por fora, o cidadão poderia ter o médico que desejasse diariamente aos pés de seu leito. Num sistema em que os médicos mais conceituados, correm de um hospital para outro, deles para os postos de saúde e a noite ainda dão aulas na universidade é óbvio que o custo de seu tempo com o paciente está inflacionado.

Eu tenho acumulado uma série de artigos em que alerto pra a ampliação da arena de lutas. Eu sei que parece que estou complicando para além da capacidade cognitiva dos coletivos defensores do SUS de acolher as várias frentes de luta em aberto. Mas na verdade não é complicado. É complexo como diria o mestre Morim. Apenas o paradigma que deve orientar o olhar é outro.

Vejamos o caso do CREMERS: Eles participaram conosco de um ato em defesa do SUS em 2008: "Mais saúde para o SUS". Investiram uma soma considerável de recursos e tivemos cerca de 15 mil pessoas na rua defendendo o SUS. O presidente do CREMERS (que foi assassinado em 04 de Dezembro de 2008 em um provável acerto de contas pela cassação de um colega médico) defendeu publicamente que o SUS permanecesse universal sem o escalonamento de sub-classes de atendimento.

Está claro que as lideranças médicas fazem parte do topo da pirâmide de uma categoria que vem se proletarizando a cada década. Sabem bem eles que seu padrão de renda coletivo vem caindo e não será garantido por um sistema de saúde privado. Então, eles disputam internamente em suas entidades padrões de financiamento mais ou menos ancorados na fonte de recursos do tesouro nacional.

Ou seja, hoje a hegemonia é por um sistema misto que lhes garanta diferenciação e reserva de mercado na carreira da saúde. Eles usam o duplo, ou triplo vínculo, mas lutam contra uma tendência de perda da centralidade no setor da saúde que é irreversível.

Daí a sanha em garantir reserva de mercado. Isso antes que jovens lideranças médicas lhes tomem o comando das entidades que controlam. Imagino que a agenda política de uma parte significativa dos médicos formados na última década (pelo pró uni, por exemplo) seja bem diferente da atual agenda.

Pronto. Vemos no exemplo de um único ator social a complexidade em ação. Entendemos como as lideranças de uma categoria podem atacar o SUS em várias frentes, ao passo em que o defendem em outras. Tudo de acordo com um planejamento estratégico construído na disputa por hegemonia interna. Minha provocação é no sentido de lembrar que mal usamos os dispositivos constitucionais de defesa do SUS como os Conselhos Gestores e Conselhos de Saúde.

Por outro lado, defendo que os dispositivos da PNH, também devem ser posicionados na arena de luta com esta visão ampliada das questões da gestão da atenção indissociadas entre si, de um lado. E de outro lado, também indissociadas dos demais fatores, como corporativismo de classe, associado aos diversos tipos de "lobby" pela privatização da saúde que operam em nossos poderes legislativos, executivos e pelo visto, no judiciário também.

Enfim, não gostei da baixa repercussão de meus dois posts anteriores. Concordo com a celebração do avanço da PNH pelos Brasil afora. Mas o salto alto nos tirou a copa na decisão de 1950. Ignorar o golpe que recebemos na semana passada é apostar muito com risco alto.

Um abraço, e algo mais, pelo menos 5 vezes por semana, a todos.