O capítulo da seguridade social e o estado democrático de direito

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Considerando o tema pela abordagem preconizada na constituição brasileira, temos na saúde pública um setor da economia que é singular dentro da regulação da economia de mercado em geral. Ou seja, o sistema de saúde também é regido pelas leis de mercado, mas as extrapola em grande medida com conseqüências culturais e políticas significativas.

O perfil epidemiológico de uma população demanda dos poderes constituídos uma série de ações de cuidado, prevenção e tratamento. Já, quando tratamos de mercadorias e serviços, o acesso dos consumidores se dá por seu padrão aquisitivo e respectiva classe social. Quem pode tem. Quem não pode, não tem e se vê excluído do acesso ao consumo.

O sistema de economia de mercado monetário é um sistema de hierarquização e estratificação social que fundamenta e configura identidades individuais e coletivas. Na prática, fornece a informação de quem é quem no jogo de interesses sociais, a partir do poder econômico.

No entanto, legal e culturalmente não é assim que se dá com o mercado de bens e serviços na área da saúde. Um recurso estabelecido pela pesquisa e produzido pela indústria farmacêutica ou de procedimentos médicos passa a ser automaticamente um direito de todos os cidadãos. Este é o efeito prático mais evidente, ainda que não considerado, de um preceito constitucional que valoriza a vida humana e a igualdade de todos perante a lei. Uma sociedade que segmentasse o direito aos cuidados com a vida de forma legal não seria igualitária ainda que garantisse igualdade de renda entre todos os estratos sociais. A ficção, realidade ou utopia que sustenta a legitimidade democrática depende disso.

Assim, temos no Brasil um preceito constitucional, no capítulo da seguridade social, que é coerente com as premissas do estado democrático de direito. Curiosamente percebemos um paradoxo ao seguirmos comparando sistemas e custos de saúde entre EUA e Brasil.

Lá, embora a saúde seja considerada um bem individual e de responsabilidade de cada consumidor de acordo com seu perfil de renda, o gasto público em saúde é da ordem dos 800 bilhões de dólares ao ano. No Brasil, a saúde é um direito de todos e uma obrigação do Estado, ou seja, é um direito universal. Mas os gastos públicos, em ascensão, ainda não chagam aos 50 bilhões de dólares ao ano. De modo que, como admitiu recentemente o Presidente Lula, em pronunciamento público, o Brasil ainda investe muito pouco em saúde como política pública.