Transtorno mental coletivo e sociopatia

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Muitos estão se esforçando para encontrar uma lógica conspiracionista por trás da tragédia de Suzano. Eu tenho mais preocupação em relação a possibilidade de que o caos seja espontâneo. Mesmo a complexidade inerente às redes de intolerância, perversão e perseguição a minorias na Deep Web está relacionada mais a eclosão descontrolada de misticismos exóticos e absurdos, do que a articulação consciente de algum super agente do mal oculto nas sombras. Pode ser que a insanidade dos discursos de ódio e intolerância encontre um caminho que vai das palavras do senso comum, aos atos concretos perpetrados por mentes transtornadas.

É possível que numa sociedade em que se naturaliza a tortura e o assassinato em massa (“a ditadura deveria ter matado 30.000”), o fato de a loucura se tornar assassina seja apenas consequência de um fenômeno chamado psicose coletiva.

Trabalho com saúde mental há mais de 20 anos, há 30 que lido com as consequências da violência. A loucura está em todas as sociedades. Ela eclode em condições extremas, onde vigoram vulnerabilidades de muitas ordens, genéticas, sociais, econômicas.

Sabemos pouco, tanto sobre os efeitos da perda de sentido da existência, quanto da constituição da perversão como sentido e modo de vida sobre a saúde mental dos indivíduos e das coletividades. A única resposta consensualmente aceita no cuidado em saúde mental é que a atenção, o carinho, afeto e amor podem prevenir o agravamento do sofrimento e suas consequências. Paranóias e delírios coletivos, por sua vez, são fatores de agravamento do transtorno mental em indivíduos vulneráveis e já adoecidos.

O que estamos assistindo pode ser a reverberação de uma insanidade coletiva atuando sobre aquelas mentes mais vulneráveis e transtornadas.

Tomemos como exemplo o caso do assassinato do menino Bernardo ocorrido em 2014 no interior do Estado do Rio Grande do Sul. O primeiro julgamento dos acusados do crime está acontecendo no tribunal do júri de Três Passos nesse momento.

O assassinato do menino Bernardo pode estar ligado as características de uma comunidade conservadora que tende a endeusar figuras sociais de poder e destaque para além de qualquer evidência. O menino começou a ser assassinado na maneira indolente com que os cidadãos aceitaram a versão duvidosa do suicídio da mãe dele.

Seguiu na forma negligente com que os vizinhos, parentes e agentes públicos ignoraram os pedidos de ajuda que Bernardo expressou com uma aguda lucidez aos adultos de seu entorno. Esse assassinato, como muitos outros, foi precedido de uma morte simbólica. A eliminação concreta decorre da forma como a possibilidade de um médico ser negligente com o próprio filho foi ignorada.

Do mesmo modo que naquela comunidade o absurdo foi naturalizado, em nosso país muitas pessoas usam a Bíblia e o juízo final para justificarem que há pessoas que podem e devem ser assassinadas por suas crenças ou modos de vida.

Daí para alguém, com evidentes transtornos mentais achar que isso é verdade não passa de uma racionalização tão doentia, quanto provável. Se alguém mergulhar no abismo da crença de que a violência se resolve com assassinatos e que, então, não há nada a perder se você já está condenado, todo absurdo passa a ser possível.

É assim que estamos mergulhando num estágio anticivilizatório onde uma sociedade se torna obcecada pela morte e promove abertamente sua própria destruição.