Casa do Parto de Sapopemba (SP) amordaçada

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Tomamos conhecimento dessa notícia graças aos companheiros da Associação Brasileira de Obstetrizes e Enfermeiros Obstetras.

Mais uma triste constatação do "déficit de democracia" que assola a cidade de São Paulo e de como temos sido levados, os paulistanos, cotidianamente, a nos deparar com práticas que lembram a ditadura militar, conforme observamos em outro post (A criminalização do SUS – Prefeitura de São Paulo move ação judicial contra o Conselho Municipal de Saúde).

 

Casa do Parto de Sapopemba (SP) amordaçada

Por Adriana Tanese Nogueira
22 de Junho de 2009
Numa sexta-feira do mês de fevereiro deste ano, uma ordem verbal da Supervisão Técnica da Prefeitura de São Paulo anunciou o fechamento da Casa de Parto. A equipe de enfermeiras obstétricas consultou o COREN que as orientou para manter a rotina de atendimento, visto tratar-se de uma ordem verbal. A mesma foi suspensa após o fim de semana. Como se poderia fechar um serviço público disponível há 10 anos, do dia para a noite?
Desde então, a Supervisão Técnica de Saúde da Vila Prudente e de Sapopemba, à qual a Casa de Parto faz referência imediata, tem proibido a realização de qualquer tipo de divulgação da Casa e do trabalho nela desenvolvido. A equipe não pode dar entrevistas nem receber nenhum membro da imprensa. Também não pode fazer sites ou folders. Está proibida de divulgar seu trabalho em eventos científicos (congressos, seminários, etc.); e não pode receber visitas técnicas de escolas. Entrevistas para trabalhos de monografia ou demais pequisas de caráter acadêmico também estão vetadas.
Prova do barramento à Casa de Parto de Sapopemba é que no ano passado, nossa representante em São Paulo, a Dra. Profa. Roselane Gonçalves (USPLeste), pediu autorização para a realização de uma pesquisa que envolvia as Casas de Parto da Zona Leste e Sudeste do município. Ela não conseguiu nem mesmo que a síntese do projeto fosse apreciada. A STS Sudeste não a deixou prosseguir. A pesquisa incluiu apenas a Casa de Parto do Itaim, pois a CRSL (Coordenadoria Regional de Saúde Leste), a STS do Itaim e a Diretoria da OSS Santa Marcelina autorizaram a pesquisa. A informação que lhe foi dada era de que a Casa estava passando por um processo de regularização. Isto há mais de um ano.
Sequer os grupos de gestantes em unidades básicas de saúde, costumeiramente realizados pela equipe, são atualmente permitidos. Seriam, conforme disse recentemente a Coordenadora da Região Sudeste da SPDM (parceira da Prefeitura na administração das unidades do Programa de Saúde da Família, o que inclui a Casa do Parto) que visitou a Casa, uma forma de divulgação da Casa de Parto, o que está proibido. A população, carente de atendimento de qualidade e de informações qualificadas sobre gestação e parto, mal sabe da existência da Casa de Parto. Os recursos e conhecimentos da equipe da Casa de Parto permanecem ociosos.
A Dra. Selma Buff, atual Supervisora de Saúde da Prefeitura da Região de Vila Prudente e Sapopemba, parece ser a responsável pela ordem verbal de fechamento da Casa. O argumento é de que estamos em um "momento delicado", que a Casa tem "irregularidades" , com "resolução em andamento". Entretanto, pela ausência de uma tomada de posição concreta, presume-se que não há fundamentos objetivos para tal decisão, caso contrário acreditamos que já teriam sido tomadas as iniciativas ventiladas. Parece que a estratégia da Prefeitura é sorrateira e visa esvaziar a Casa de Parto para que, uma vez sem movimento, tenha-se um fundamento "objetivo" para justificar seu fechamento.
A tática do amordaçamento do suposto "réu" tem duas referências famosas: a política da Igreja Católica e a recente ditadura militar, cujos rastros maléficos estão ainda claramente presentes em nossa cultura. A primeira impõe o silêncio a todo aquele que expressa publicamente idéias contrárias aos dogmas e/ou à tendência do momento da hierarquia eclesiástica. A pessoa é condenada a não poder escrever, falar em público e lecionar, pena de excomunhão e o afastamento definitivo da comunidade católica. Ou seja, o indivíduo é de-cerebralizado e isolado do mundo. Proibido pensar.
A segunda, simplesmente eliminava o sujeito que manifestava posições contrárias àqueles que detinham o poder das armas. Em nome de uma suposta "ordem", inúmeras vidas e cabeças foram destruídas. Proibido ser.
Em ambos os casos, se trata da lógica obtusa do domínio de um sobre o outro. Não há argumentos nem debate de idéias. Não há opções e sim um caminho único. É contra isso que é preciso lutar: contra o monopolío do poder, das idéias, das decisões, das opções. Esta tendência que infelizmente impregnou a cultura brasileira em todos os setores está explícita na abordagem da Prefeirtura à Casa de Parto. Induz medo e submissão. Desempodera o diferente. Desempodera os cidadãos.
Exerça sua cidadania protestando junto à Ouvidoria de Saúde da Prefeitura: [email protected]
 

Veja também a mensagem da Profª Ruth Osava em solidariedade às colegas trabalhadoras da Casa de Parto:

Caras colegas da Casa de Parto de Sapopemba,
Proibir um orgão prestador de serviços publicos de divulgar seus indicadores soa estranho. A Secretaria de Saude do municipio adota uma conduta obscurantista inspirada nos piores momentos da ditadura militar. A proibição da produção e divulgação cientifica é um escandalo, só superado por outro escandalo ainda maior, o da justificativa da proibição, "o medo de aumentar a demanda de mulheres por estes serviços"
A marca das casas de parto é exatamente a transparência e o respeito ao cidadão usuário do SUS. Por que a prefeitura não gosta disto?
Abs e toda a minha solidariedade.
Ruth H. Osava
EACH-USP e Amparo Maternal
Fundadora e ex-diretora da Casa de Parto de Sapopemba

Como se pode ver, os ataques à democracia e ao SUS na cidade de São Paulo se fazem em todos os níveis, macro e micropolíticos…

Chamo a atenção, especialmente, para o pedaço do texto acima que destaquei em negrito, não apenas pelo extremo grotesco a que chega a proibição (não podendo ser divulgada a existência da Casa de Parto nem mesmo às gestantes que fazem pré-natal nas USF da região), mas pelo fato dela ter sido comunicada pela Coordenadora da Organização Social parceira da Prefeitura.

Esse fato é adicionalmente preocupante e vem de encontro a outras notícias que tive nas últimas semanas sobre a forma como outras OS, em outras regiões da cidade, vêm assumindo autocraticamente a tomada de decisões muito graves para os rumos da saúde no nosso município. Todo o tema das OS é extremamente complexo e não sou tendente a tomadas de posição simplistas ou generalizadoras neste terreno, mas essas notícias vêm vinculando, bem objetivamente, o avanço dessa modalidade de "terceirização" da gestão pública ao solapamento das práticas democráticas, sem as quais não há SUS que dê certo!