Escolhas

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Quando decidimos temos a impressão de estar prevendo, através da habitual percepção do que já se passou, um curso de ação orientado para desencadear as consequências que desejamos. Se as vezes, tomamos decisões que nos prejudicam, tentamos explicar racionalizando motivações inconscientes. Desejos de justiça em que sentenças ocultas se manifestam como autopunição são a melhor justificativa para os efeitos não desejados das ações. Outra justificativa comum é que as escolhas não são bem informadas. É verdade. No entanto, ninguém duvida de que nas condições adequadas, pode-se tomar decisões com um conjunto ótimo de informações.

É certo que muito do que fazemos não é examinado pela consciência desperta. Isso mantém nosso corpo funcionando e protege nossa percepção de fatos desagradáveis. Nossa projeção do habitualmente observado em termos de meio para determinar um futuro desejado é uma miragem. Nossos desejos são emoções reais e estamos fadados a buscar sua realização. Ainda assim, o que acontece não pode ser o efeito soberano de nossas escolhas.

Maquiavel percebeu que a virtude não pode impor-se sobre a fortuna (sorte). Podemos imaginar como desejamos que o mundo seja. Isso não torna o imaginado mais real ou mais próximo. O que Maquiavel conseguiu foi tornar seu nome amaldiçoado e sua menção um insulto. Ou seja, um outro indício de que sua percepção estava de acordo com a realidade.

O mundo sempre irá mudar. Não é necessário que a humanidade mude uma palha no planeta. Ainda assim, ele não será igual ao que já foi. Ciclos geológicos, climáticos e de biodiversidade vão e retornam interminavelmente.

A virtude deve bastar-se a si mesma. Nossa eficiência é uma disciplina de práticas para buscar a excelência em um mundo que nunca será o mesmo. É muito provável que a versão atual do que chamamos humanidade tenha seu tempo contado na terra. Não devemos aspirar uma continuidade conservadora. A marca permanente dos eventos no mundo em que vivemos é a impermanência e o retorno sob novas condições.

Os homens das cavernas não teriam tido dias melhores se sonhassem que sua existência só teria sentido se viesse a dar naquilo que somos hoje. No entanto, mesmo se quisessem mudar seu destino, e apenas talvez, e em pequena medida, não haveria razão para acreditar que seria na humanidade, tal como é hoje, que eles viriam a se transformar. Isso foi o fruto de um caos que tem resultados estéticos e permitem a produção de sentidos humanamente inteligíveis. O significado não é ausência do caos, antes pode ser o resultado de um contexto caótico de variáveis múltiplas e não calculáveis.

A plenitude de nossa existência não consiste no labor interminável para sermos alguma coisa. Mas, exatamente em realizar a potência do que já somos. Não podemos calcular o que viremos a ser.  Sonhamos, é verdade. Mas nossos sonhos e utopias respondem a necessidades imediatas e não podem ser confundidas com ferramentas para virmos a ser qualquer coisa. No futuro não seremos, simplesmente. Outros, de formas e modos que não podemos nem começar a imaginar, irão continuar. Nós neles, ou nós não. Não importa. O que sabemos é que só podemos ser aqui e agora. Só assim podemos honrar o que virá.

O fetiche da escolha tem nos desviado do amor fati, de Nietzsche e da potência dos bons encontros de Espinosa e finalmente da afirmação ética, estética e política, da vida.