A crença e o mito como fronteiras entre o conhecimento e o incognoscível

7 votos

Além de ser improvável que um homem específico, chamado Jesus, tenha existido, não há nada que comprove o caráter sagrado da existência da divindade bíblica associada a este homem.

De fato, tudo que é substantivo na teologia, e consequentemente não evidente, compreende os aspectos míticos, sagrados e divinos da existência de Jesus de Nazaré. Na historiografia não há prova alguma do que consiste em objeto de fé. A crença é o aspecto central do fato religioso.

Para alguns teólogos é a fé que explica a fé. Ou seja, nossa crença na transcendência, ou a própria capacidade cognitiva humana é que seria o caminho natural para a transcendência. O pensamento dobra-se sobre ele mesmo para produzir incessantes modificações no modo de ver, sentir e dar consistência intelectiva ao real.

Desse modo, a capacidade de criar narrativas fabulosas na religião, e teorias falseáveis, no âmbito da ciência, é que tornam o ato inato de acreditar e questionar a fonte de todo conhecimento. Nesse caso se pressupõe um limite para o que podemos conhecer, dado que a crença antecede sua validação ou refutação. Ou seja, nós avançamos até o conhecimento tendo a crença e a hipótese como linha de frente, separando o continente do saber do sempre vasto oceano da ignorância e provavelmente do próprio incognoscível.

Tanto a ciência, quanto a religião seriam modos de lidar com o silêncio e a escuridão semântica do cosmos. O sentido (uma direção) e o significado (uma trajetória) seriam criações humanas para responder a um intelecto que emergiu no mundo natural como uma busca por causas.

O entendimento dos eventos aleatórios numa perspectiva que permite ao ser humano interferir com a realidade na busca de alimentação, abrigo e segurança, para além dos determinantes inatos, é a fonte da busca por sentido e significado em nossas existências.

A religião permitiu a estruturação de ordens sociais e econômicas, a cultura e a civilização através das crenças compartilhadas. A ciência surge nesse ambiente socialmente estruturado. Ela nos deu poder através das técnicas e recentemente das tecnologias. Tudo isso pode ser chamado de máquina antropológica.

No entanto, a verdade, o bem e o belo seguem sendo dados na medida exata dos valores inventados por nós mesmos. A concepção linear do real coloca a necessidade de um suporte, de uma âncora ou causa para o universo. Encontrar o alicerce do universo dentro do próprio universo é como elevar a si mesmo do chão puxando os próprios cabelos. Seria necessário colocar o suporte da realidade fora do alcance da percepção e da projeção.

A alternativa seria uma cosmologia circular, baseada no movimento e no eterno retorno, como Nietzsche parece propor em sua crítica da civilização. Jesus corresponde a um mito que existiu em muitas outras culturas, na forma do escolhido, o ungido, o messias, o filho de Deus entre muitas outras coincidências e especificidades.

O mistério não reside na realidade factual do mito de Jesus mas sim em sua recorrência. Sua mensagem, vinda ou não de um homem real, esteve na tradição oral do pequeno grupo que deu origem ao cristianismo como o entendemos hoje. O encontro do messianismo judaico, talvez dos essênios, com a filosofia grega constituiu o legado de nossa era.

Nesse ponto Jesus representa uma ideia e um ideal que é foco de incontáveis interpretações e leituras. A marca mais forte de nosso tempo histórico, para o bem e para o mal, e talvez um dia, além do bem e do mal, é confundir sentido e realidade.

O sentido não pode explicar a realidade na medida em que é parte dela. Ou seja, consiste no que buscamos definir. De certo modo o incognoscível é um componente provisório de todo conhecimento. Provisório na medida em que se move e amplia a fronteira do desconhecido a cada passo que avançamos.

O mundo da física quântica ainda não faz sentido para todos, mas na era dos caçadores coletores não podia ser nem mesmo concebido. Assim, é possível que o que temos como incognoscível agora, poderá constituir uma forma inimaginável de senso comum no futuro.

O eterno retorno é um movimento circular que ascende uma nova volta sempre num deslocamento ascendente ou em espiral, de modo que a mesma curva sempre retorne em uma dimensão ou nível diferente. Sempre o mesmo, nunca o mesmo, sempre o passado numa nova passagem. O eterno e o finito, essas ideias contraditórias, constituem a plenitude do real. Se pode ser pensado, tem que ser em algum modo no espaço tempo.