Estar com o outro até o limite da existência

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Já passaram mais de 10 anos. Um paciente entrou em surto. Estávamos no terraço de um prédio.

Era um evento do movimento da reforma psiquiátrica. Cheguei quando o paciente estava tentando se jogar.

Vi um rapaz agarrado nele. Um jovem psicólogo, alto e magro, meu amigo e colega do Serviço Residencial Terapêutico onde trabalho até hoje.  O paciente era mais forte.

Segurei ele por um braço e coloquei minhas pernas para pressionar uma das pernas do paciente. Ouvi meu amigo dizer “Vou junto! Se você conseguir, eu vou junto”.

Senti a resistência do paciente ceder. Seus músculos afrouxaram. Vencemos. Dali para a frente, foi conversa e lágrimas. Nunca me esqueci.

Estar com alguém, estar de fato junto, colocar-se ao lado de quem sofre sempre exigiu de nós esse gesto radical de até mesmo se deixar levar para o abismo.

Antes da pandemia eu sabia que estar com meus pacientes, no hospital ou atravessando uma rua, nos colocava em uma comunhão de destino.

É assim, com essa memória, que reverencio meus muitos colegas que sofreram e com os que morreram de Covid-19 ao atender aqueles que precisaram de seus cuidados.