Arte no CAPS de Mirassol

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O Prêmio Arthur Bispo do Rosário é destinado a artistas e fazedores de arte usuários de serviços de saúde mental do Estado de São Paulo, mostrando a invenção que emerge do campo sensível que estas obras presentificam, a vastidão de propostas e metodologias inovadoras que empreendem e que forçam os limites da arte institucionalizada e da cidadania cultural.
Na semana em que se comemora  o Dia Nacional da Luta Antimacomial, 18 de maio, no ano 2018,  o paciente do CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) de Mirassol, Alexandre Flores da Silva, de 38 anos, foi homenageado pelo CRP SP (Conselho Regional de Psicologia de São Paulo) pela conquista do 4º lugar no VIII Prêmio Arthur Bispo do Rosário, na categoria Literatura, com o poema “Ode Artista Autista Altruísta”

Ode ao Artista Autista Altruísta.
(Alexandre Flores Silva)
CAPS I de Mirassol – SP

Eu quero agora o meu Eu libero para me refazer com o Outro.
E Eu quero usar o meu Eu contido no Eu a favor do Outro contido no Outro.
E quero isto desde que o Eu era um Eu latente pela causa do Outro.
E desde que o Eu temia estar na frente de todo o contexto do Outro.

Mas eis a minha mais militante aspiração: Revelar através da arte o meu Eu, o seu Eu e aquele Eu que se perderam no tempo do esquecimento…
E também aqui o Eu-Outro-Eu, e também ali o Eu-Outro-Eu, e também acolá aquele Eu-Outro-Eu.
E este novo tempo tem, na sua mais nobre alcunha … uma nova realidade … uma nova veracidade… uma nova inventividade…
Do Opíparo Artista, do Cognoscente Autista, do Indizível Altruísta!

No Au-tis-mo Eu consigo ser um Novo Dançarino com todas as suas danças … e com todos os movimentos incorruptíveis, de todas as danças imaculadas, puríssimas, sem o pecado.
Eu sou todo dança, e nela Eu estou, e nela Eu apareço, e nela Eu me alegro, e nela Eu me integro.
E no seio da dança Eu me reconheço, na confluência da sua organicidade, dos seus compassos, das suas particularidades, do seu balé, do seu baile conservador, do seu bailado mais clássico, da sua valsa imperial, da sua olimpíada, do seu romance obséquio.

No Au-tis-mo Eu consigo ser um Novo Pintor, pois lá estão todos os meus pinceis, com todas as minhas técnicas, e com todas as minhas formas, e com todas as minhas cores.
Porque pintura pintada por um Pintor reencontrado … e que descobriu a sua importância de ser para toda a gente, de indivíduo influente, de pessoa resistente, de pensador instigante, de colaborador mitigante…
E que perante o seu mais convidativo e novel espelho… a sua melhor tela… consegue imprimir as suas mais excelsas imagos.

No Au-tis-mo Eu consigo ser Novo Escultor com todas as suas mais novas possibilidades dentre todas as mais novas esculturas.
Nela eu consigo produzir a mais perfeita escultura escultural … como um novo manifesto cultural … como a nova luta memorial … como uma intensa epistemologia social… um panfleto necessariamente dorsal, ou o mais recente neologismo surreal…
E nela Eu consigo me ver em todas as suas dimensões, por toda a sua silhueta, e com todas as suas singularidades.

No Au-tis-mo Eu consigo ser um Novo Arquiteto que ali está com todas as arestas e adornos necessários e carecidos ao entalhe do bom edifício.
Um edifício no qual (as Minhas assinaturas são as mais especiais) dentre todas as demais.
Porque o projeto foi todo planeado por mim…
E com todo o seu mais puro raciocínio … e com toda a sua mais pura iluminura … e com todo o seu mais puro salto do texto para a transmutação geométrica…
Nela Eu criei o meu melhor tracejo, que contém a éter engenharia … e a infinda ambientação … ou uma integração que pulsa como um gigante coração.

No Au-tis-mo Eu consigo ser um Novo Musicista com todas as suas mais novas letras, e novas poesias, e novas notas, e novos acordes, e novos movimentos, e novas partituras, e novos instrumentos…
As Minhas composições são mais especiais porque profusas do meu mais romântico cancioneiro.
E Eu posso vislumbrar toda a sua subjeção, toda a sua afirmação, toda a sua resignação, toda a sua confluência, e toda a sua mais humanista e imácula comunhão.

No Au-tis-mo Eu consigo ser um Novo Personagem e que ali está com uma diversidade de papeis jamais inexplorados por um teatro e que espera ansioso por uma chance de atuar.
O seu palco, o seu cenário, a sua roupa, a sua iluminação, a sua música, o seu texto, o seu monologo, o seu prologo e a sua mais nova persona são todas buliçosas.
Porque é preciso reivindicar tudo o que já foi esquecimento, tudo o que já foi lamento, tudo o que já foi desavento … e recriar a nova apolínea e o novo alento matutado na mais maravilhosa aventura.

No Au-tis-mo Eu consigo ser um Novo Escritor com todos os seus fonemas, com todos os seus morfemas, com todos os seus lexemas, com todos os seus sintagmas, com todo o seu texto.
Quão lindo é o crescente, à medida que o poético se sente; e que na conjuntura dos signos faz nascer a movente lírica, o contente sema, a recente rima, a proeminente rema, o coerente tema; da minha mais nova linguagem.
E Eu quero que seja a escrita com engendro, para que da linguagem arte possa o endro transformar o todo linguístico mais corriqueiro por fora e por dentro.

Mas eis ainda o meu maior desejo: retratar através da arte o meu Eu, o seu Eu e aquele Eu…
E também aqui e ali e acolá o Eu-Outro, e também o Outro-Eu e também o Eu-Outro-Eu.
E este novo tempo terá sempre um grande silogismo… que há de se chamar … na nova realidade … na nova veracidade… na nova inventividade…
Aquele … do Artista Maior!!!
Porque Autista!!! Porque Altruísta!!! Porque Meritório!!!

https://www.mirassol.sp.gov.br/noticia/na-semana-da-luta-antimanicomial-paciente-do-caps-recebe-premio-de-literatura/53736