A Vulnerabilidade Humana como Objeto da Arte: A Obra de Ron Mueck

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A escultura sempre causou enorme impacto. Durante milênos, enquanto outras formas de manifestação artística encontravam-se ainda pouco desenvolvidas, a escultura cumpria o papel de literalmente materializar os sonhos e mitos em uma realidade palpável. Não é estranho portanto que desde suas mais remotas origens, escultura e religiosidade já andassem de mãos dadas, meio que trazendo os deuses à presença dos homens.

Do perfeccionismo greco-romano passando pelo gótico e chegando a renascença, tivemos inúmeras manifestações da escultura como veículo de expressão das idéias sobre a morte e o morrer. Óbvio dizer que uma história da relação entre a escultura e formas de representação da morte exigiria um processo de enorme fôlego que extrapola em muito os estreitos limites da linguagem de um blog. No entanto, queria destacar a obra do escultor australiano Ron Mueck por aquilo que traria de aparentemente novo e/ou inusitado.

Quuando olhamos para a virada do século XIX para o século XX, encontraremos uma tentativa de desconstruir a herança clacissista em todas as manifestações artísticas. Não havia limites para o que se podia fazer em arte e isso se afirma como um princípio. Se por um lado essa idéia abre possibildades para que gênios como Picasso, Miró ou Stravinsky ganhem cada vez mais espaço, por outro nos leva a uma expressão artística onde o abstracionismo radical faz com que percamos os limites do que de fato é humano na arte. Ficaram notórias situações onde renomados críticos de arte avaliaram positivamente o talento artístico de macacos e elefantes não sabendo evidentemente sobre a real localização destes artistas na escala evolutiva.

Com a revolução do uso de novos materiais abriu-se um novo campo de possibilidades nas artes e a escultura não poderia ficar a margem. Se ainda hoje o Davi de Michelângelo é capaz de nos fazer suspender o fôlego, ainda assim olhamos para um material que em nada expressa as características reais da morfologia do corpo humano. Estamos diante do mármore esculpido com maestria e percebemos isso no primeiro olhar. E se Michelângelo tivesse tido acesso a técncas que lhe permitissem reproduzir a pele de Davi com a aparência hiperrealista?

É esta a proposta de Ron Mueck. Herdeiro do saber de familiares fabricantes de brinquedos, Mueck leva às últimas consequências a capacidade de reproduzir a aparência real do corpo humano em situações de cotidiano, com ênfase a busca de expressar nossas vulnerabilidades. Ele abre mão de um ideal estético de beleza e, como um Velasquez que se tornasse escultor, vai em busca de corpos que quebram os nossos paradigmas estéticos.

Quer materializar a vulnerabilidade da velhice, a dependência absoluta do ser humano recém nascido, os estados depressivos tão comuns nos grandes centros urbanos e, o que nos interessa mais de perto, quer expressar a morte de uma forma absolutamente pessoal. Entre suas esculturas duas parecem chamar especial atenção. Um bebê gigantesco estica-se num movimento como se tomasse fôlego para um longo choro em busca de alimento. Estamos diante da impotência de não podermos tomar aquela criança nos braços e acalenta-la, um sinal inequívoco de que muitas de nossas dores não poderão ser aplacadas e que parte das primitivas necessidades que trazemos conosco jamais serão plenamente satisfeitas.

Outra escultura mostra o reverso do nascimento ou, como muitos desejam, uma forma de renascimento. Mueck esculpe com extremo realismo o cadáver do próprio pai. Ao nos depararmos com a imagem não somos poupados com idéias de sono. Pelo contrário. A imagem mostra um homem nú no entorno dos 60 anos com a morte já deixando suas incrições no corpo. A nudez nos remete a imagem do bebê. Mostra toda a fragilidade da vida diante do seu desfecho e o quanto sofremos novamente diante de nossa impotência de superar uma situação que nos esbofeteia com sua irreversibilidade. Antes que acusem Mueck de um gosto mórbido lembremos que a imagem esculpida é a de seu pai, que ele busca magicamente imortalizar a partir da arte, um lembrete de que mesmo quando pensamos na morte, há espaço suficiente para expressarmos nosso amor, um amor que tenta manter vivo numa cápsula de memória a presença materializda do pai real e/ou simbólico.