Lembranças de Natal e Ano Novo: Quando tudo é novo, de novo…

13 votos

 

img_1923_2_0.jpg

Um sonho antigo ficou na minha memória. Eu, certamente tinha menos de 5 anos. Lembro de adultos (feitos de erva-mate) tomando chimarrão e conversando. Eram meus pais e meus avós juntos em volta de um fogão a lenha. Uma das primeiras memórias.

Um tempo depois, um ou dois anos, talvez meses apenas, estou com meu avô materno, Venâncio, na casa de madeira. É perto dos trilhos, na Vila Rocha em Cruz Alta. O fragmento de lembrança vivo e em cores é do vô começando a acender o fogo no fogão a lenha. A chama no interior do fogão. O graveto na mão dele sendo colocado no fogo que se inicia, enquanto ele me ensina…

É uma memória de pelo menos 38 anos atrás, algo entre 1973 e 1975. Eu mal andava.

O que é uma memória desse tipo? Como ela pode ser evocada em uma forma de lembrança e instituir uma vivência atual:  O ato de lembrar e o sentimento da saudade? Lembro de estar começando a escrever estas palavras como lembro destes eventos. Eles são partes distintas e fundamentais de mim.

Lidamos com a preservação da memória em suportes extra corporais há dezenas de milhares de anos. Imprimimos em paredes de cavernas, em arranjos com rocha, dispostas de formas circulares para preservar a mensagem: – Estive aqui! Vivi e quero ser lembrado.

Da mesma forma como o computador arranja sinais elétricos de zeros e uns em combinações infinitas para reproduzir a impressão de um salto na piscina em um domingo de sol ou este texto que você está lendo. Toda memória é uma resistência.

Mas esta lembrança de meu avô me intriga. Ela parece prescindir de uma impressão. Não há uma plataforma física, um banco de dados permanente onde ela esteja impressa. Como a mente, ou o cérebro, mas não exatamente a consciência, são capazes de preservar uma imagem? Como elas geram uma lembrança?

Uma música de Vicente Celestino chega até meus ouvidos por que os sons foram convertidos para uma sequência se sulcos analógicos em um disco de vinil. De certa forma é semelhante ao que nossa visão pode fazer ao refletir uma imagem, impressa na parede de uma caverna no fundo de nosso olho.

Poucas das centenas de trilhões de células, incluindo os parasitas, que existem em meu organismo estavam comigo quando nasci. Como as memórias relacionadas a experiências vivenciadas, num dado tempo e local, podem ser impressas de uma célula para outra?

Um padrão de sinapses, da troca de sinais elétricos entre neurônios, reteria as experiências na forma de memórias de longa duração: – um arranjo de luz no interior dos átomos que compõe a troca de sinais elétricos entre neurônios.

Sabe-se muito sobre a memória. As várias formas e características de processamento de informação necessários para manter um ser vivo, são conhecidas. Mas não sabemos como memória de curto prazo; memória operacional; memoria de longo prazo, explícita e implícita, se cristalizam e podem ser recuperadas para podermos realizar a potência implicada em estar vivo. Tudo o que pesquisamos ajuda a entender a especificidade das memórias que citei no início do texto. Mas não sabemos como elas são impressas.  Não são locais, certamente.

Não podemos retirar um chip do cérebro e zerar nossa memória. Mas a experiência nos fez aprender com pessoas que perderam vários dos tipos de memória. Por isso, sabemos que sermos nós mesmos é como termos consciência de um processo em andamento.

Ao perdermos a memória, nossos semelhantes não conseguem mais recuperar a noção de quem somos. As vezes nossa presença vai se esvaindo, vai se dissolvendo no transcorrer do tempo. De qualquer modo, mesmo nossos animais de estimação, só são reconhecíveis pelo brilho no olhar que se atualiza quando estamos com eles.

Mas este algo que nos define, esta potência que nos constitui é um padrão de luz, de pulsos elétricos que está armazenada em um arranjo molecular e atômico de processos. Está onde tempo e espaço são uma trama única.

Emergi neste mundo como uma consciência multiplamente enfeixada e unida no tempo que convencionamos chamar de início dos anos 70. Trago a memória antiga das células que se uniram para me dar passagem.

Mas tudo isso começou antes, prossegue em mim e seguirá sem minha presença. Mas estar presente parece não ser o único signo ou contexto da existência. Eu existia-existo-existirei.

Feliz Natal aos que chegaram comigo até aqui. Um ano novo é a experiência que retorna sobre si mesma… Que 2014 recaia sobre 2013! Que passe a fazer parte do presente, sendo um "presente natalino" a cada um desta rede…