Gripe suína: “viver e pensar como porcos”

20 votos

 

Finalmente…

…o ministro "Temporão minimiza gripe suína e diz que gripe comum é problema mais sério" (acabo de ver essa notícia na internet, mas como o site é para assinantes, anexei a matéria a este post).

Palavras do ministro: "Tem muita gente que pensa ‘é uma doença com nome diferente’ e então pensa que é diferente. Ela tem um nome diferente porque é um novo vírus, mas o comportamento dessa doença, na vida real, nos mostra que agora é muito parecida com a gripe comum."

Até ontem, havia no país 885 casos da doença, com uma morte registrada.

Continua o ministro: "Em 2006 morreram no Brasil, de complicações causadas pela gripe comum, 70 mil pessoas. A gripe comum é um problema muito mais sério de saúde pública do ponto de vista de mortes do que essa nova gripe que começou agora. Mas, como é uma doença nova, tudo pode acontecer, nós estamos trabalhando com todos os cenários possíveis, mas a situação é de tranquilidade."

O que pode acontecer nessa gripe que não poderia acontecer em todas as epidemias de gripe que a antecederam?

Do que li na mídia: trata-se do Influenza A (h1n1), da mesma família que causou a gripe espanhola no início do século passado, podendo sofrer uma mutação a qualquer momento e se tornar terrivelmente letal. Logo em seguida, a mídia divulga (com menos alarde) que este vírus, entretanto, não possui o peptídeo ?? (não guardei sua identificação alfanumérica, sorry) que estava presente no vírus da gripe espanhola e cuja presença é decisiva para que ocorra a temida mutação.

Quando se trata da "epidemia de informação", sem dúvida, as informações negativas são bem mais "virulentas" que as positivas, já sabemos disso. A notícia de que as chance de uma nova gripe espanhola são remotas mal circulou. A "epidemia de medo" turbinada pela mídia não arrefeceu.

Outras coisas que me chamaram a atenção (só lendo as manchetes): num dia, a OMS declarava estado de pandemia; no outro, a Novartis dizia já dominar a produção da vacina para esta nova gripe.

Do novo medicamento-pop Tamiflu, nem vou falar!

Na matéria em anexo, o ministro nos "tranqüiliza" dizendo "que o ministério tem 10 mil medicamentos prontos para os casos da doença e começará a transformar a matéria-prima em mais medicamentos. O país tem estocadas matéria-prima para produzir 9 milhões de medicamentos." (Tudo comprado com din-din do SUS, é claro!)

Não vou continuar, gente…

Tudo isso me acomete de um estranho cansaço…

Será a gripe chegando? Ou será o "tédio" do "homem-médio" das "democracias-mercado" que me acometeu primeiro?

Gripe suína ou "vida de porcos"?

O apelido da gripe é mesmo muito sugestivo. Refletindo sobre os significados biopolíticos desse processo em curso, que vivenciamos com uma incrível vulnerabilidade do espírito crítico em escala global (é impressionante como o medo, realmente, aniquila nossa potência de pensar! De novo, Spinoza…), me vem à mente a contundente obra do filósofo Gilles Châtelet, Viver e pensar como porcos.

Não sei se está traduzida (conheço a edição francesa: Vivre et penser comme des porcs. De l’incitation à l’envie et à l’ennui dans les démocraties-marchés, Exils, 1998), por isso, indico um texto do Peter Pál Pelbart publicado pela revista on line Trópico, que diz tudo o que eu gostaria de dizer agora e não tenho forças: Vida nua, vida besta, uma vida

Para aqueles que, por excesso de trabalho, não tiverem tempo de ler, só posso desejar que peguem uma bela gripe e desfrutem da leitura (com meditações febris), embaixo de um cobertor, tomando chá de gengibre…

Pra encerrar em mais alto astral, vou dar uma de Erasmo e colocar uma bela imagem (Um onibus durante uma epidemia de gripe – Honoré Daumier, 1858) e tentar ser tão poético quanto a Jacqueline, citando um breve texto da Clarice Lispector…

 

A posteridade nos julgará

Clarice Lispector

“Quando for descoberto o remédio preventivo contra gripe, as gerações futuras nunca mais poderão nos entender. Gripe é uma das tristezas orgânicas mais irrecuperáveis, enquanto dura. Ter gripe é ficar sabendo de muitas coisas que, se não fossem sabidas, nunca precisariam ter sido sabidas. É a experiência da catástrofe inútil, de uma catástrofe sem tragédia. É um lamento covarde que só outro gripado compreende. Como poderão os futuros homens entender que ter gripe nos era uma condição humana? Somos seres gripados futuramente sujeitos a um julgamento severo ou irônico."