As Mortes

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As mortes de que fala a personagem grevista de Saramago, são de várias características. A morte que fica intermitente no livro de Saramago é essa mesma que o Erasmo refere em seus textos.

Ela é uma condição de permanência e ciclos que são retomados. Ela tem um sentido nas teias de afetos que ligam quem morre e quem nasce. A morte ceifa o que será o ceio de onde a vida ressurge. Com a morte temos uma narrativa de entes coletivos que permanecem na descontinuidade de suas vidas singulares.

Vou deixando minha vida naquilo que toma minha dedicação, minhas horas escoam nisso, como a escrita destas linhas, em que ficam meu afeto, minhas paixões e meus sonhos.

Por outro lado, meu alerta é sobre uma facinação recente, por um outro tipo de morte: A morte cósmica, segundo Saramago. Cartografando e tecendo o complexo inter-textual, a meta linguagem e a polifonia do absurdo que nos chega pela hiper-rede da informação, encontro um ponto de interconexão que se torna um quase objeto, como nos apresenta Bruno Latour, um quase sujeito que não é humano mas vive e se alimenta da carne e subjetividade humana. Este quase sujeito, quase objeto é uma força entrópica que vaticina que tudo é insignificande e que o valor está em abreviar, render-se ao caos e em silêncio renegar a humanidade, aceitar um fim pretensamente inevitável.

Estamos (sociedade) encantados com o canto da morte cósmica. Assustados em não darmos conta do sentido da morte pessoal, levados a negá-la perpetuamente, temos legado às crianças a dura tarefa de salvar o planeta.

Se não podemos aceitar nossa morte como mais do que uma derrota, deliramos com outra morte que não poderíamos desafiar, e portanto nos absolve. Vejo meninos que ainda não sabem ler falando: "Papai não faça isso se não o planeta vai morrer ".

Ora, pode ser um reflexo da negação a própria fascinação pela morte.

Pelo menos desde a última década do século passado, encontrei referências a esta forma de morte no trabalho do saudoso Carl Sagan, atualmente, nos livros mal-ditos de John Gray, no silêncio abissal das massas em Jean Baudrillard.

Todas as peças estão postas. Basta expandir o plano da leitura em mais dimensões e veremos como o ataque ao SUS, a violência urbana, as mortes/suicídio/homicídios no trânsito, a sede por celebridade inutil, as emissões de carbono e o efeito estufa estão intimamente relacionadas.

Sentir-se ou não ameaçado pelo reflexo no espelho não é relevante. Algo nos assombra e precisa encontrar expressão. Todo o otimismo é necessário e o medo não é de todo inadequado. Principalmente se ele orientar, em parte, nossa busca por mundos possíveis em que possamos ser lembrados.