Prometheus: O mistério da vida ou da humanidade?

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Recomendo aos leitores que assistam ao filme. Embora os poucos spoilers não representem mais que a minha interpretação de Prometheus, acredito que ter a experiência cinematográfica antes de ler esta resenha interpretativa seja mais prazeroso.

O novo filme de Ridley Scott é uma ficção científica épica. Trata dos profundos mistérios humanos. O mais interessante não são as respostas, como é comum. As perguntas sobre os mistérios que atormentam as consciências humanas, mas não todas, dizem mais respeito ao contexto histórico em que são formuladas do que ao que possa ser considerado uma resposta.

O primeiro filme, de 1979, tinha uma peculiar marca niilista e misturava aventura espacial e terror. Os humanos, basicamente operários trabalhando em uma nave, como os operadores das caldeiras do Titanic, singram o espaço interestelar como fizemos nos oceanos ao longo da história humana. Nessa odisseia futurista encontram novas formas de vida, o Space Jockey, e o monstro alienígena de duas bocas e sangue ácido.  O Alien é um ser de outro mundo que só pode renascer de dentro, literalmente, de quem o encontra.

No final dos anos 70 a guerra fria dava o tom em um mundo que parira do ventre da razão a possibilidade de sua própria extinção. Pouco importava naquela época confirmar ou negar os mitos humanos da criação. Identificar o monstro e escapar já nos bastava. Em 2012, presenciamos a volta da sensação da eminência catastrófica capaz de dar um fim à raça humana. No entanto, une-se ao épico de salvar a humanidade de um mal incomensurável, a busca por determinadas respostas.

Chamou-me profundamente atenção a forma em que a pergunta sobre nossas origens é apresentada. Dá-se por descontado que a vida fervilha pela galáxia. E os dois cientistas, muito caricatos, estão se consumindo por uma resposta sobre nossas origens bem mundanas e pagãs. Carregam uma espécie de fé atávica. Mas, bem ao estilo de nossos dias, transferem a questão da existência humana para o lugar antes ocupado pela vida como um todo.

O fato de que se mantenham iluministas e pessoas de fé simultaneamente, que sejam darwinistas e criacionistas, apenas confirma uma assertiva de John Gray e outros críticos do iluminismo. Ou seja, podem acreditar que a vida é um dos muitos fenômenos emergentes na longa história das galáxias e seus incontáveis mistérios, sem abrir mão de uma busca de sentido único e extraordinário para a existência humana.

E aqui é que está a grande novidade, coisa que para mim separa radicalmente a cultura ocidental das demais: Os cientistas querem saber por que a humanidade foi criada. Não tem inquietações sobre a origem da vida. O pai da humanidade que buscam não é o criador do universo. Eles estão numa jornada muito mais individualista. Menos contemplativa para com o resto da existência.

Ao mesmo tempo precipitados e arrogantes, perdem o foco e a objetividade que caracterizam o método científico. Querem ouvir a espécie mais antiga, querem falar com nossos pais o mais rápido possível. Querem que ele se explique. Porque nos criaram? Porque nos abandonaram?

O capitão da nave mantém em mente suas reponsabilidades. Afastar o perigo de si, em segundo lugar, e evitar que ele chegue a nossa terra, nosso lar, em primeiro lugar. O androide, que é uma espécie de alter ego do diretor e que representa, quem sabe, o ponto de vista do cinéfilo, responde as perguntas formuladas pelos cientistas, ainda antes de ocorrer o primeiro contato com os ETs.

Ao modo socrático, ele responde perguntando: – Por que os humanos criaram os androides? O cientista responde: – Porque tínhamos este poder. Então, o androide toma de novo a palavra para perguntar: E se seus deuses tiverem essa única explicação também?

Bingo. Não há nada depois do mistério, a não ser nosso retorno. Nietzsche já nos advertiu, do fundo do abismo é o nosso olhar que retorna, pois talvez sejamos o abismo que se pergunta. Mas a cultura ocidental e seus cineastas capitularam diante da resposta óbvia ao mistério.

Se de um lado retornamos a Pocahontas, (dirigido por Mike Gabriel e Eric Goldberg em 1995), com Avatar (de James Cameron), por outro lado retornamos, com Prometheus,  à história clássica e ao caos da conhecida guerra mundana. Um experimento com armas de destruição em massa ao nível do DNA é a causa da gestação de nossa espécie. As demais questões são profundas demais para o superficialismo liberal e a pressa do desenvolvimento econômico e consumismo predatório.

Um modo mais sútil, comedido e profundo está além de nosso desencanto apaixonado e de nossa fé militante na busca de sentido humano para um mundo que se revela cada vez menos humano e mais plural.

Mesmo as culturas humanas, a despeito da globalização econômica e da difusão do advento tecnológico, seguem sendo plurais e múltiplas. Cada país vive em seu modelo próprio de capitalismo, autóctone, como afirmam Alain Touraine e John Gray  em seus escritos. Ao compreendermos que somos parciais podemos apenas promover a tolerância e aceitar a diversidade de modos de atribuir sentido ao mundo.

Prometheus é um filme de seu tempo e desvela o jeito ocidental de lidar com um mundo que já é pós-iluminista e multifacetado. Um mundo em que a conexão global acentua as características de cada cultura humana, ao invés de fundi-las todas em um único modelo.