Saúde Mental em São Paulo ameaçada de perder mais um serviço importante
Mais um momento de perplexidade na já tão combalida rede de saúde mental de nossa cidade: o governo ameaça fechar um serviço em nome de uma tendência que vem crescendo em alguns países no sentido de balizar apenas os olhares biologizantes, supostamente científicos, sobre os acontecimentos da vida.
Os argumentos de que serviços de base psicanalítica não contam com eficácia comprovada e de que a produtividade é pequena tomaram a cena. Somos todos testemunhas hoje da onda simplificadora das vivências, numa ditadura da máxima velocidade da resolução de conflitos. A “eficiência” tem pressa. E a indústria farmacêutica também, por motivos óbvios.
Dois movimentos mundiais, o “Pas0deconduite” ( “chega de zero em conduta”, numa tradução livre) e o STOP – DSM têm se batido contra esses argumentos e denunciado os modos de tratamento estratégicamente apressados.
Os links abaixo trazem mais informações sobre os movimentos de resistência:
https://redehumanizasus.net/12583-pas0deconduite-multiplicidade-despedacada
https://redehumanizasus.net/13137-stop-dsm-rio-de-janeiro-entra-nesta-luta-pela-vida
Publicamos abaixo a carta do CRIA – UNIFESP:
COMUNICADO OFICIAL DA COORDENAÇÃO E DA EQUIPE TÉCNICA DO CRIA-UNIFESP DIANTE DO ENCERRAMENTO DE SUAS ATIVIDADES
O nosso objetivo é partilhar a indignação diante de grave acontecimento decorrente de uma tendência que vem prevalecendo no sistema estadual de saúde.
O governo de SP, através da Secretaria Estadual de Saúde (SES), assumiu, oficialmente, que serviços de base psicanalítica não contam com eficácia comprovada. Nesse contexto, propõe encerrar o apoio financeiro que há mais de dez anos confere ao Centro de Referência da Infância e Adolescência – CRIA.
O CRIA foi inaugurado em 2002, por um convênio entre a UNIFESP e a SES, com a interveniência da SPDM. É uma instituição que realiza cerca de 1200 atendimentos mensais de bebês, crianças, adolescentes e seus familiares através de uma equipe interdisciplinar que garante uma visão e assistência global aos pacientes.
A assistência prestada pelo CRIA é abrangente e inclui pacientes com diversas patologias graves. Para nosso espanto, a diretriz atual da secretaria de saúde do Estado de São Paulo criticou severamente o fato de atendermos qualquer queixa ou diagnostico afirmando que a população alvo deve ser composta por pacientes psicóticos e autistas. Entendemos que todo sofrimento merece ser escutado e tratado sem delimitar sua atuação em função de uma única patologia, diferentemente do que prega o mainstream atual das práticas médicas e assistências vigentes em nossa atualidade.
Nossos encaminhamentos são oriundos de diversas instituições (abrigos, escolas, creches, conselhos tutelares, vara da infância, hospitais, caps e outros serviços de saúde mental) que sideradas e apavoradas diante daquilo que escapa a nomenclatura dos manuais classificatórios nos procuram e demandam atendimento a esta população, pedindo ainda, em muitas situações, supervisão para a própria equipe.
Em que espaços serão escutadas e trabalhadas nas suas questões, as crianças que estão vivendo um luto pela morte de algum parente próximo, os adolescentes adotados, devolvidos por seus pais para abrigos? Ou mesmo adolescentes em relação fusional com seus objetos primordiais que fazem em seu próprio corpo os cortes simbólicos que não estão operando em seu psiquismo, levando-os a sérias tentativas de suicídio? Sem falar ainda nas inúmeras crianças que estão com fobias que a impedem de ir à escola, estudar ou aprender? Ou ainda os adolescentes chamados delinquentes que buscam a qualquer preço uma referência? E as crianças vitimas de violência, que necessitam de um espaço para falar?
Desta forma, ainda que atendemos, ao longo destes dez anos, crianças autistas e adolescentes psicóticos (temos dois programas estruturados para isso além de um programa de atendimento de bebês que procura identificar sinais de risco para tais patologias e intervir precocemente) não restringimos assistência à estas patologias.
A razão de nossa posição se deve à nossa concepção de clínica que considera como aspecto fundamental a plasticidade dos sintomas apresentados na infância e adolescência, e além disso, o fato do sofrimento destes jovens estarem referidos a dinâmica familiar a qual estão inseridos. Se isto, por um lado, torna a tarefa clinica muito mais complicada e desafiadora, por outro, também garante as intervenções um grande poder de êxito, tornando esta clinica muito menos sujeita a cronificacão das patologias e por isso muito mais flexível e surpreendente.
Muitos pacientes que foram atendidos no CRIA melhoraram de seus sintomas e puderam retomar sua vida e seu desenvolvimento. Mas não nos dispomos e nem nunca tivemos a pretensão de isentar os nossos pacientes de fazer calar sua angustia. Os convidamos com disponibilidade a que eles falem e escutem a história que acompanha seu sofrimento, o que se coloca nas entrelinhas, as várias versões sobre o que se apresenta como sintoma.
O fechamento do CRIA representa também uma perda na formação de médicos residentes, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais que la realizam suas primeiras experiências clinicas com crianças e adolescentes e que aprendem que por detrás de um diagnóstico, de uma patologia, existe um ser humano que sofre.
O CRIA, por estar inserido numa Universidade, oferece muitas horas de trabalho de sua equipe na formação de estudantes e outros profissionais da rede por meio de supervisões clínicas, aulas, palestras, seminários e simpósios. Infelizmente, a SES ignora tais atividades afirmando que a instituição produz pouco.
A produtividade de um serviço que prima pela qualidade não pode ser medida apenas levando em conta números de atendimentos. O CRIA oferece aos pacientes consultas de longa duração para que possam falar de suas questões que ultrapassam a descrição fenomenológica dos sintomas.
A SES, ao fechar o CRIA, leva em consideração as consequências para os pacientes que há anos lá se tratam? Como responderão adolescentes que já tentaram suicídio diversas vezes e que lá encontraram um espaço para falar de seus sofrimentos sem precisarem recorrer a uma forma tão dramática? E as crianças tão vinculadas aos profissionais que há anos as atendem?
Nos resta agora a lamentável tarefa de dizer aos pacientes e seus familiares que há mais restrições de assistência a eles no quadro da nossa saúde pública. Dizer a eles que o sofrimento que os levou a buscar atendimento não é suficiente nem legitimo de merecer escuta e trabalho. E que o vínculo que fizeram com os profissionais é irrelevante. Ainda que do ponto de vista epidemiológico seus sintomas e queixas componham parte significativa da demanda de atendimento.
Outra carta denuncia também a afronta ao SUS:
Caros colegas e integrantes da rede, e colegas destinatários a quem endereço também esta mensagem, do meio acadêmico-cientifico brasileiro,
O que esta Resolução do Governo de São Paulo constitui é, como dito por Cristina Ventura e Luiza Victal, uma afronta ao SUS, sem dúvida, mas que também se desdobra em outros níveis:
a) numa afronta aos usuários e familiares que, se muitas vezes apóiam – por razões que não nos cabe aqui nem validar nem condenar – os métodos comportamentais, especializantes e “educativos”, também, quando podem, apóiam veementemente as práticas clínicas amplamente desenvolvidas pelos CAPSis, que afirmam a diversidade de quadros clínicos em uma proposta de tratamento que não faz do espectro autista um selo diagnóstico a ser tratado por formas excessivamente rígidas e especializadas de adestramento comportamental mas privilegia a posição subjetiva – categoria perfeitamente objetivável no plano cintífico – do portador das diversas formas e graus de autismo no laço social. Há inúmeras experiências exitosas nesse sentido, e inúmeros serviços que as exercem e comprovam, todos da rede pública de saúde mental infantp-juvenil brasileira; Além deste fator, que diz respeito à variação n as posições dos familiares dos usuários atendidos, cabe lembrar que uma política pública responsável e conseqüente não pode basear suas decisões e diretrizes em “preferências imediatas” do usuário, caso em que deveríamos cumprir as exigências de uma determinada família que, ainda que por desespero, insista em que um parente seu seja defitivamente internado em um manicômio, ao invés de realizar um trabalho junto a esta família no sentido de, acolhendo sua demanda desesperada, apontar-lhe no entanto outras possibilidades bem mais benéficas para a saúde de todos. Uma política efetivamente dirigida aos interesses da população não pode confundir o interesse de grupos sociais (democratismo demagógico que via de regra esconde outros interesses que não os manifestados por esses grupos ) com o interesse mais amplo da população como instância coletiva e anòminamente pública (o “para todos”) e não a grupos nomeados de indivíduos privados (o “pa ra alguns”). Por isso toda política deve introduzir mediações no conjunto de demandas imediatas, entrecruzadas no meio social.
b) numa afronta a todos os profissionais que enfrentam com disposição e determinação esta clínica espinhosa e difícil, mas viável e frutífera, com grande empenho em sua formação profissional, ética, conceitual e clínica, e que, por terem boa formação científica, não sustentam a unicidade e a hegemonia de uma uma só orientação técnica em seu trabalho como sendo “científica”. A própria concepção segundo a qual só uma orientação seria válida do ponto de vista científico é, em si mesma, anti-científica, revelando, em gritante paradoxo inscrito em seus próprios termos, sua clara condição de enunciado ideológico, tendencioso e dogmático, movido por interesses que estão longe de basear-se na pesquisa e nos anseios verdadeiramente científicos de avanço do conhecimento sobre a realidade, nela incluindo o sofrimento psíquico.
c) numa afronta à democracia, modo de organização política da sociedade que mais se solidariza e compatibiliza com as práticas científicas, por valorizar a diversidade, a liberdade de pensamento e expressão, condições essenciais a todo pensar que, como o científico, requer livramento de amarras, preconceitos, dogmatismos religiosos, ideológicos ou mercantis para seu exercício e florescimento.
d) finalmente, esta Resolução constitui uma afronta às Leis Brasileiras, que não admitem sectarismos, partidarismos e favorecimentos parciais e tendenciosos, privatistas, portanto, nos Atos Públicos. Trata-se de uma Resolução ilegal do Governo de São Paulo, e, como tal, em uma sociedade democrática, requer coibição e,punição pelas instâncias legais, a quem cabe o zelo pelo cumprimento da lei e da justiça no Brasil, particularmente no que concerne às ações do Poder Público, em tese cioso de cuidar do Bem Comum.
O que sugiro? Que empreendamos ações concretas e cabíveis no sentido de impedir um tal desmando e uma tal privatização técnica, acompanhada de favorecimentos financeiros inequívocos por parte da uma gestão pública de saúde, após verificação das condições tanto políticas quanto legais que possam dar respaldo concreto e eficiente a essas ações.
As instâncias universitárias, integrantes da Comunidade Científica Nacional (e internacional) podem e devem ser convocadas a se manifestar, uma vez que é esta comunidade que é invocada como dando sua suposta concordância à escolha exclusiva e injustificável de um único método de tratamento a um convênio público. Convoco prontamente o Programa de Pós-Graduação em Psicanálise da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, que integro desde sua fundação em 1998 e que hoje coordeno, e que conta em seu qualificado quadro docente com pesquisadores de longa experiência neste campo, bem como Programas e instâncias acadêmico-científicas co-irmãos (Programa de Pós-Graduação em Teoria Psicanalítica da UFRJ, Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica da PUC-Rio, entre outros), e particularmente Faculdade de Saúde Pública da USP, por estar na cidade e no estado federativo de onde partiu esta Resolução (São Paulo), em particular o Curso de Especialização em Psicopatologia – a cujos colegas envio esta mensagem -, para que se associem a esta reação de repúdio e impedimento desta insustentável, tendenciosa e ilegítima Resolução.
Luciano Elia
Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Psicanálise do Instituto de Psicologia da UERJ e Diretor Científico da APPEC – Assistência e Pesquisa em Psicologia, Educação e Cultura, ONG da área de Saúde Mental.
74 Comentários
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A onde vamos parar com tanto "desmonte" e "desmantelo" na gestão pública? A quem interessa essas privatizações desenfreadas da saúde? É o estado cada vez mais ficando mínimo. Precisamos reagir e dar um basta nas sandices desses políticos descomprometidos com os interesses do povo!
Belo post Iza!
Beijos!
Emília
Por oliver.prado
Poxa, vc está falando sério mesmo?
Então além de tentar vincular a análise do comportamento à medicalização (o que é um grave preconceito, uma perversidade e uma completa ignorância) depois você quer convocar a "comunidade científica" que é composta apenas de psicanalistas?
É isso que é humanizar? E me diga se existe alguma política pública para autismo que não seja baseada em psicanálise e nesse caso onde que fica a opção de escolha do usuário?
Hoje existe apenas um método para autismo no serviço público e este é o método psicanalítico.
A exclusão que os psicanalistas fazem é a mais perversa de todas. Estando no comando de diversas instituições, elaboram editais de concursos pedindo "obras completas de Freud" de forma a excluir qualquer um que não seja psicanalista.
Ainda todo mundo sabe que psicanalistas tem enorme resistência em relação a avaliar seu próprio trabalho e demonstrar resultados publicamente.
Você poderia citar quais são estes locais ou equipamentos?
Também não conheço trabalhos dos cognitivistas "demonstrando" resultados publicamente. Você poderia nos contar sobre eles?
Podemos conversar sobre o que é "comportamento". Estranha formulação que comparece em todos os relatórios de escolas encaminhando crianças com "TDAH" e outros supostos "transtornos do comportamento". Estranha formulação que se pretende científica e se baseia na mais empírica das observações.
Iza
Por oliver.prado
O CRIA UNIFESP é um destes locais, exclusivamente psicanalista. Lá pode ter certeza de que analista do comportamento não entra nem com reza brava.
Outro local é a escola "lugar de vida", também exclusivamente e assumidamente psicanalítico. Lá também é proibido entrar analista do comportamento.
Mas a realidade é que não existem políticas públicas definidas e especializadas para tratamento do autismo. Isto está sendo construído e o edital faz parte desta construção.
Existe farta literatura científica que demonstra resultados das metodologias da análise do comportamento para autismo. Não confunda com "cognitivismo".
Aqui uma seleção de alguns estudos brasileiros e latino americanos que estão utilizando as metodologias especificadas no edital. Também resultados de bases de dados específicas sobre resultados (estes internacionais). Além disso existem universidades públicas (ex: UFSCar) que produzem de maneira sistemática estudos a nível de pós graduação sobre o tema autismo
PECS
https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S0104-56872005000200012&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_abstract&pid=S1516-18462009000600012&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt
https://newpsi.bvs-psi.org.br/tcc/93.pdf (TCC) https://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-55452008000100006&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt (artigo)
https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-56872005000200012
https://cochrane.bireme.br/cochrane/main.php?lib=COC&searchExp=PECS&lang=pt 23 registros The Cochrane Library
TEACCH
https://cochrane.bireme.br/cochrane/main.php?lib=COC&searchExp=TEACCH&lang=pt 6 registros The Cochrane Library
ABA
Colômbia https://www.scielo.org.co/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0120-00112012000100007
México https://www.scielo.org.mx/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0185-33252011000500007
Autor: Guilhardi, Cíntia; Romano, Cláudia; Bagaiolo, Leila.
Título: Análise aplicada do comportamento e contribuições para a intervenção junto a indivíduos com desenvolvimento atípico / Applied of behavior analysis and contributions for working with individuals with atypical development
Fonte: Temas desenvolv;12(69):8-14, jul.-ago. 2003.
https://cochrane.bireme.br/cochrane/main.php?lib=COC&searchExp=ABA&lang=pt 100 registros The Cochrane Library (não inclui apenas autismo)
O que é "comportamento"??
O significado de "comportamento" no senso comum, no contexto do TDAH/Dislexia e no contexto da análise do comportamento são diferentes.
Autismo não é TDAH nem dislexia.
"comportamento" para análise do comportamento significa todas as ações do organismo que tem relação com o ambiente. Logo, tudo o que uma pessoa faz (seja público ou privado/interno/mental) é comportamento.
Confundir "comportamento" (termo técnico) com "comportamento" (senso comum) é similar a confusão entre "sexualidade" (para psicanálise) e "sexualidade" (senso comum)
Qual a posição das associações de autismo??
https://www.ama.org.br/site/pt/tratamento.html
Veja que a própria associação de amigos do autista está dizendo que as metodologias da análise do comportamento são as mais indicadas.
E não confunda a AMA com as associações de TDAH/DISLEXIA. Observe que nas últimas seus sites são patrocinados por laboratórios.
Observe que o site da AMA não recebe apoio nem de laboratórios nem de corporações médicas.
DA SECRETARIA DO DEPARTAMENTO 27-11-2012
Nota do Departamento de Psicanálise
O Departamento de Psicanálise repudia veementemente a recente decisão da Secretaria Estadual de Saúde de extinguir o serviço do CRIA, uma instituição que vem se dedicando desde 2002 ao atendimento de bebês, crianças, adolescentes e seus familiares através de uma consistente clínica interdisciplinar. A alegação é da inadequação da terapia psicanalítica como método de tratamento das graves patologias que esse serviço acolhe.
Antes ainda, a publicação de um edital da mesma Secretaria, para clínica com crianças autistas exigia um trabalho de avaliação psicológica cognitiva e comportamental.
Somados ambos fatores à pressão crescente exercida pelos laboratórios psicofarmacológicos no intuito de padronizar tratamentos sintomáticos das doenças mentais, queremos alertar a população, as instituições públicas de saúde e aos colegas psicólogos, psicanalistas e psicoterapeutas da escalada de violência contra nossas práticas que reivindicam a apropriação subjetiva do conflito psíquico na análise de suas múltiplas determinações: históricas, familiares e sociais.
Conselho de Direção
Anna Mehoudar, Eva Wongtschowski, Heidi Tabacof, Isabel Mainetti Vilutis, Mara Caffé, Maria Antonieta Whately, Maria Aparecida Kfouri Aidar, Maria Beatriz Costa Carvalho Vannuchi, Maria Marta Azzolini e Noemi Moritz Kon.
Por oliver.prado
Aprendemos desde a infância que mentira tem perna curta:
1 – Secretaria Estadual de Saúde não tem como extinguir um serviço de uma universidade federal. Eles cortaram a verba pelos seguintes motivos: O serviço é exclusivamente psicanalítico, deveria ser um serviço especializado em autismo e psicose mas é generalista e tem baixa produção em atendimentos.
2- O edital publicado foi motivado por decisão judicial na qual o estado de SP foi obrigado a ofertar políticas públicas para autismo que tivessem comprovadamente resultados para a população. Não se trata de avaliação psicológica cognitiva comportamental e sim de metodologias de intervenção baseadas em análise do comportamento. Trata-se de focar em resultados.
3- Não existe relação deste contexto com outros contextos nos quais realmente a indústria da doença exerce pressão e lobby. Neste caso (autismo) o foco do trabalho não é medicamentoso e sim em aprendizagem. Não é "sintoma versus transtorno". É construção de repertório comportamental para proporcionar melhor qualidade de vida e melhor comunicação para as crianças com autismo.
Só um PSICANALHISTA é capaz de fazer lobby e perversamente enganar profissionais, população e instituições com argumentos dessa natureza.
O debate entre psicanálise e/ou análise do comportamento para autismo deveria ser um debate técnico e científico e não um debate político.
Apesar do tom raivoso que transparece em tuas palavras, o que me remete a pensar que estas questões te mobilizam, vamos conversar a partir das questões concretas.
Quando digo que há uma estreita relação entre medicalização da vida e comportamentalismo, estou trazendo para a apreciação de todos o modo como foram construídos os DSMs ( Manual De Diagnóstico em Saúde Mental ). Este é apenas um dos exemplos e vou explicitar cada passo. Podemos fazer o mesmo com o exame dos princípios e práticas das terapias comportamentais.
O "Livro Negro da Psicopatologia Contemporânea", de Alfredo Jerusalinki, traz um artigo bastante esclarecedor destas relações. "O DSM-IV: uma metafísica comportamentalista" faz um trajeto das várias referências e legitimações da construção das várias edições do manual.
Que tal irmos por aqui?
Iza Sardenberg
Por oliver.prado
Olá Iza, você está equivocada em pensar que existem relações entre DSM (ou similares) e análise do comportamento.
Veja, quando a palavra "psicanálise" ou "psicanalista" ou "inconsciente" aparece, por acaso isso significa que realmente a psicanálise (séria e verdadeira) esteja presente??
E de qual psicanálise se fala??
Do mesmo modo quando se fala em "comportamento" ou "comportamental" ou mesmo "cognitivo-comportamental" ou "comportamental-cognitivo" é preciso verificar se isso é ou não é análise do comportamento fundamentada no behaviorismo radical. Em muitos casos não é.
Também, seria pouco provável que uma literatura da psicanálise pudesse descrever de maneira precisa a análise do comportamento e vice-versa
Assim, se vc deseja saber qual a posição da análise do comportamento (a skinneriana) sobre sistemas como DSM, veja um artigo clássico brasileiro
https://www.revistaptp.unb.br/index.php/ptp/article/view/1528/480
Se vc não quiser se dar ao trabalho de ler, saiba que a analise do comportamento não participa, não se baseia, não valida e não utiliza como critério de análise o sistema do DSM ou similares.
A única função disso é ser um rótulo (nome) que pode ser utilizado para comunicação entre profissionais
Caro Oliver,
Agora podemos falar a mesma língua. Como diz uma médica da UNICAMP, a Dra. Aparecida Moysés, não se faz ciência sem discussão de saberes. O conflito de idéias só faz aumentar a capacidade de crítica e produção de conhecimento.
Partindo justamente do texto que vc me pediu para ler, encontro um dos problemas que aproximam a medicalização do comportamentalismo. Mas podemos conversar sobre uma possível leitura incorreta de minha parte.
O texto "Classificação e Diagnóstico na Clínica: Possibilidades de um Modelo Analítico-Comportamental" traz explicitamente a necessidade de fundamentação do diagnóstico em "dados empíricos". Se isto não for um princípio caro à análise do comportamento, não sei nada sobre ela realmente. Observação de comportamento pressupõe distanciamento "científico" ( positivismo básico ), categorias "objetiváveis", um primado portanto do mundo empírico. Nada do que os sujeitos formulem sobre si será objeto da análise, pois o que dizem só tem sentido se estiverem contemplados numa classificação diagnóstica feita por outros. Singularidade é algo que não se encaixa neste mundo supostamente objetivo.
A relação deste modo de "observar o comportamento" com o processo de medicalização é evidente. Veja o conceito:
"Entende-se por medicalização o processo que transforma artificialmente questões
não médicas em problemas médicos. Problemas de diferentes ordens são
apresentados como “doenças”, “transtornos”, “distúrbios” que escamoteiam as
grandes questões políticas, sociais, culturais, afetivas que afligem a vida das pessoas.
Questões coletivas são tomadas como individuais; problemas sociais e políticos são
tornados biológicos. Nesse processo, que gera sofrimento psíquico, a pessoa e sua
família são responsabilizadas pelos problemas, enquanto governos, autoridades e
profissionais são eximidos de suas responsabilidades.
Uma vez classificadas como “doentes”, as pessoas tornam-se “pacientes” e
consequentemente “consumidoras” de tratamentos, terapias e medicamentos, que
transformam o seu próprio corpo no alvo dos problemas que, na lógica medicalizante,
deverão ser sanados individualmente. Muitas vezes, famílias, profissionais,
autoridades, governantes e formuladores de políticas eximem-se de sua
responsabilidade quanto às questões sociais: as pessoas é que têm “problemas”, são
“disfuncionais”, “não se adaptam”, são “doentes” e são, até mesmo, judicializadas. aprendizagem e os modos de ser e agir – campos de grande complexidade e
diversidade – têm sido alvos preferenciais da medicalização. Cabe destacar que,
historicamente, é a partir de insatisfações e questionamentos que se constituem
possibilidades de mudança nas formas de ordenação social e de superação de
preconceitos e desigualdades.
O estigma da “doença” faz uma segunda exclusão dos já excluídos – social,
afetiva, educacionalmente – protegida por discursos de inclusão.
A medicalização tem assim cumprido o papel de controlar e submeter pessoas,
abafando questionamentos e desconfortos; cumpre, inclusive, o papel ainda mais
perverso de ocultar violências físicas e psicológicas, transformando essas pessoas em "portadores de distúrbios de comportamento e aprendizagem" (https://www.crprj.org.br/documentos/2010-manifesto_forum_medicalizacao.pdf ).
O texto que você me envia, ou melhor, uma parte dele coloca a via empírica como um lugar privilegiado de acesso ao entendimento dos sujeitos e sua relação com as categorias EMPÍRICAS do DSM. Vejamos:
A terceira versão do Manual, O DSM-III, publicado em
1979, apresentou diferenças em relação às duas primeiras
edições, sendo que a meta principal foi a adoção de um caráter "não teórico" (Pichot, 1994, p. 238) ou de um enfoque
descritivo "que tentava ser neutro em relação às teorias
etiológicas" (АРА, 1995, p. xvii). Ao lado disso, foram
introduzidas "inovações metodológicas, incluindo critérios
explícitos de diagnóstico [e] um sistema multiaxial" (АРА,
p. xvii). Na revisão de critérios de diagnóstico, foram incorporadas "observações mais diretas de padrões específicos
de comportamentos" (Ciminero, 1986, p. 3) e ampliadas as
categorias diagnósticas – de 182, apresentadas no DSM-II,
para um total de 265 (Morey, & cols., 1986, p. 59), que ao
lado de estudos de fidedignidade tornaram o DSM-III "menos ofensivo [aos behavioristas] em termos teóricos" (Hayes
& Follette, 1992, p. 345). No entanto, as mudanças conferidas
às categorias diagnósticas do DSM-III não foram consideradas suficientemente fundamentadas em dados empíricos.
"Dados empíricos" não podem explicar nada sobre a experiência humana.
Por oliver.prado
Iza, não tem como falarmos exatamente mesma língua, pois "empírico" tem significados muito distintos. Psicanálise e análise do comportamento embora sejam visões de mundo deterministas (diferentemente de fenomenologia e existencialismo) possuem enormes diferenças.
No que diz respeito a medicalização (uma discussão que vai além da psicanálise, análise do comportamento e psicologia) o texto deixa claro que um analista do comportamento faz sua análise de acordo com uma lógica que não é a do DSM/CID.
A singularidade tem um espaço privilegiado na análise do comportamento, todo o foco é na singularidade individual. Os indivíduos são únicos, com histórica de vida única. Mantém em comum uma história evolutiva da espécie humana e podem manter em comum uma mesma cultura, mas a história de cada um é sempre singular.
Num trabalho clínico tudo o que os sujeitos formulam sobre si (e o que eles fazem na presença do analista) é objeto de análise. Isso é comum no trabalho clínico, pois são as fontes de informação disponíveis. Se não fosse assim o que um analista do comportamento clínico estaria fazendo em uma sessão de psicoterapia?
Também se analisa o contexto maior do ambiente em que este sujeito está inserido, com todas estas questões que você colocou acima.
O problema da medicalização ou patologização da vida não estritamente relacionado a uma ou outra abordagem e nem relacionado apenas a psicologia. É uma postura política e não técnica.
Sua forma de abordar a questão tenta vincular "empírico" a "medicalização", e acha que "empirico" é algo necessariamente negativo, que não explica nada sobre a experiência humana.
Isso aponta para uma das diferenças entre psicanálise e psicologia (análise do comportamento incluída) e também nos compromissos de cada uma.
No campo do autismo isso fica bastante explícito:
Eu fico com a impressão que a psicanálise está fazendo uma clínica do autismo, ignorando o empírico e as demandas tanto da sociedade como das famílias e do próprio individuo autista, em prol de privilegiar as demandas do inconsciente deste. Do compromisso em mapear ou teorizar sobre quais são os recalques ou sintomas. (é correta a minha análise?)
Já a psicologia (usando metodologias da análise do comportamento) vai trabalhar com autismo numa perspectiva educacional e aprendizagem.
Vai se preocupar em ensinar habilidades de comunicação, em melhorar a qualidade de vida e inserir esse sujeito no mundo.
Não é uma clínica do autista e sim uma escola para o autista.
Agora estamos num nível possível de conversa, Oliver!
Repare que centenas de pessoas ( 149 até agora ) compartilharam este post, o que denota que o assunto lhes interessa. Sigamos com argumentos consistentes.
Falar sobre as práticas concretas e suas afiliações ético-políticas de modo respeitoso nos tira também de nossas radicalizações, eu por um lado e você por outro.
Não chegaremos a um pastiche de nossas escolhas, mas caminharemos pelas veredas do trabalho clínico propriamente dito. Aqui, a política também está entranhada de um modo profundo. O contexto, como vc chama esta dimensão, não está lá fora, mas entranhado na constituição subjetiva de cada um.
Inicio com uma pergunta: existem padrões de comportamento para a análise do comportamento?
Por oliver.prado
Olá Iza, vamos conversar. Eu estou aproveitando todas as oportunidades.
Na imagem acima estão representados "padrões" de comportamento. A partir de diferentes relações resposta-consequência, diferentes padrões de comportamentos são modelados.
https://en.wikipedia.org/wiki/Reinforcement#Schedules
Geralmente quando se pretende conhecer ou manipular estas propriedades do comportamento os estudos são feitos em laboratório. Estes padrões fazem parte também do nosso repertório, mas como as relações entre as pessoas e seu ambiente é muito complexa e histórica, nosso comportamento não se torna tão "padronizado" ou previsível em comparação ao comportamento no laboratório.
Um estudante que inicia o estudo para prova na véspera pode estar se comportando de acordo com um padrão chamado FI (a curva preta na imagem)
Já um vendedor que busca diariamente bater suas metas pode estar se comportando de acordo com um padrão chamado VR (curva vemelha)
Então sim, existem padrões de comportamento. Isso é tratado como um fato.
Agora deixa eu te fazer uma pergunta:
A psicanálise inegavelmente tem muito conhecimento útil produzido a partir da prática da própria psicanálise (ou em termos mais gerais, psicoterapia).
Esse conhecimento quando se mostrou relevante (em termos práticos e produzindo resultados) foi utilizado e adaptado pela análise do comportamento em uma de suas formas de psicoterapia.
Transferência e Contratransferência: uma visão comportamental https://www.redepsi.com.br/portal/modules/soapbox/article.php?articleID=108
Você acha que uma psicanálise ou que psicanalistas estariam dispostos a entender o que se faz com PECS, TEACCH e ABA e então se apropriar disso, adaptar e usar na prática com autistas?
Eu sei que existem "padrões de comportamento" para os analistas do comportamento e te perguntei justamente para que a resposta viesse de ti. E com apresentação de gráficos, que no entendimento deste modo de pensar constituem o que chamam de observação, quantificação e "cientificidade".
Aí está o EMPÍRICO de que eu falava. O problema é que a própria dimensão empírica já é sempre um amálgama de um modo de ver a realidade recheado de olhares que o contróem. Esses olhares não são "objetivos" nem em laboratório. A escolha do que é observado já tem a marca de um mundo que se quer explicitar.
Se buscamos padrões de comportamento, já os agrupamos segundo um modo de pensar, que não é diretamente acessível ao que olha. Eu diria que há numa classificação qualquer muito daquela dimensão incosciente que vcs tentam eliminar da experiência humana. A objetividade é ilusória, se for baseada nos parâmetros empíricos.
Como vc mesmo disse, o comportamento humano é complexo. E a singularidade não é algo que se soma de fora, ela é essencial. Ela não é apenas contexto histórico. É muito mais. Você conhece o trabalho de Maturana e Varella?
Por oliver.prado
Olá Iza, mas seria muita ingenuidade pensar que o olhar do cientista é "objetivo" no sentido de neutro, sem interesse ou isolado. A ciência é uma produção cultural e o cientista também se comporta, portanto seu comportamento está sob controles assim como o comportamento de qualquer outro.
A análise do comportamento é uma ciência do comportamento, possui uma filosofia (behaviorismo radical) que acredita que é possível estudar o comportamento cientificamente. Considera o comportamento como um fenômeno da vida e que este é determinado pelo ambiente (história passada e eventos presentes). Também rejeita o uso de entidades/conceitos mentais ou metafísicos para explicação do comportamento.
É nesse ponto que se "elimina" o inconsciente ou a mente.
Ex: Memória (entidade abstrata, mental ou fisiológica): não se utiliza este conceito para explicar nada, pois é apenas um rótulo (nome) de um comportamento.
Lembrar: descrição utilizada, pois envolve comportamento (ação), mesmo que seja comportamento privado (ocorre debaixo da pele, não é observável externamente, pode ser observado apenas pela pessoa que se comporta ou as vezes nem mesmo ela consegue se auto-observar)
O mundo da subjetividade ou o mundo dentro da pele, embora não seja observado publicamente e as vezes nem mesmo pela própria pessoa, é entendido como um mundo de natureza igual ao mundo externo observável. Nesse sentido não existe mente-corpo e sim um organismo inteiro.
Nesse artigo dá para saber mais:
O behaviorismo radical e a psicologia como ciência https://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1517-55452005000200009&script=sci_arttext
Esta visão de mundo da análise do comportamento certamente é diferente da visão de mundo da psicanálise, assim como as áreas de estudo e aplicação também são diferentes.
Por ser uma ciência do comportamento, é possível conhecer e intervir em qualquer contexto no qual "comportamento" esteja presente. Seja humano ou não-humano.
Também é possível utilizar do mesmo referencial para atuação em diferentes contextos de produção e aplicação de conhecimento: pesquisa básica com não-humanos, pesquisa básica com humanos, pesquisa aplicada com humanos e prestação de serviços profissionais.
Este é um dos diferenciais da análise do comportamento no tratamento do autismo.
O acúmulo de conhecimento permitiu desenvolver métodos e técnicas para ensinar diversos comportamentos geralmente ausentes no repertório dos autistas. Comportamentos fundamentais para sua melhor integração na família, escola e ambientes sociais diversos.
Desta forma mesmo com uma visão crítica (epistemologicamente falando), na hora da prática, isso não pode ser usado como argumento, pois a análise do comportamento é uma ciência reconhecida, é uma abordagem reconhecida na psicologia, segue o código de ética profissional e não usa de nenhum procedimento ilegal ou desonesto.
Também se for analisar a psicanálise do ponto de vista da análise do comportamento, será possível fazer uma série de críticas e muitas delas infundadas (pois não se conhece a psicanálise o suficiente).
Mas uma coisa é possível criticar em relação a psicanálise e autismo, sem entrar no mérito epistemológico.
A psicanálise foi construída em grande parte baseada na própria psicanálise (prática). E a prática da psicanálise supõe o analista, o paciente e o setting. Tudo o que o analista pode analisar vem do paciente. Portanto o paciente fala (mesmo sem ser com voz) com o analista.
No caso do autismo como a dificuldade do autista é justamente na comunicação e interação social, a quantidade de informações disponíveis ao analista é baixa. Corre maior risco de interpretar e ser contra-transferêncial. Isso se demonstra no fato de que a algum tempo atrás a psicanálise entendia que o autismo era fruto de conflitos com a mãe. (o que se demonstrou mais uma fantasia dos analistas do que algo que ocorre de fato).
Se por outro lado o psicanalista passar a considerar o autismo de outra forma e se focar em ensinar as habilidades de comunicação e interação para o autista, está no caminho certo, mas falta sistematização.
Como a sistematização (estruturação, descrição, objetividade) do trabalho é algo que não é típico do psicanalista, então as intervenções serão mais informais e irão demorar mais para dar resultado.
Veja este artigo:
O pensamento psicanalítico sobre o autismo a partir da análise da Revista Estilos da Clínica https://www.revistasusp.sibi.usp.br/scielo.php?pid=S1415-71282011000100002&script=sci_arttext
Um artigo de revisão, que infelizmente não apresenta o "como fazer" com os autistas. Tem bastante reflexão, mas pouca ação.
dimensão de humanização preconizada pela PNH – Política Nacional de Humanização…
Nossa conversa tomou o rumo da troca de saberes e da possível composição. Mas esta deve ser construída por nós e não apenas afirmada.
Pensarmos que há um campo de comum entre psicanálise e análise do comportamento não basta, é artificial enquanto desejo de composição das diferenças.
Iza
Por oliver.prado
Em relação a PNH não acho que existam problemas com nenhuma abordagem psicológica no trabalho desenvolvido em qualquer área. Isso são princípios que estão além de um referencial técnico ou teórico.
O do "Livro Negro da Psicopatologia Contemporânea"?
Para podermos conversar sobre a análise do comportamento e seus princípios estruturando os DSMs?
Aguardo tuas impressões…
Iza
Por oliver.prado
Vc mandou o artigo como?
Eu vi que é um capítulo de um livro. Tem versão digital?
Mas uma coisa vc pode ter certeza (e absoluta), princípios da análise do comportamento não estão estruturando DSM.
A relação que um psicólogo comportamental tem com o DSM ou o CID-10 (no caso do Brasil) é a mesma relação que qualquer outro psicólogo ou profissional da saúde tem: Este sistema de classificação é usado na saúde em diversos contextos e documentos.
Por Ricardo Teixeira
Não tenho condições (nem muito interesse) de entrar nessa discussão. Não sou psicanalista, nem behaviorista, nem muito menos psicólogo. No entanto, todos estamos autorizados a desenvolver, praticar, aprimorar a "arte da conversa".
Uma das marcas principais desta Rede, onde as visões sobre "humanização" e outras questões relacionadas ao campo da Saúde de do SUS são as mais diversas e, por vezes, contraditórias, é a imensa capacidade de diálogo e composição na diferença. É o tom sempre respeitoso e mutuamente admirativo que pauta todas as conversações. A visão mais comum e amplamente compartilhada que temos de "humanização", nesta comunidade, é, sem dúvida, de que o que primordialmente nos humaniza é a capacidade de compor na diferença, amorosamente, assentados sobre afetos aumentativos da nossa potência.
Ao ler os comentários do colega "comportamentalista", o primeiro efeito/afeto que sentimos é de tristeza, de diminuição da potência, pelo tom agressivo, desqualificador e obstrutor da interlocução. "Argumentações" que recorram a predicados como "PSICANALHISTA" não chegam a ser intelectualmente brilhantes… Considero, ademais, bastante anacrônica, epistemologicamente, a separação entre "debate técnico" e "político" (ainda mais num campo de questões propriamente "humanas"), mas seja o que for que o colega queira dizer com "debate técnico", não posso conceber que seja um debate eivado por esse tipo de "comportamento" tão pouco civilizado. E é ele que fez desse debate, um debate inarredavelmente "político" e, infelizmente, no pior sentido dessa palavra.
Curiosamente, em paralelo a este "debate", foi publicado outro post em nossa Rede por uma colega psicanalista (https://redehumanizasus.net/59407-a-contribuicao-etica-da-psicanalise-para-a-sociedade-atual). É inevitável contrastar a elegância e sofisticação da escrita desta colega, com a "feiura" dessas colocações "comportamentalistas". A gente fica se perguntando: será essa a contribuição ética do behaviorismo para a sociedade atual?
Afinal, qual é a contribuição ética do behaviorismo para sociedade atual?
Saudações humanáuticas!
Ricardo
Por oliver.prado
Ricardo e qual é a contribuição (qualquer) que se permite que o behaviorismo faça para a sociedade atual???
Se toda esta movimentação está sendo feita justamente para boicotar a análise do comportamento??
Estão movimentando deus e o mundo unicamente pelo fato de que um edital está especificando que metodologias da análise do comportamento devem ser utilizadas no tratamento do autismo.
A análise do comportamento a décadas produz pesquisas (básicas e aplicadas) e tem farto material para treinamento e qualificação profissional para trabalho nesta área.
Os familiares dos autistas conquistaram o direito de receber tratamentos de qualidade na justiça e nem assim pessoas que se dizem "humanas" concordam com isso.
É obvio que minhas mensagens tem um tom agressivo, pois a psicologia e a análise do comportamento estão sendo agredidas e de forma perversa.
O texto publicado aqui apresenta essa agressão e usa o CRIA como mote. O que não se fala é que o CRIA também é um serviço terceirizado. Que profissionais que trabalham no CRIA não estão lá através de concurso público.
Eu não estou escrevendo aqui para agradar ou falar bonito, estou aqui enfrentando forças hegemônicas históricas. Enfrentando o status quo que se nega a aceitar qualquer coisa que seja diferente de sua própria visão.
Amanhã haverá o II Encontro Paulista de Caps na Faculdade de Saúde Pública. Será um encontro preparatório para o encontro nacional e uma oportunidade para se pensar e construir estratégias de enfrentamento deste triste modo de lidar com as diferenças.
Iza
Por oliver.prado
Mais triste é saber que neste encontro não haverá oportunidade para que nenhum contraditório possa se manifestar.
O triste modo de se lidar com as diferenças funciona assim:
Quando os psicanalisas estão no comando das organizações e permitindo que apenas psicanalistas sejam contratados (seja concursado ou terceirizado) então tudo é ético, humano, correto. Os médicos psicanalistas também são humanos. Quando medicam, a medicação é adequada.
Quando algo diferente surge e ameaça o status quo da psicanálise, então é necessário enfrentar, mobilizar e criticar. O modo de fazer isso é sempre pela política e nunca pela técnica.
São Paulo, 29 de novembro de 2012.
À Secretaria Estadual de Saúde
Ao Secretário de Estado da Saúde Prof. Dr. Giovanni Guido Cerri
Ao Chefe de Gabinete – Dr. Reynaldo Mapelli Jr.
Ao Coordenador de Saúde Mental – Dr. Sergio Tamai
Ao Superintendente do Hospital São Paulo – Prof. Dr. José Roberto Ferraro
Ao Coordenador do CRIA – Prof. Dr. Raul Gorayeb
À Equipe técnica do CRIA
Ref. Despacho GS-SM n. 4465/2012 de 2/5/2012.
Tivemos notícia do encerramento abrupto de convenio que possibilitava o funcionamento, desde 2002, dos serviços de atendimento oferecidos pelo CRIA – Centro de Referênca da Infância e Adolescência. Esse serviço é reconhecido como modelo de atendimento a pacientes que vivem situações graves de sofrimento psíquico e, também, como campo de pesquisa e formação de novos profissionais. Os argumentos utilizados pelo ofício enviado por essa Secretaria fazem referência ao número de atendimentos e ao fato da "abordagem ser essencialmente psicanalítica, fugindo um pouco do mainstream da psiquiatria atual". Além disso, anunciam a criação futura de 5 Centros de Referência em Diagnóstico e Tratamento para os transtornos de espectro autista.
Preocupa-nos o fato de que o saber e a experiência acumulados durante tantos anos de investimento e pesquisa possam simplesmente ser descartados sem que se leve em conta o já constituído para a criação e ampliação de outros serviços de referência. Preocupa-nos mais ainda que se sectarize o atendimento, tomando como norma a discriminação por patologias, sendo que vivemos, no campo da saúde mental e da educação, uma preocupação constante com os procedimentos que favoreçam a inclusão e o reconhecimento legítimo da convivência com as diferenças, sem que isso signifique a desconsideração por condutas específicas em momentos determinados.
Nesse sentido, não concordamos, também, com a eficácia de um possível "mainstream da psiquiatria atual"; não há um único campo de saber que possa, isoladamente, dar conta desses atendimentos. A diversidade dos sujeitos humanos e as facetas de seus sofrimentos não se resolvem pelas afirmações corporativistas da psiquiatria atual, ou de qualquer outra disciplina. É significativo que, já desde o início do século XX, as experiências pioneiras das primeiras equipes multidisciplinares e uma série de projetos pilotos que se implantaram em convênio com a própria Secretaria de Saúde, durante a década de 70 (1970), têm sido até hoje, reconhecidas como experiências de formação onde se valoriza o saber de diferentes especialidades e a criação de modalidades múltiplas de atendimento: trabalhos com famílias, intervenções nas escolas, em centros de lazer, em oficinas etc. O que se produziu através desses serviços não se mede apenas quantitativamente ou, se pudéssemos reconhecer sua multiplicação no saber de outros serviços, sua quantificação seria muito mais significativa. É desta forma que entendemos a multiplicação e a eficácia do que podemos nomear como "projetos pioneiros".
Somos uma instituição que tem entre seus princípios básicos, ser um centro multidisciplinar de reflexão, um lugar permanente de formação, trabalho e intensificação da postura crítica, cooperando com o desenvolvimento das ciências e implementando pesquisas, cursos e serviços vinculados à realidade brasileira e voltados também para o desenvolvimento de políticas públicas de saúde mental. Este Instituto tem implementado uma série de práticas em seu espaço interno voltadas ao atendimento clínico da população e à diversidade de formações e pesquisas. Tem também, múltiplas intervenções de atendimento, supervisão e formação no espaço comunitário e nos serviços públicos.
Nas décadas de 1980 e 1990 firmamos convênio com a própria Secretaria de Saúde do Estado e com a Secretaria Municipal, onde uma equipe significativa de psicanalistas coordenou trabalhos de supervisão, acompanhamento e formação dos trabalhadores de diferentes equipamentos de atendimento em Saúde Mental, pois, sempre entendemos que a psicanálise não é uma prática elitista e reducionista como pode fazer crer a afirmação de uma certa área do saber psiquiátrico atual. Continuamos afirmando nossos princípios e desenvolvendo trabalhos de formação na rede pública, por meio de convênios ou parcerias. Nessas atividades, estão envolvidos profissionais de várias abordagens teórico-clínicas, inclusive psicanalistas, já que não haveria justificativa para desconsiderar o conhecimento produzido por estes saberes.
Somos solidários com a indignação da equipe que sofre um atravessamento tão abrupto de seu trabalho. Somos solidários com a população até então atendida e que perde um importante lugar de acolhida. E queremos propor um espaço de discussão maior sobre esse ato da Secretaria, um fórum onde possamos trabalhar as questões pertinentes aos modelos possíveis de atendimento e, onde, diferentes profissionais possam ter lugar de fala para o que está atualmente sendo pesquisado, reconhecido e proposto.
Por último, considerando as ideias expostas acima, gostaríamos de expressar ainda enfaticamente nossa discordância e oposição à exigência do Edital de credenciamento de instituições para o tratamento dos "transtornos do espectro autista" de que os profissionais deveriam pautar-se exclusivamente pela linha cognitivo-comportamental.
Atenciosamente,
Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.
Departamento Formação em Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae.
Departamento Psicanálise da Criança do Instituto Sedes Sapientiae.
Curso de Psicossomática Psicanalítica do Instituto Sedes Sapientiae.
Clínica Psicológica do Instituto Sedes Sapientiae
Diretoria do Instituto Sedes Sapientiae.
Por oliver.prado
Nesta carta existem dois pontos importantes que foram ignorados:
1- O CRIA (como qualquer outra instituição que recebe verba pública) não tem autonomia e não está a parte do que ocorre na sociedade. O estado brasileiro precisa ofertar políticas públicas para autismo e o CRIA deveria (sob a ótica do estado) ofertar tais serviços, mas era generalista. O estado já possui uma rede generalista (atenção primária) e foi processado judicialmente para oferecer tratamento para autismo.
2- Não estão envolvidos profissionais de várias abordagens teóricas. No site do CRIA estão listados apenas psicanalistas e um existencialista. É fato que um psicólogo analista do comportamento nunca seria aceito no CRIA.
Logo, a conclusão é que quando o monopólio e o controle está na mão de psicanalistas tudo é muito belo, correto, ético não-medicalizante, lindo, e humano.
Não se questiona como que isso foi construido, como que o estado permitiu isso (exclusividade da psicanálise no CRIA)
Quando outra abordagem é especificada, então é feio, desumano, medicalizante, não é ético, etc etc.
Por Ramos
Acompanhei a discussão entre a Iza e o Oliver e gostaria de fazer algumas considerações.
O Oliver tem razão quando sustenta a eficácia do comportamentalismo enquanto técnica terapêutica. O comportamentalismo é bem mais eficaz, enquanto técnica, do que a psicanálise. De fato, apresenta resultados. Apraz-me também o fato de que Skinner relativiza muito a importância da genética, e prioriza mais em suas análises os fatores ambientais presentes na vida do indivíduo. “Dê-me uma criança recém-nascida que a transformarei em um gênio ou em um assassino”, teria dito Skinner numa palestra em Havard.
Por outro lado, toda técnica pressupõe uma concepção de homem, implícita ou explicitamente. Qual é a concepção de homem que o comportamentalismo abraça?
Acredito que é a ideia de que a natureza humana é condicionável e modelável através de punições e gratificações (essas últimas eram, para ele, muito mais eficientes). O comportamentalismo radical de Skinner propiciou um grande avanço na formação de técnicas e estratégias de mudança de comportamento, mas, ao mesmo tempo, a sua opção por abordar a natureza humana unicamente através do que for objetivamente observável, quantificável e mensurável levou-o a negar aquilo que é mais especificamente humano, como a subjetividade e a liberdade.
Numa de suas obras clássicas, WALDEN II, ele cria um modelo ideal de sociedade – sem violência, bandidos ou heróis, autoridade, privilégios ou classes sociais. E revela o seu fascínio por todos os regimes que foram bem sucedidos no planejamento, controle e docilização de corpos e mentes. Apresenta uma sociedade em que tudo funcionaria muito bem, pelo menos na visão do seu idealizador, o Sr. Frazier. Walden II seria a realização de uma utopia comportamentalista bem sucedida.
Em Walden II, Skinner revela o que pensa a respeito da liberdade. Aí, aparece um diálogo entre Frazier (o todo-poderoso que planejou e dirige esta utopia comportamentalista) e o Castle, um crítico das formas de controle biopolítico. Frazier o conduz até o alto de uma colina, onde se senta no “Trono”. De lá, pode ver e controlar tudo o que se passa em Walden II.
“— Chamamos este lugar de "Trono", disse ele (Frazier), ajustando a lente ao olho. Praticamente, toda Walden II pode ser vista daqui.
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Eu subo aqui ocasionalmente para me manter em contato com as coisas. Exatamente agora estou vendo a fundação de um novo armazém logo ao norte da garagem. Eles parecem estar armando o fim do concreto esta manhã. E ali está Morrison novamente no chiqueiro. Mais inseminações, acho. E logo ali. . . um carregamento de couve crespa para o aviário… O gado está longe no pasto hoje. Por que será?… E ali está o carteiro lutando com seu velho Ford pela colina. Nosso rapaz deveria… sim, ali está ele… esvaziando a caixa na cesta de sua bicicleta… O milho parece bom. Acho que nós poderemos irrigar sempre dessa maneira. Isso economizaria muito. . . Algo parece errado com o cultivador. Parando e recomeçando. Não, lá vai ele. Não, está parando de novo. Alguém tendo uma aula, imagino… Ali está a velha senhora Ackerman passeando novamente. E deve ser Esther com ela. (A cena não lembra o Panóptico de Bentham?)
(…)
— Deve ser uma grande satisfação, eu disse finalmente. Um mundo de sua própria autoria.
— Sim, disse ele, olho o meu trabalho e, veja, ele é bom.
Ele estava deitado de costas com os braços abertos. Suas pernas estavam retas, mas os joelhos estavam ligeiramente cruzados. Deixou a cabeça pender molemente para um lado, e eu pensei que a barba tornava-o um pouco parecido com Cristo. E então, com um choque, vi que ele tinha assumido a posição de crucificação. Eu estava extraordinariamente pouco à vontade, meu coração estava ainda palpitando de minha escalada rápida e do meu susto quando alcançamos o precipício. E, por tudo que sabia, o homem a meu lado devia estar ficando louco.
— Assim você não pensa que é Deus, disse hesitantemente, esperando esclarecer a questão.
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— Há uma curiosa semelhança, disse ele.
Sofri um momento de pânico.
— Consideravelmente menos controle no seu caso, imagino, disse eu, tentando adotar um tom casual.
— De jeito nenhum, respondeu, olhando para cima. Pelo menos, se acreditarmos nos teólogos. Pelo contrário, é o oposto. Você deve se lembrar de que os filhos de Deus sempre o estão desapontando.
— Ao passo que você está no comando completo. Bem, felicito-o.
— Eu não digo que nunca fique desapontado, mas imagino que o fico com freqüência muito menor do que Deus. Afinal, olhe o mundo que Ele fez.
— Uma piada é uma piada, disse eu.
— Mas eu não estou fazendo piada.
— Você quer dizer que pensa que é Deus? disse eu francamente, decidindo abrir o jogo.
Frazier fungou de desgosto.
— Eu apenas disse que era uma similaridade curiosa, ele disse.
— Não seja absurdo.
— Não, realmente. O paralelo é muito fascinante. Nosso amigo Castle está preocupado com o conflito entre a ditadura a longo prazo e a liberdade. Não sabe que está simplesmente levantando a velha questão de determinismo e livre arbítrio? Tudo o que acontece está contido num plano original, ainda que, a cada estágio, o indivíduo pareça estar fazendo escolhas e determinando a saída. O mesmo se aplica em Walden II. Nossos membros estão praticamente sempre fazendo o que querem fazer — o que eles escolhem fazer — mas nós cuidamos para que eles queiram fazer precisamente as coisas que são melhores para eles e para a comunidade. Seu comportamento é determinado, ainda que eles sejam livres.
— Ditadura e liberdade — determinismo e livre arbítrio, continuou Frazier. O que é isso senão pseudo-questões de origem lingüística? Quando perguntamos o que o Homem pode fazer do Homem, nós não queremos dizer a mesma coisa por "homem" em ambos os casos. Queremos perguntar o que alguns poucos homens podem
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fazer da humanidade. E esta é a questão central do século XX. Que tipo de mundo podemos construir — nós que entendemos a ciência do comportamento?
— Então Castle estava certo. Você é um ditador, afinal.
— Não mais do que Deus. Ou menos. De um modo geral, deixei as coisas correrem. Nunca dei um passo para apagar os maus trabalhos dos homens com um grande dilúvio. E nem mandei um emissário pessoal para revelar o meu plano e pôr o meu povo de volta no caminho certo. A intenção original considerou os desvios e providenciou correções automáticas. É uma melhora sobre o Gênese.”
A impressão que me ficou, quando li Walden II, há alguns anos, foi a de que para Skinner a liberdade é a ilusão de uma marionete que pensa ser livre simplesmente porque não vê os fios que a aprisionam e comandam. E o objetivo do comportamentalismo é justamente descobrir quais são esses fios para melhor controlar o comportamento humano.
O tema da liberdade tem a ver com os processos de humanização? Tem tudo a ver. Uma sociedade em que não haja liberdade é desumana. Todas as revoluções que provocaram rupturas e elevação do nível e da qualidade da vida social se fizeram em nome da liberdade. “Igualdade, liberdade, fraternidade” – os lemas da Revolução Francesa influenciaram todas as constituições pelo mundo afora que se pretendiam avançadas.
Por outro lado, a opção metodológica pelo que é observável, quantificável e mensurável acarreta necessariamente uma negação da subjetividade – que é o que nos diferencia dos animais – e da espiritualidade. Para mim, negar a subjetividade e a espiritualidade é empobrecer o homem no que este tem de mais característico e, nesse sentido, é desumanizá-lo. Sob esse aspecto, eu diria que a psicanálise, desde o seu nascedouro, foi a guardiã da subjetividade e contribuiu substancialmente para a o reconhecimento do homem enquanto sujeito e a dignificação dos tratamentos, muito embora tenha negado a dimensão do sagrado (que Jung resgatou).
O comportamentalismo está a favor da desumanização do homem, como esses trechos de Skinner parecem sugerir? Enquanto técnica, não. Pode tanto ser usado para condicionar quanto para promover mudanças libertárias. Eu pessoalmente faço uso de técnicas comportamentais associadas a uma escuta do inconsciente com grande proveito e resultados surpreendentes.
Mas há uma afinidade ou ressonância entre as estratégias colonialistas dos processos de medicalização da vida com o desejo skinneriano de um controle biopolítico plenamente eficaz. Nesse ponto, penso que a Iza tem razão.
Existem três questões que, embora não estejam sendo discutidas, servem de pano de fundo a este debate: 1) o que é o homem; 2) o que é a realidade e (3) o que é ciência. Dependendo das respostas formuladas para essas questões, teorias, metodologias e estratégias de intervenção podem ser construídas e elaboradas.
As pessoas são diferentes e possuem preferências as mais diversas. Cada técnica terapêutica tem a sua especificidade e o ideal, a meu ver, seria que se pudesse oferecer um amplo leque de opções para atender às múltiplas demandas.
Bem lembrado, querido amigo e interlocutor muito especial!
Observar o comportamento é uma prática nada inocente.
Esquadrinhar e classificar pode parecer uma tentativa de compreender os fenômenos, mas o que subjaz como critérios deve ser objeto de análise filosófico-política.
Toda intervenção do observador é constitutiva daquilo que é observado.
Por Ramos
Querida amiga,
Percebi isso casualmente ao analisar os temas escolhidos pelos alunos para a monografia de final de curso e as dissertações de mestrado. Ao indagar deles o motivo da escolha do tema, percebi que, na maioria das vezes, o aluno estava tentando através de uma temática entender a si mesmo. As escolhas que nós fazemos, no fundo, são movidas por um desejo secreto de saber quem somos. Um bipolar escolheu ser meteorologista (para estudar e prever as mudanças do tempo); um colega meu muito estressado optou por fazer a monografia do seu curso de física sobre o tema "as propriedades termodinâmicas da panela de pressão"; eu escolhi estudar o mito de Narciso no doutorado porque era muito centrado em mim mesmo, e por aí vai. Como disse o Picasso, toda pintura é um autoretrato.
Grande abraço!
Por oliver.prado
Iza, mas o que é inocente neste mundo?
Eu não sou psicanalista, mas conheço um pouco da psicanálise e um pouco mais dos psicanalistas.
Algo que os psicanalistas sabem fazer muito bem é não mostrar nenhuma carta. Isso se faz na atividade de psicanálise e também se faz na atividade acadêmica e nas discussões.
Percebeu que vc mais perguntou e interpretou do que explicitou algo??
A discussão não evolui neste sentido.
Se for para criticar do ponto de vista de outro referencial a psicanálise (enquanto uma psicologia) é a mais fácil de criticar:
Desenvolvida por médicos (na lógica da causa obscura e sintoma visível)
Construiu a maior parte do seu conhecimento baseado em pessoas com doenças e patologias (é uma teoria patologizante)
Avessa à regulamentação (não gosta de seguir normas sociais, se coloca a parte da sociedade)
Não estabelece objetivos (não demonstra compromisso com as necessidades nem do usuário do serviço nem da sociedade)
Não aceita cobranças por resultados (acusa isso de ser desumano)
Faz formação em pirâmide: para ser psicanalista precisa ser analisado por psicanalista "didata" 3 vezes por semana
Cria sub-grupos e divisões internas: psicanálise francesa, inglesa, dentre outras
Atribui o fracasso do trabalho ao usuário do serviço: resistência, transferência, patologias
Não considera o contexto do usuário nas análises: atende a criança com problemas, mas não orienta os pais, não orienta escola, interessa "apenas" o que a criança apresenta na análise
As minhas colocações estão corretas e precisas? acredito que parte delas não estejam do ponto de vista de alguma psicanálise. Mas e ai? para onde isso vai se ficarmos discutindo isso? Para lugar algum pois nunca isso levou a lugar algum
Se vamos debater, precisamos ter um assunto (que eu acredito que é tratamento do autismo) e todos precisam apresentar seu ponto de vista e não apenas acusar o outro ponto de vista de ser "veladamente" desumano.
Fazer isso é psicanalisar o outro
Por oliver.prado
Ramos, é muito comum a confusão entre o behaviorismo radical de skinner com as primeiras versões do behaviorismo ou o behaviorismo metodológico de Watson (a frase que você citou é atribuída a Watson e não a Skinner).
Estudos recentes estão levantando a hipótese de que nem mesmo Watson tinha a visão atribuída a ele.
Para discutir as questões que você coloca é necessário conhecer a obra de Skinner e conhecer o behaviorismo radical. Recomendo a leitura dos artigos que coloquei aqui e outros também.
Sobre liberdade, até onde sei a psicanálise trabalha com a noção de que não existe liberdade, que somos determinados (por forças inconscientes ou psíquicas).
É uma discussão filosófica e não entra no mérito das "liberdades civis".
Ex:
Se vc vai almoçar e escolhe carne ao invés de peixe. Essa sua escolha não é livre, não ocorre desvinculada de outros eventos. É possível escolher e isso é uma liberdade, mas não é possível escolher livremente (no sentido de que é um evento isolado de outros)
Também reconhecendo que o comportamento sempre está sob controles a função da análise do comportamento é de conhecer tais controles. De demonstrar que eles estão controlando.
Ignorar os controles produz uma falta sensação de liberdade, mas permite que os controles continuem a existir!!
Logo o compromisso da análise do comportamento e do behaviorismo é o mais humano neste sentido. (isso em todas as esferas, seja individuais, grupo, sociais ou globais)
Walden II é uma obra de ficção, é uma utopia e é uma obra mais romântica do que técnica. Skinner sempre sonhou em ser um escritor de romance, mas não tinha jeito para essa atividade e então foi ser psicólogo. Para ler Walden II sem conhecer mais a fundo a obra de skinner ocorrerão problemas como o que você coloca. Uma ideia distorcida da obra (inclusive da obra de ficção)
Além disso não é possível analisar uma ciência, uma filosofia, uma tecnologia do ponto de vista de outra ciência. Não existe apenas uma forma de se entender o mundo e é preciso permitir que outras formas de ver o mundo existam.
Eu não tenho dúvidas (pois é algo histórico) que a análise do comportamento e o behaviorismo sofrem preconceito e exclusão por pessoas de outras abordagens pois não conseguem (e não querem) entender a obra dado que não se desprendem de um referencial que é diferente deste
Por Shirley Monteiro
Que coisa bem boa o Ramos entrar nessa conversa ! Amplia o longo debate que envolve a Psicologia para além da Psicanálise e do Behaviorismo.
Sem contar que, hoje temos várias vertentes da Psicanálise, desdobramentos assim como na Cognitivo-Comportamental. Sobre esta sei que, para a especificidade de atividades de vida diária- AVD's esta ultima oferece bons resultados para os Autistas; no entanto não consegue abarcar toda a complexidade de cada criança dita "autista" sozinha. Inclusive o diagnóstico para uma criança ser considerada autista, é delicado pois há Síndromes outras muito sobrepostas como Asperger, Prader Willy, com certa instrospecção e dificuldade de interação interpessoal, por isso, esse Post me remeteu ao CRI- uma Instituição em que por 19 anos trabalhei, em equipe interdisciplinar, Psicólogos eramos 8 a 9, cada um em uma abordagem diferente : Vegetoterapeutas ( Neo-Reichianos), Psicanalistas,Gestaltistas, Junguianos; e sabíamos que, mais do que a técnica e a formação na abordagem escolhida o que vale mesmo é o vínculo, a postura do psicoterapeuta de empatia e aceitação.
Este Post me remeteu aos ensinamentos básicos de formação na Psicologia, e o aprendizado de que nenhuma das Abordagens e escolas da Psicologia, é capaz sózinha de abarcar a dimensão do humano e das subjetividades em sua singularidade.
E aí encontro o Ramos, Prof do 1º ano na disciplina de Filosofia; e anos depois Coordenador da formação em Grupo Psicoterapêutico de Estética Existencial, um Grupo inesquecível, em que com muita arte e respeito aos princípios filosóficos podemos vivenciar profundamente algumas abordagens psicoterápicas que se complementam sem amarras racionalizantes, mas com profundidade vivencial e no coletivo.
Enfim, a biopolítica está aí, mas a subjetividade estará sempre alerta, em caminhos proprios e diversos. Destaco as palavras de Ramos:
" Para mim, negar a subjetividade e a espiritualidade é empobrecer o homem no que este tem de mais característico e, nesse sentido, é desumanizá-lo. Sob esse aspecto, eu diria que a psicanálise, desde o seu nascedouro, foi a guardiã da subjetividade e contribuiu substancialmente para a o reconhecimento do homem enquanto sujeito e a dignificação dos tratamentos, muito embora tenha negado a dimensão do sagrado (que Jung resgatou)…"
Para mim, a diversidade é sagrada ! E digo, isso com este exemplo, o CRI está lá, acolhe e estimula crianças e adolescentes a potencializarem suas capacidades, Crianças Autistas,com S. de Asperger, com Síndrome de Down, Klinefelter, genitália ambígua, Prader Willy, epilepticas, Distrofias Musculares, e 58 % com diagnóstico indefinido, socializam-se, avançam cada uma em seu ritmo na vida e no aumento de suas capacidades em perceber o mundo, ainda que sim, dentro de suas limitações específicas, as vezes amplas até. E a diversidade de nossas formações de Abordagem em Psicologia, é um ponto a favor nessa Equipe Interdisciplinar em que Psicologos, Terapeutas Ocupacionais, Fonos, Fisioterapeutas e medicos trabalham e pensam juntos. Porque como diz Jung:
" Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana."
Carl Jung
"Uns sapatos que ficam bem numa pessoa são pequenos para uma outra; não existe uma receita para a vida que sirva para todos."
Carl Jung
Assim como não há nenhuma abordagem psicoterapêutica, que seja adequada para todos os Autistas, ou qualquer pessoa.
Também eles, são diversos e singulares entre si e entre nós !!
Shirley Monteiro.
Por oliver.prado
Olá Shirley, veja que interessante:
tudo é belo desde que se exclua a análise do comportamento (na diversidade que você apresenta ela está excluída) e também tudo é belo e poético quando tornamos o mundo concreto como algo abstrato e quando estamos todos de mãos dadas ignorando o resultado do nosso trabalho.
Para autistas a abordagem não é clínica, é educacional.
E obviamente uma metodologia apenas não vai dar conta de todo fenômeno ou contexto, mas é ai que está o cerne da questão:
Se existem fortes evidências que as metodologias da análise do comportamento produzem resultados para o autismo, porque o pessoal do "belo, diverso, humano, poético" não tem interesse em APRENDER essas metodologias??
Logo, a conclusão é clara: O objetivo é excluir e demonizar a análise do comportamento, mas isso é feito com muita sutileza, com imagens bonitas, com uma aparência humana.
Por Ramos
Beleza, Shirley!
Pertencemos ao ecossistema da psicodiversidade e do respeito às diferenças.
Obrigado pelas palavras generosas.
Abraços,
Ramos
Por Vinícius Garcia
!
Vejam o relato do pessoal do Butantã:
"Após pressão, Dr. Alckmin recua do fechamento de serviço de saúde mental.
Estava anunciado o fechamento do CRIA (Centro de Referencia a infância e adolescência ), mas após pressão, Dr. Alckmin, através de sua Secretaria de Saúde, recua do fechamento de serviço de saúde mental que atendia pacientes de alta complexidade
Funcionários foram obrigados a assinar a demissão, crianças como pacientes sofrendo as conseqüências do stress e familiares estavam desnorteados pela falta de informações sobre a seqüencia do tratamento, preocupadíssimos com o encerramento do tratamento de seus filhos
A explicação do Governo Estadual de improdutividade, de falta de metas no numero de atendimentos era a razão alegada ao fechamento, inclusive com data para acontecer.
O CRIA é privatizado pela SPDM. O Fórum Popular de Saúde é contra qualquer forma de privatização, defende o SUS como o único sistema de saúde pública e estatal
O sintoma político que gerou este problema do CRIA aponta a importância de um sistema publico pensado e fundamentado fora das leis do mercado e da margem de lucro, até porque paciente complexo dá prejuízo!!!! , Assim é impossível ficar em silencio diante deste absurdo de demitir trabalhadores com argumentos arbitrários e ainda fechar um serviço clinico ligado a pesquisa, tão essencial para analises consistentes de políticas públicas e no avanço da assistência dada à população de São Paulo, tão carente de vagas na saúde mental
Foi com este contexto que o Fórum Popular de Saúde entrou nesta luta!
A primeira ação foi que um fato absurdo como este não poderia estar escondido da população. Fizemos a denuncia na imprensa através do site SPpresso ( https://www.spressosp.com.br/2012/12/os-fechara-unidade-de-saude-psiquiatrica-em-sao-paulo/)depois, protocolamos denúncia no Ministério Público Estadual. E junto com uma comissão de trabalhadores e familiares articulamos com o Deputado Marcos Martins, que o fechamento do CRIA fosse pautado em caracter extraordinário na Comissão de Saúde, da qual ele é presidente, devido ao grande dano que a população sofreria.
Quase incrédulos, a maioria dos deputados presentes receberam a informação e decidiram convocar a Secretaria Estadual de Saúde, o assessor de saúde mental, o Ministério Publico, o Conselho Tutelar da Criança. Frases desconsoladas foram feitas de puro susto, diante da gravidade – "Ninguém quer atender adolescentes, esses profissionais querem! E nós vamos tira-los?" , 'Eu, Dep Thelma de Souza lutei muito pelas condições e direitos das pessoas que sofrem com problemas de saúde mental , jamais vou calar diante de um sofrimento como o que essa mãe nos trouxe! Conte com minha força, meu mandato, seu problema me comoveu muito!'
Estas ações repercutiram. A matéria do site teve muitos acessos! A denuncia na Comissão de Saúde ganhou a capa do Diário Oficial.
Com tudo isso, o governo recuou e o CRIA não mais será fechado no fatídico dia dez de dezembro , uma incoerência de uma ironia atroz, já que é o Dia Internacional dos Direitos Humanos ( Ato 10D – Os dez direitos que não existem em São Paulo https://www.facebook.com/events/376218249130121/, no MASP ) – os trabalhadores serão mantidos nas suas funções!
Estamos de olho ! No cumprimento dessa decisão e também acompanhando, para que jamais aconteça perseguição às pessoas que procuraram o Fórum Popular de Saúde. Afinal que psicanalista queremos para nós, os cidadãos? Os que se acovardam diante da injustiça ou os que lutam pelos seus pacientes? Basta de demissões, pois em uma Organização Social toda demissão é política
O Fórum foi convidado depois de seis meses de luta desses trabalhadores para ajudar, chegou diante da gravidade de uma destruição social e com um prazo muito curto -dez dias – mas conseguiu mostrar a importância aos trabalhadores dos caminhos de uma sociedade que se organiza em defesa da preservação de direitos – tanto dos pacientes como deles,os trabalhadores. E conseguimos a vitória!
Mas também foi fundamental , as diretrizes da psicanalista Aida Schwab, assessora do Fórum, a união de profissionais e seus outros colegas e instituições da área da saúde, as maes, os familiares e amigos dos pacientes para fortalecer a disposição das pessoas de lutarem pelo que elas acreditam e defenderem um serviço tão importante.
É lamentável a postura da privatizadora SPDM, que, nas negociatas com o poder público não foi capaz de defender o serviço da qual é gestora e também seus trabalhadores. Precisou o Fórum Popular de Saúde fazer isto! E temos muito orgulho de fortalecer o poder popular e a clareza que este absurdo é mais um argumento para o fim das Organizações Sociais e chegará o momento que este serviço e estes trabalhadores, tão importantes, serão vinculados diretamente com a gestão pública, enriquecendo o SUS – Sistema Único de Saúde".
Por oliver.prado
Iza, e agora o que vai ocorrer no CRIA? Irá continuar exclusivamente na diversidade psicanalítica (ou no máximo psicodinâmica)? Haverá algum tipo de auto-crítica?
Nesse caso é preservação de direitos de pacientes e trabalhadores?
Manter o CRIA é legal, mas se existir uma outra instituição que não tenha psicanalista então é desumano?
Me explica isso por favor.
Por Vinícius Garcia
No prontuário de uma criança de dez anos com um transtorno autístico severo, cujo atendimento iniciei em março deste ano, constam registros sessão a sessão de um tratamento anterior, realizado por dois anos por um profissional que adota orientação teórico-clínica psicanalítica.
A criança começou a exibir a topografia autolesiva de dar tapas na própria cabeça e bater a cabeça no chão no primeiro dos dois anos do tratamento psicanalítico. Os problemas continuaram no restante do tratamento. Nos registros de prontuário, há relatos que considero injustificáveis, como, por exemplo, o procedimento de imitar a criança quando ela dava tapas na cabeça. Fico imaginando a cena: a criança começa a se dar tapas na cabeça e o profissional começa também a dar tapas na própria cabeça. Coisa de louco…
Realizei uma avaliação funcional dos comportamentos autolesivos com métodos indiretos e descritivos (entrevistas e observação direta). Após 15 dias, depois de aumentos iniciais previstos, sobre os quais os familiares haviam sido devidamente alertados, a criança parou de dar tapas na cabeça e de bater a cabeça no chão, iniciando comportamentos alternativos em contextos de comunicação nas relações sociais, resultado que se mantém ainda hoje, após nove meses da intervenção, na qual foram utilizados procedimentos de extinção e reforçamento diferencial de comportamentos alternativos.
Lendo os registros de prontuário do profissional psicanalista, além do absurdo da imitação do comportamento autolesivo, fica evidente também que ele contribuiu para manter o comportamento autolesivo da criança, ao consequenciar com atenção imediata principalmente a topografia bater a cabeça no chão, de modo muito semelhante a como a mãe da criança vinha fazendo.
Quando relatei ao profissional psicanalista os rápidos resultados da intervenção com a criança, ele respondeu: "Mas, também, houve uma base boa anterior". Acho difícil que consigam imaginar minha expressão facial na hora…
Quando perguntei ao psicanalista o que afinal ele pretendia com a imitação do comportamento autolesivo, ele me respondeu que pretendia “produzir um estranhamento da criança”. Independente do que ele tenha produzido, o que fica patente é que ofereceu um tratamento não apenas ineficaz, mas também possivelmente iatrogênico.
Caros Vinícius e Oliver,
Mesmo não sendo psicanalista, mas respeitando a grande contribuição de Freud para o pensamento sobre a vida humana, percebo que vcs padecem do mesmo mal que atribuem aos colegas psicanalistas. Não há uma só linha do que dizem que explicite de que modo e por quais hipóteses o trabalho chega a estes resultados relatados. O que vc chama de avaliação funcional, por intermédio de entrevistas e observação ( técnicas caras a profissionais de qualquer linha de pensamento e não só na pobre psicologia ) não é explicitada, não traz os pressupostos que a animam… Quais foram os procedimentos de "extinção e reforçamento diferencial" de que lançou mão?
Por que a certeza de que foram estas intervenções simplistas e tão risíveis como as atribuídas ao psicanalista, as responsáveis pela mudança na criança?
Por que a arrogância de se autointitular o agente de tais mudanças? Porque o paciente estava em outro consultório, não mais o do psicanalista?
Desculpem-me, mas o autismo é algo bem mais complexo e intrigante. A pobreza de abordagens que vcs trouxeram ao debate, sem explicitá-las, como já mostrei, passa bem longe do problema.
O autismo nos interroga com toda a força sobre nossas pautas de relação social. Pergunto: há isso que vcs chamam de "Transtorno do expectro autista" ( DSM – V ) entre todos os povos? Há crianças ou adultos autistas entre os povos indígenas?
Por que atribuir à criança o ônus de "doente" e tratá-la como um ET?
O "autismo" e algumas psicoses nos interrogam com uma alteridade radical!
Estão aquém e além das modalidades de expressão "humanas", como a linguística e a social, tal como se apresentou até hoje.
Falam-nos de outras subjetivações possíveis e com as quais temos que nos haver, não subjugando-as, mas, pelo contrário, tentando ser parceiros no entendimento do caminho de alteridade que se tomou na aventura da vida, ao invés da simples entrada na tradição dos "bons neuróticos".
Uma frase de Lazzarato e Melitopoulos ( Cadernos de Subjetividade, 2011 – artigo: "O Animismo Maquínico" – Núcleo de Estudos da Subjetividade do Programa de Pós-Graduação da PUC- SP ) nos mostra outras possibilidades de ver, outras lentes mais amorosas e acolhedoras:
"E é verdade que entre os psicóticos, em particular entre os esquizofrênicos, este comércio praticamente diário com partículas de si ou talvez mesmo com corpos não vivos, exteriores a si, não representa nenhum problema… Há uma certa sensibilidade "animista" muito particular que alguém poderia chamar de delírio. Claro que, pelos nossos PADRÕES, é um delírio; é algo que aparta o psicótico do que chamamos de realidade social, e essa realidade é COMPLETAMENTE DOMINADA PELA LINGUAGEM, relações sociais. Portanto, afetivamente isto o separa do mundo. Mas isto o deixa mais próximo de um outro mundo do qual, por outro lado, nós estamos totalmente apartados."
Por oliver.prado
Iza, e vc defende o que? Pois é fácil criticar e colocar em dúvida o que o outro diz, mas para isso fazer sentido é preciso também dizer alguma coisa. Eu até agora não vi você escrever nada que seja propositivo, que apresente uma visão ou uma solução ou uma proposta concreta.
Se vc é psicóloga provavelmente você atende pessoas, vc faz alguma coisa. E isso que vc faz é o que??? Vc consegue descrever? Nesse caso tem custo? Sua prática é simples ou complexa? É possível avaliar os resultados dela? Vc se interessa em avaliar?
Vc como psicóloga interfere no que acontece com o seus pacientes ou usuários do seu serviço? Sua intervenção produz algum impacto? esse impacto é bom para eles??
E agora???
Além disso vc provavelmente não leu os artigos que foram citados aqui, parece que você assistiu "laranja mecânica" e acha que aquilo lá é análise do comportamento.
Por Vinícius Garcia
Maria Luiza Sardenberg,
Tentarei responder de modo breve a seus questionamentos. A expressão avaliação funcional se refere amplamente a todos os métodos utilizados para inferir ou identificar funções comportamentais. Ela compreende todo o conjunto de métodos que visam ao levantamento de dados. Tais métodos podem ser:
1- Indiretos (entrevistas iniciais com familiares, professores e cuidadores);
2- Descritivos (observação direta e registro);
3- Experimentais (análise funcional, que envolve a manipulação de variáveis e pode confirmar ou descartar hipóteses baseadas em métodos indiretos e descritivos de avaliação).
Em uma avaliação funcional, buscamos descrever recortes da história de relações entre a pessoa e o ambiente, pois tais relações precedentes são responsáveis por como ocorrem seus comportamentos diante dos contextos atuais. São feitas descrições de contextos e conseqüências do comportamento que está sendo avaliado, buscando-se, assim, a identificação das conseqüências que o mantêm.
Quanto aos seus questionamentos sobre o caso específico que relatei, tentarei também responder de modo breve. De acordo com os resultados da avaliação funcional, a criança batia a cabeça e produzia atenção ou acesso a itens de interesse. Com base nessa hipótese, foi planejada uma intervenção em que o comportamento da criança de bater a cabeça não mais produziria as conseqüências que anteriormente vinha produzindo. Ocorreu então um processo comportamental denominado extinção, que envolve aumentos iniciais da taxa de respostas e reações emocionais típicas de frustração. Tais aumentos iniciais foram sucedidos pela diminuição dos comportamentos. Foi realizado também o reforçamento diferencial de comportamentos alternativos, que envolveu consequenciar com atenção e acesso a itens de interesse outras respostas da criança, como, por exemplo, puxar a barra da blusa da mãe ou tocar no braço do terapeuta ou da educadora. Tais procedimentos podem ser também chamados de treino de comunicação funcional. Ressalto aqui que a criança não fala e possui repertório comunicativo muito precário. Trata-se de um caso de deficiência severa.
Devo dizer que os adjetivos “simplistas” e “risíveis” certamente não se aplicam à intervenção e aos procedimentos de tratamento realizados com a criança. Na verdade, mesmo com os resultados rápidos, foi uma intervenção que teve continuidade ao longo de nove meses, sendo precedida por um intenso acompanhamento terapêutico com a mãe da criança, para que ela viesse a lidar melhor com o que sentia diante dos comportamentos extremos exibidos pelo filho. Este trabalho terapêutico inicial com a mãe contribuiu para o aumento das chances do engajamento desta à proposta de intervenção, que como dito anteriormente, envolvia aumentos iniciais previstos do comportamento autolesivo da criança.
Foram feitas orientações à mãe e ao pai da criança, à professora, à auxiliar de sala de aula, ao diretor da escola. Tal trabalho amplo de orientações sobre a intervenção foi necessário para que todos viessem a agir em conjunto, compreendendo-se mutuamente. Enfim, foi uma mão de obra danada.
Não considero de modo algum que se trate de arrogância tentarmos descrever relações entre o que fazemos no mundo e mudanças que produzimos no mundo. Na verdade, é bastante possível que isso seja feito de modos até humildes.
Sua pergunta sobre a ocorrência ou não de transtornos autísticos entre povos indígenas pode ser respondida ao respondermos outra pergunta. Existe meningite entre povos indígenas? Sabemos que sim. Sabemos também que há casos de transtornos autísticos cuja etiologia é relacionada a lesões neurológicas decorrentes de meningite. Portanto, obviamente podemos dizer que existem transtornos autísticos entre povos indígenas. Se você ainda tiver dúvidas a respeito, pode buscar dados epidemiológicos sobre a incidência de transtornos autísticos em grupos étnicos específicos.
Quanto aos ETs, melhor deixarmos o assunto para os ufolugistas…
Cordialmente,
Marcus Vinícius F. de Garcia
Por Vinícius Garcia
Iza,
Mesmo lendo minha resposta logo abaixo, continua achando que os procedimentos da intervenção que relatei foram simplistas e risíveis?
Uma criança que batia a cabeça no chão parou de fazer isso e passou a se comunicar de modos que melhoraram muito sua qualidade de vida e a de sua família. O comportamento autolesivo da criança produzia muito sofrimento e angústia nos pais, além de trazer riscos à integridade física da criança.
Além disso, outras crianças se afastavam dela e passaram a se aproximar mais depois que ela começou a se comunicar de modos não extremos. A intervenção melhorou a vida de uma criança que estava sofrendo e também a de seus familiares.
Desculpe a insistência, mas fiquei um pouquinho incomodado com os adjetivos "simplista" e "risível".
Sinto, com toda a sinceridade, que toquei e fiz parte da subjetividade dessa criança e de sua família, e isso me emociona, de verdade.
Fico triste ao ver que rivalidades teórico-clínicas, justificadas no campo político e de interesses, mas injustificáveis no campo ético, parecem impedir o reconhecimento amplo de metodologias terapêuticas tão importantes como a avaliação funcional.
Abraço,
Marcus Vinícius
Por Vinícius Garcia
Apenas no começo de uma nova ciência…
O texto abaixo foi redigido como esclarecimento aos pais de uma criança autista, cuja mãe era psicóloga e afeita à psicanálise. Baseado em citações de Freud presentes na excelente monografia de autoria de Pedro Sampaio – Psicanálise e Behaviorismo Radical: um paralelo epistemológico -, trata-se de um texto que sintetiza didaticamente informações históricas importantes que possivelmente se relacionam com o atual embate epistemológico entre psicanalistas e analistas do comportamento no campo do tratamento do autismo.
B. F. Skinner, cientista e autor que aprumou o behaviorismo para a investigação também de fenômenos como sentimentos e pensamentos, acessíveis por meio da introspecção e de relatos verbais, cita Freud diversas vezes ao longo de toda a sua obra. As citações de Skinner a Freud geralmente são acompanhadas por redescrições em termos analítico-comportamentais de descrições psicanalíticas de fenômenos. Um bom leitor que estude a obra dos dois autores constatará que não há incompatibilidade ou impossibilidade absoluta de traduções interconceituais entre a epistemologia da psicanálise de Freud e a epistemologia do behaviorismo de Skinner.
O behaviorismo conhecido por Freud no início do séc. XX era sustentado por cientistas que muitas vezes negavam a possibilidade de qualquer estudo científico de fenômenos por eles considerados como não-observáveis. Era uma postura cientificamente ingênua, e que leva, ainda hoje, pessoas erroneamente a classificarem o behaviorismo pós-skinneriano como atrelado ao positivismo de Auguste Comte, que defendia, entre outras exigências, que necessariamente deveria haver concordância entre dois ou mais observadores sobre um mesmo fenômeno para que se pudesse validar qualquer hipótese a seu respeito.
Freud descreveu o que chamou de inconsciente representando-o por meio de um “aparelho psíquico” composto por componentes que ele chamou de ego, Id, superego e pulsões. Chamou tais conceitos de “metáforas didáticas”, que possivelmente seriam abandonadas à medida que novas contribuições científicas surgissem. Tais conceitos foram utilizados, segundo o próprio Freud, para teorizar a respeito de algo que ele intuía ser o início de uma nova “ciência natural”. Ele afirmou por várias vezes, sendo a última delas em 1937, dois anos antes de vir a falecer, que pretendia que a psicanálise fosse uma “ciência natural”, ou seja, uma ciência que descrevesse fenômenos que ocorrem na natureza, e não alguma filosofia metafísica ou coisa do gênero. Chegou a romper com um amigo de longa data e “discípulo”, C. G. Jung, que propusera aproximações metafísicas entre a psicanálise e o que pareciam ser teorias esotéricas. Não há dúvidas de que Freud se propunha a iniciar a elaboração de um repertório descritivo científico sobre fenômenos naturais que ele julgava importante que fossem descritos, ainda que com o auxílio de conceitos que ele chamou de “andaimes intelectuais”, a serem, talvez, posteriormente descartados. Com base em Darwin, Freud propunha que as características biológicas humanas não haviam sido modificadas no mesmo ritmo em que as culturas humanas haviam surgido e se desenvolvido, e que o animal humano sofreria ao nascer e ter de se adaptar à cultura vigente.
As investigações de Skinner sobre o comportamento de animais humanos e não humanos surgem em um momento em que já se percebia claramente, mesmo entre aqueles que se declaravam behavioristas, que havia excessos naquilo que se julgava ser um necessário rigor com relação à produção científica sobre o comportamento humano. Via-se que tais excessos engessavam o avanço da compreensão científica de fenômenos comportamentais importantes até então ainda pouco explorados. O estudo científico das chamadas ações reflexas havia sido muito alardeado, mas não fornecia bases sólidas para teorizações sobre comportamentos então chamados de voluntários. Estes permaneciam como uma lacuna a ser preenchida. O russo I. P. Pavlov havia sido laureado com o prêmio Nobel, em 1904, pela descoberta do que chamara de “estímulo condicionado”. Tal descoberta fez com que muitos voltassem atenções exclusivas para um fenômeno conhecido como pareamento de estímulos.
Aqui é necessário situar brevemente a importante descoberta de Pavlov. O fisiologista russo fazia experimentos sobre o sistema digestivo de cães quando notou algo que lhe pareceu digno de nota. Ele havia colocado uma cânula nas glândulas salivares do cão experimental para medir de modo preciso a excreção de saliva ao longo das situações experimentais. No entanto, percebeu um acaso importante: o cão salivava sempre que o cientista entrava no laboratório. Pavlov aventou a hipótese de que os sons de seus passos eliciavam o reflexo de salivação do cão, uma vez que seus passos haviam sido anteriormente pareados com apresentações de comida. Testou então essa hipótese. Soou um metrônomo e observou que não havia qualquer resposta de salivação do cão. Pareou então o som do metrônomo com a apresentação de comida e repetiu o procedimento por algumas vezes. Notou, então, que o cão passara a salivar logo que ouvia o som do metrônomo.
Bom… O que isso teria a ver com Freud e Skinner? Muita coisa, segundo veremos. Tanto Freud como Skinner reconhecem a procedência da não ruptura entre a espécie humana e outras espécies não humanas. Os dois tomam como base as observações de Darwin quanto à seleção natural. Muito do que se aplica à compreensão do comportamento de animais não-humanos aplica-se também à compreensão de comportamentos de animais humanos. Freud chega a aventar a hipótese de que é possível que seu “quadro esquemático geral de aparelho psíquico” se aplique também a animais não humanos “que se assemelhem mentalmente ao homem” e tenham “um longo período de dependência na infância”, segundo suas próprias palavras, aqui colocadas entre aspas.
Skinner dirá que o que nos acontece nos modifica, modificando, assim, também os modos como respondemos ao mundo, ou como o mundo controla nosso responder. Se eu passar por você na rua amanhã, poderei olhar para você, mas provavelmente passarei direto sem lhe cumprimentar. No entanto, se eu trocar poucas palavras frente a frente com você hoje, é bem provável que eu lhe diga um “oi” ao avistar seu rosto amanhã. O estímulo visual “seu rosto” controlará meu responder de um modo diferente de como controlava antes. Os contextos e conseqüências de nossas ações nos modificam, aumentando ou diminuindo a probabilidade de voltarmos a agir dos modos como agimos. Somos capazes de descrever muito pouco do que nos acontece e nos modifica. O que pensamos, sentimos, falamos e fazemos é produto de modificações ocorridas em nossos organismos em contextos diversos de nossas histórias de vida, ainda que muitas vezes não sejamos capazes de descrever como se deram tais modificações ou como foram modificados os modos como respondemos ao mundo. A teoria freudiana do inconsciente condiz com essa descrição de Skinner sobre o comportamento dos organismos. O que se faz na psicanálise freudiana não é mais do que levar a pessoa a descrever o que lhe aconteceu e acontece, de modo a fornecer bases para que ela planeje de modo mais efetivo o que lhe acontecerá. Em certa medida, o inconsciente proposto por Freud encontra em Skinner uma descrição coerente e não internalizada, como era o caso do “aparelho psíquico” freudiano, mas relacional.
Os conceitos freudianos de Id, ego e superego encontram analogias nos conceitos de filogênese, ontogênese e cultura utilizados por Skinner. Somos uma espécie animal, e, como as demais espécies animais, tivemos características anatômicas e fisiológicas selecionadas em contingências de sobrevivência ocorridas com nossos ancestrais biológicos, produzindo sensibilidades específicas a estimulações específicas. Na ontogênese (história individual), contingências de reforçamento (contextos e conseqüências de nossas interações com o mundo) selecionam e modelam nossos repertórios comportamentais individuais. Já práticas culturais são produtos de histórias individuais nas quais comportamentos reforçados por suas conseqüências no plano individual contribuem para o sucesso de um grupo de indivíduos na resolução ou diminuição de seus problemas. A cultura gera mal-estar, pois, para participarmos dela, temos que aprender desde muito cedo a às vezes não apenas abrir mão daquilo que nos faz nos sentir bem, mas, também, a escolhermos muitas vezes justamente aquilo que nos faz nos sentir mal. As interdições da cultura são modos selecionados ao longo de gerações e gerações de indivíduos de nossa espécie para lidarem “civilizadamente” uns com os outros em grupos de animais humanos.
Já ouvi alguns psicanalistas (talvez não tenham lido Freud suficientemente) dizerem que autistas severos não teriam inconsciente, sendo este o motivo de a análise do comportamento ser mais eficaz em seu tratamento (tal declaração absurda possivelmente encontra suas bases na interpretação lacaniana do “inconsciente como linguagem”). Nada mais equivocado! Mais correto seria dizermos que autistas severos que não têm repertório descritivo se comportam somente de modo inconsciente, uma vez que não descrevem contingências que os levam a se comportar como se comportam. Cabe a nós, nesses casos, descrevermos o que lhes aconteceu, o que lhes acontece e como o ambiente atual controla seu responder. Essas descrições darão base a planejamentos do que deve acontecer para que sejam selecionados repertórios comportamentais mais apropriados, que lhes propiciem maiores realizações e qualidade de vida. Fazendo isso, estamos nos atendo estritamente ao que podemos chamar de sua subjetividade. Afinal, o que vem a ser subjetividade, senão a singularidade das relações que cada um de nós mantém com o mundo?
Freud, aos 60 anos, deu uma entrevista, na qual disse:
"A psicanálise jamais fecha a porta a uma nova verdade. […] A vida muda. A psicanálise também muda. Estamos apenas no começo de uma nova ciência."
É uma pena que muitos psicanalistas não pareçam ter escutado ou compreendido a sabedoria expressa em tais palavras.
Oi Marcus,
Peço licença prá te chamar assim, movida pelo afeto que o nome produz em mim, já que tenho um irmão querido com o mesmo nome. Pelo que li no texto acima, essa espécie de "repetição de um estímulo" nos aproxima. Freud e os autores que vc cita estão juntos na "descoberta" da famosa associação de idéias. Beleza. Mas não tenho tanta certeza de que formulem o mesmo campo de consistência para justificar a coisa. Pode ser que sim.
Coloquei um link para abrir mais o campo da tentativa de entendimento do que seja a, digamos assim, subjetividade autística. Essa é a grande discussão, o salto necessário para se pensar a entrada em "seu mundo". Coloco aspas pq penso que se trata de um único mundo, com as variações que se produzem nele sendo às vezes erroneamente tratadas como um outro mundo.
https://www.bienal.org.br/30Bienal/pt/artistas/Paginas/detalheArtista.aspx?Artista=37
e:
O "autismo" e algumas psicoses nos interrogam com uma alteridade radical!
Estão aquém e além das modalidades de expressão "humanas", como a linguística e a social, tal como se apresentou até hoje.
Falam-nos de outras subjetivações possíveis e com as quais temos que nos haver, não subjugando-as, mas, pelo contrário, tentando ser parceiros no entendimento do caminho de alteridade que se tomou na aventura da vida, ao invés da simples entrada na tradição dos "bons neuróticos".
Uma frase de Lazzarato e Melitopoulos ( Cadernos de Subjetividade, 2011 – artigo: "O Animismo Maquínico" – Núcleo de Estudos da Subjetividade do Programa de Pós-Graduação da PUC- SP ) nos mostra outras possibilidades de ver, outras lentes mais amorosas e acolhedoras:
"E é verdade que entre os psicóticos, em particular entre os esquizofrênicos, este comércio praticamente diário com partículas de si ou talvez mesmo com corpos não vivos, exteriores a si, não representa nenhum problema… Há uma certa sensibilidade "animista" muito particular que alguém poderia chamar de delírio. Claro que, pelos nossos PADRÕES, é um delírio; é algo que aparta o psicótico do que chamamos de realidade social, e essa realidade é COMPLETAMENTE DOMINADA PELA LINGUAGEM, relações sociais. Portanto, afetivamente isto o separa do mundo. Mas isto o deixa mais próximo de um outro mundo do qual, por outro lado, nós estamos totalmente apartados."
Por Vinícius Garcia
Iza,
Intervenções analítico-comportamentais podem ajudar uma pessoa com um transtorno autístico severo a se comunicar melhor, de modo que ela se sentirá mais livre para fazer escolhas em sua vida, seja para realizar trabalhos artísticos ou para fazer qualquer outra coisa que venha a escolher.
Um terapeuta analista do comportamento não irá determinar do que a pessoa gostará ou deixará de gostar. Ele apenas trabalhará para que essa pessoa venha a se tornar capaz de escolher por si própria.
Convenhamos que uma pessoa que tenha um repertório comunicativo tão precário, a ponto de ela ter que apelar para comportamentos autolesivos diante de situações sociais corriqueiras de seu cotidiano, não deve se sentir muito livre. Ampliar o repertório comunicativo dessa pessoa é tornar essa pessoa mais livre.
Abraço,
Marcus Vinícius
Concordamos em gênero, número e grau!!!
Quero aproveitar para me desculpar de qualquer radicalismo ou intolerância que eu tenha cometido nas minhas respostas à você.
Temos as nossas diferenças mas reconheço o tom educado e respeitoso de tua intervenções. Passo a respeitar, portanto, as novas formulações que as terapias foram construindo no decorrer do tempo.
Obrigada pela boa polêmica,
Iza
Por Vinícius Garcia
Está desculpada, Iza. E fico bem feliz em saber que contribuí para mudar um pouquinho seu modo de pensar sobre terapias analítico-comportamentais. Há muito desconhecimento mútuo entre pessoas que adotam diferentes orientações teórico-clínicas. Devemos buscar conhecer, senão apenas repetimos o que ouvimos de pessoas que, muitas vezes, estão ainda menos informadas do que nós.
Deixo aqui o epílogo de um livro de um psicólogo que morreu recentemente, num acidente provocado por um motorista bêbado.
Edward G. Carr era um cara altamente crítico ao uso de psicotrópicos em casos de problemas de comportamento. E ainda há quem acuse analistas do comportamento de serem mancomunados com a indústria farmacêutica… Nada mais despropositado!
Há um vídeo de uma palestra dele no YouTube (escute a fala de Carr, aos 21:28 do link abaixo, sobre a tão aclamada risperidona):
https://www.youtube.com/watch?v=-kkocTdn0iY
Epílogo do livro Communication-Based Intervention for Problem-Behavior: a User's Guide for Producing Positive Change:
“É lamentável que, para muitas pessoas com deficiência, apresentar severos problemas de comportamento seja uma maneira importante, às vezes a única maneira, de influenciar os outros. Por isso, é fundamental não concentrarmos esforços em apenas eliminar comportamentos problema, mas sim em substituí-los por novos comportamentos socialmente aceitáveis, que sirvam aos mesmos propósitos que os comportamentos problema, mas de modo mais eficiente. Através da educação, as pessoas com deficiência podem entrar em relações sociais que se caracterizam não por controle, mas por reciprocidade, não por passividade, mas por participação, e não sendo uma categoria, mas sendo um amigo.”
E aproveito para agradecer também pela boa polêmica! Que sirva de adubo para as próximas…
Marcus Vinícius
As pessoas com deficiências são bastante medicalizadas. Vejo em meu local de trabalho, adolescentes sendo medicados para que a emergência da sexualidade não incomode o entorno.
Espere… Não seriamos nós aqueles a acolher esta sexualidade e lidar com ela, nós os ditos "normais", "neuróticos", supostamente colocados no lugar de quem cuida? A medicação aqui está claramente no lugar da eliminação de uma sexualidade denominada, por quem medica, de "exacerbada".
Quando me refiro à contribuição dos pressupostos da análise do comportamento para subsidiar a lógica dos DSMs, e por consequência, a medicalização da vida, é disso que falo: padrões de comportamento estabelecidos como normalidade e o que se afasta – o "exacerbado", por exemplo – é considerado anormal e deve ser eliminado. Uma lógica da medicina, aliás de uma parte dela ou um modo de praticá-la, que se pauta na ilusória linha entre normal e anormal.
Outra questão é a notória expulsão do lugar dos sujeitos e de sua palavra no discurso sobre seu sofrimento. Em 1980, com a chegada do DSM – III, os psiquiatras influenciados pelo crescente avanço do cognitivismo, que busca "objetivar" cada vez mais, quantificar o que aparecia antes como categorias excessivamente fluidas, imprecisas, buscam introduzir os "transtornos" no lugar delas. O "observável" por um olhar empírico vai se imiscuindo e as neuroses viram "transtornos de ansiedade". Os sinais visíveis tomam o lugar da palavra do sujeito.
Daí para o passo medicalizante é só um pulo. É o que vivemos hoje, caro Marcus…
Espero sinceramente que alguém diga a essa velha psicóloga, testemunha ocular de tantos movimentos em nosso campo, que isso não está acontecendo…
bjs,
Iza
Por Vinícius Garcia
Iza,
Tudo pode ser usado de modos éticos ou de modos eticamente questionáveis, inclusive as vertentes atuais da psicanálise.
Você toma a análise do comportamento como necessariamente atrelada ao que chama de medicalização da vida. É um discurso que não condiz com tudo o que venho estudando já há alguns anos, e não tenho visto argumentos suficientes que o embasem.
Os pressupostos da análise do comportamento não subsidiam a lógica dos DSMs. Trata-se de um equívoco, que pode ser esclarecido se você se dispuser, por exemplo, a assistir ao vídeo da palestra do Edward Carr, ou a ler sobre produções atuais de analistas do comportamento.
Quando você cita o cognitivismo, passa a léguas de distância do que é a análise do comportamento e seus pressupostos. Cognitivismo não é análise do comportamento. Cognitivismo e behaviorismo radical são como água e óleo, ainda que cognitivistas tenham se dedicado a utilizar técnicas baseadas na produção científica de analistas do comportamento.
Quanto ao que é normal e o que não é normal, o que deve ser tratado e o que não deve, concordo que são assuntos que devem ser considerados com muito cuidado, de modo que evitemos caracterizar modos de ser como instâncias patológicas.
No entanto, há problemas que merecem tratamento. Se não os houvesse, não haveria também por que existir médicos, ou mesmo psicólogos.
O discurso médico costuma se ater a topografias comportamentais (descrições descontextualizadas de comportamentos), enquanto a análise do comportamento se atém a funções comportamentais (descrições contextualizadas de comportamentos). Portanto, pressupostos analítico-comportamentais não estão vinculados ao que se convencionou chamar de discurso médico.
Abraço,
Marcus Vinícius
Caro Marcus,
Há uma grande discussão a ser feita pelos psicólogos sobre os pressupostos ético-políticos daquilo que estamos trazendo neste post. É o que estou tentando abrir por aqui desde o começo. Pensar que tudo se equivale, que todos os modos de abordar a vida são "do bem" não nos leva muito longe.
Um amigo me manda hoje uma coisa que me deixou perplexa:
"2 – Quando o aluno desempenhar a tarefa solicitada ofereça sempre um feedback positivo (reforço) através de pequenos elogios e prêmios que podem ser: estrelinhas no caderno, palavras de apoio, um aceno de mão… Os feedbacks e elogios devem acontecer SEMPRE E IMEDIATAMENTE após o aluno conseguir um bom desempenho compatível com o seu tempo e processo de aprendizagem." (https://tdah.org.br/br/sobre-tdah/dicas-para-educadores/item/399-algumas-estrat%C3%A9gias-pedag%C3%B3gicas-para-alunos-com-tdah.html)
À primeira vista, esta recomendação do chamado "reforçamento" nos parece óbvia e salutar. Mas, se formos pensando no que subjaz ao "conselho", no conceito de infância que vemos aí, a coisa já vai ficando mais complexa.
Você concorda que há uma infantilização da criança nesta prática aparentemente inocente? Por que a necessidade de lidar com as conquistas desta forma?
Como já te disse, trabalho com crianças há 31 anos. Poucas vezes me deparei com crianças que não percebessem claramente as intenções de formatação subjetiva que os adultos lhes dirigem. Com os adolescentes, isto é mais ainda cristalino, por motivos óbvios!
Tudo bem, o exemplo acima traz formatações não tão danosas, mas imagine o ganho subjetivo em lidar com a infância de outro modo?
Vou deixar aqui um vídeo com o depoimento de um garoto sobre os adultos, como um alerta sobre o que pode uma criança. É um dos mais emocionantes que já vi!
Escutemos as crianças:<iframe src="https://player.vimeo.com/video/26851385" width="400" height="300" frameborder="0" webkitAllowFullScreen mozallowfullscreen allowFullScreen></iframe>
Atendendo ao simpático convite feito por e-mail pelo Marcus Vinícius e ao de Oliver Prado, num de seus comentários a este post, coloco um pouco de minha prática de trinta e um anos na clínica com crianças, adolescentes e suas famílias.
Espero poder responder aos questionamentos e trocar idéias sobre estes outros modos de pensar e trabalhar com as crianças.
Para acessar os links basta clicar sobre os mesmos:
https://redehumanizasus.net/12357-uma-experiencia-de-trabalho-com-a-infancia
https://redehumanizasus.net/12887-roda-de-conversa-sobre-dispositivos-grupais-na-puc-de-sao-paulo
Iza Sardenberg
Por Vinícius Garcia
Olá Maria Luiza,
Na verdade, esperava que você comentasse minha resposta aos seus questionamentos sobre o caso que relatei. Mas vou ler seus textos e comentá-los, assim que possível.
Abraço,
Marcus Vinícius
Vou ler e comentar teus apontamentos.
Iza
Por oliver.prado
Iza, por favor responda isso:
A sua prática de 30 anos foi custosa? Ou são custosas apenas as práticas de outros?
A sua prática de 30 anos interferiu de alguma forma na vida das pessoas que você atendeu? Se interferiu como que você avalia isso?
A medida da minha prática, não a faço em termos de custos. Eu teria que achatar os devires que habito na relação com os meus pacientes, mais ou menos como as árvores acima, para chegar nesta formulação que você pediu. É quase como encaixotar a realidade viva e plena de linhas de fuga.
Alegrias, afetos alegres e tristes, impasses e saídas criativas? Aí, sim… Sofrimento jamais! Inquietação produtora de busca de saídas e movimentos descristalizadores, sim. Muito. O tempo todo.
Se a minha prática interferiu na vida das pessoas? Aposto nisso todos os dias, mas quando chegamos à altura da vida em que me encontro, não mais temos este tipo de questão como algo a desejar a priori e sim colhemos a constatação de que mudamos juntos, eu e meus queridos pacientes. O primado da relação na clínica é vital.
Eu não "avalio" nada… Essa expressão tomou de assalto o pensamento psicológico em algum momento, talvez no pós-guerra quando os americanos voltam e o espírito pragmático se apossa da psicologia. Era preciso avaliar a mão de obra que retornava destroçada. Como realocá-los no mundo do trabalho sem garantias de bom desempenho e produtividade? Capitalismo lá e cá…
Essa expressão produziu modos tipo "metro padrão", curvas de Gauss, normalidade versus anormalidade, enfim, o mundo da medicalização da vida.
Eu não preciso medir os efeitos de meu trabalho nestes termos tão ingênuos.
Basta que uma criança/ adolescente/ família digam, relatem o que se passou. As medidas matam a dimensão sujeito, Oliver!
E, finalmente, a separação entre teoria e prática é uma ilusão que nem os psicólogos comportamentais conseguem mais sustentar.
Iza
Por oliver.prado
Iza, as metidas (apenas) matam a dimensão do sujeito, sem dúvida.
Também a implicação com o sujeito, o acolhimento e o interesse genuíno no bem estar das pessoas é um requisito para um bom trabalho.
O olha crítico também deve fazer parte do trabalho do psicólogo, tanto no nível individual como coletivo.
Mas (certamente não é o seu caso) existem muitos psicólogos que utilizam um discurso do acolhimento, da descrição, da subjetividade e da crítica social, para na prática não fazerem praticamente nada.
Logo, se forem utilizadas as medidas mais ingênuas, nem nessa avaliação o trabalho destes psicólogos consegue se mostrar útil. Eles se negam a utilizar as medidas ingênuas pois isso irá denunciar a sua incompetência técnica e profissional.
O que eu aprendi conhecendo lados diferentes da psicologia é que o "qualitativo" supera o "quantitativo" ou que o "subjetivo" supera o "objetivo" apenas quando se esgotam as possibilidades dos últimos. E não quando eles são ignorados ou rejeitados.
Por Rejane Guedes
Caríssim@s.
Considero esse post um modo conversacional que agrega aproximações e distancias, dialogando e destacando posições políticas importantes que estão presentes no cotidiano das práticas em Saúde.
Antecipo que NÃO SOU PSICÓLOGA. Assim sendo, minha leitura da temática Psicanálise e Comportamentalismo é realizada por 'lentes' e 'filtros' de 'modos outros' de enxergar.
Ao reler os posts da Iza relembrei outros que trazem a temática do BIOPODER, da BIOPOLÍTICA e da BIOPOTÊNCIA, elegantemente preparados e conversados nesta Ágora virtual, especialmente por Marco Pires, Pablo Dias e Iza Sardenberg.
Peço licença para conectá-los por aqui:
https://redehumanizasus.net/11548-estrategias-do-biopoder-no-coracao-da-infancia
https://redehumanizasus.net/11550-sobre-o-biopoder
https://redehumanizasus.net/11432-a-vida-e-sempre-uma-questao-de-potencia
https://redehumanizasus.net/11517-infancia-e-politica
https://redehumanizasus.net/11568-notas-sobre-biopoder-parte-i
https://redehumanizasus.net/11578-notas-sobre-biopoder-parte-ii
https://redehumanizasus.net/11582-notas-sobre-biopoder-parte-iii
https://redehumanizasus.net/11584-notas-sobre-biopoder-parte-iv
Saudações nutricionais. Rejane.
Iza, concordo com o Pablo Dias. Seus posts deveriam usar também as TAGs Biopoder e Biopolítica.
Essa história toda me remete,também, à um post resultante de um vídeo que circulou pela internet:
https://redehumanizasus.net/11890-compartilhando-uma-indignacao
Agradeço pela lembrança de outras postagens e pelas associações sempre lúcidas que o teu olhar afiado e, ao mesmo tempo, extremamente doce produz! Não só aqui como também em outros pedaços bem doloridos da vida.
obrigada amiga
Por oliver.prado
Rejane, vc deve retirar estes filtros. Estão atrapalhando a sua visão sobre o contexto.
Biopoder e Biopolítica não fazem parte das atividades da psicologia comportamental (o termo é comportamental e não comportamentalista)
Veja:
Homossexual, homossexualidade – termos corretos
Homossexualismo – termo preconceituoso
Uma das questões que está em jogo é que a ciência está sendo utilizada conforme a conveniência política e corporativista. Na medicalização isso ocorre e com o pessoal "anti-resultados" também.
A Iza pode ser uma pessoa bem conceituada com militância e influência política em diversos meios, mas as ideias que ela está disseminando aqui sobre a psicologia comportamental não tem absolutamente nenhum fundamento. São ideias do senso comum e carregadas de preconceito
Ela está tentando vincular a psicologia comportamental ao que existe de pior na sociedade humana. Só falta ela dizer que os nazistas usavam psicologia comportamental em seus experimentos.
O melhor a fazer é ler os textos que postamos e indicamos aqui, para você ter maior conhecimento do que é uma psicologia com embasamento científico. Uma psicologia que pode contribuir muito para minimizar ou resolver problemas humanos e que tem produções que são ignoradas por outros psicólogos pois eles valorizam mais a "teoria" do que a "prática".
Por Rejane Guedes
Olá Oliver.
Agradeço pela indicação dos textos aqui postados por você. Provavelmente são escritos com muito zelo. Zelo no conteúdo, Zelo na forma.
Fiquei a pensar sobre esse 'jogo de posições' que vai se descortinando a partir do post inicial.
Parece que você está usando as palavras da Iza como uma força que se opõe a seu modo de enxergar, de atuar, de pensar. Agora, parece que minhas palavras (que não se dirigiram necessariamente à você, mas à tod@s, incluindo você) assumem o papel de 'opositor'. Sugere que eu enxergue o contexto dos seus argumentos.
Não acho que eu 'deva' retirar filtros. Certos filtros, às vezes, evitam as polarizações descabidas daqueles que pretendem ser os 'donos' da verdade. Assim sendo, se me permite, prefiro mantê-los para não assumir posturas desrespeitosas*.
Se você pensa que "o Biopoder e Biopolítica não fazem parte das atividades da psicologia comportamental", sugiro que exercite seu pensar para além das cortinas que encobrem as práticas. As modulações/estratégias biopolíticas contemporâneas estão nas MENTALIDADES, nos MODOS DE ENXERGAR, nos MODOS DE ATUAR.
Se, como você corrigiu, "o termo é comportamental e não comportamentalista", peço desculpas com humildade dos não iniciados nos cânones sagrados dos jargões 'PSIS'.
COMPORTAMENTAL
COM PORTAS MENTAIS
COMPORTAS MENTAIS
COMPOR AS PORTAS MENTAIS …
Vamos adiante!
Saudações com as portas mentais abertas para acolher os pensamentos respeitosos.
Rejane.
*Essa conversa me faz recordar as palavras atribuídas à Voltaire: "Não concordo com o que dizes, mas defenderei teu direito de dizê-lo".
Este post está abrindo as comportas de sentidos e formas de expressão.
Viva a polissemia!
Iza
Por oliver.prado
Ok, então mantenha seus filtros mas saiba que são filtros que mantém a sua visão em uma incrível superficialidade.
O jogo de palavras é a prova da superficialidade. O nome e as combinações usadas são os motivos para a repulsa.
Certamente você não conhece e provavelmente não tem interesse em conhecer mais a fundo as propostas e as práticas da análise do comportamento, o filtro que você usa impede isso.
Logo, o discurso da diversidade é apenas discurso, pois na prática é uma exclusão de outras formas de ver e atuar em relação aos seres humanos.
Por Rejane Guedes
Se é para 'mudar'…
Que mudemos reciprocamente.
Saudações superficiais. Rejane.
E saindo das polarizações estéreis, ver a obra de Deligny:
https://www.bienal.org.br/30Bienal/pt/artistas/Paginas/detalheArtista.aspx?Artista=37
vídeo interessante que problematiza o lugar do psicanalista
https://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/autismo_cp.pdf
A discussão sobre o autismo continua e o Ministério da Saúde lançará em 2 de abril o documento, após consulta pública.
Comentários sobre o documento linha de cuidado para pessoa com transtornos do espectro autista
Nós, da Escola Brasileira de Psicanálise do Campo Freudiano, dedicamos muito interesse ao documento LINHA DE CUIDADO PARA A ATENÇÃO INTEGRAL ÀS PESSOAS COM TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO E SUAS FAMÍLIAS NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. Buscamos, em nossa leitura apreender os pontos destacados neste texto e pensar uma maneira de contribuir com esse trabalho. Nosso interesse se justifica pelo grande número de membros de nossa Escola que se dedicam há vários anos ao estudo e ao tratamento clínico de sujeitos incluídos nesse espectro ou de seus familiares.
Consideramos esse documento um avanço na busca da boa política de tratamento dos sujeitos autistas, especialmente porque os autores tomam a conclusão, a partir de um panorama histórico, de que “a noção do que é o Transtorno do Espectro do Autismo ainda está em aberto”.
Essa abertura, muito favorável à investigação clínica, implica também que “a ética do campo público seja ao mesmo tempo rigorosa e flexível para dar acolhida a diferentes concepções sobre esse quadro”. De fato, consideramos esse trabalho fundamental para que a sociedade acolha as particularidades desses sujeitos “fora das normas” e para que eles possam se incluir dentro de uma relativa normalidade em seu ambiente a partir da maneira particular de estar no mundo que eles possam encontrar.
Como princípio geral de um tratamento psicanalítico aos sujeitos autistas, formalizado ao longo de décadas de experiência clínica por nossa comunidade internacional de trabalho, especialmente nas instituições a integram e que se dedicam a este atendimento, deve-se "entender, em primeiro lugar, que o isolamento da criança autista não é um handicap que é preciso vencer, senão que é a própria defesa que o sujeito construiu para se proteger de um entorno que ele percebe como ameaçador. Ele não dispõe de aparelhos simbólicos que lhe permitam ordenar o mundo da mesma maneira que os outros, e por isso o tratamento deve ser feito por profissionais que saibam situar-se de um modo não ameaçador e que sejam respeitosos com os recursos que o sujeito autista dispõe. É ele que sabe como tratar seu mal-estar, ainda que às vezes não seja suficientemente exitoso. Por isso, é necessário que aqueles responsáveis pelo atendimento estejam atentos ao que o sujeito constrói, ou tenta construir, para oferecer-lhe propostas que ele possa aceitar" (conforme exposto no sitewww.autismos.es, que retrata a experiência da comunidade reunida na Associação Mundial de Psicanálise, da qual a Escola Brasileira de Psicanálise faz parte).
Há aspectos muito importantes destacados no documento cuja orientação nos parece bastante positiva.
1 – “Quanto mais precoce for o início de um transtorno mental, maior será o risco dele se estabilizar e se cronificar”.
Concordamos em pensar que desde muito cedo esses sujeitos apresentam sua forma particular de recusar o Outro, seja o toque, a presença, o olhar, a voz. Assim, tratar de buscar modos de tratar essa recusa o mais cedo possível nos parece muito importante, já que com a idade fica mais difícil romper a recusa de fazer uso da palavra e quando mais jovem a plasticidade, inclusive neuronal, é maior. Neste sentido, a “atenção” aos sinais e sintomas que a criança pode apresentar desde bebê viabiliza um melhor “prognóstico”.
A experiência de psicanalistas em troca interdisciplinar verificou que uma intervenção sobre uma cuidadora na creche, por exemplo, permite que o balbucio de uma pequenina menina não seja escutado através de uma “cartilha”. Esse trabalho orientado das cuidadoras pode trazer muito benefício na escuta e acompanhamento do que se passa com essas crianças.
2 – A busca de um diagnóstico que oriente o tratamento.
“No caso dos indivíduos com Transtorno do Espectro do Autismo, a ampla variação da expressão sintomática requer a obtenção de informações que ultrapassam em muito o diagnóstico categorial, tais como o nível de comunicação verbal e não verbal, o grau de habilidades intelectuais, a extensão do campo de interesses, o contexto familiar e educacional, e a capacidade para uma vida autônoma”.
“O processo de diagnóstico é o momento inicial da construção do projeto terapêutico singular que será alinhavado a partir das características específicas da família e não apenas das dificuldades ou sinais psicopatológicos da pessoa em questão. É necessário pensar em estratégias para incluir a família, os irmãos, avós e a comunidade no projeto terapêutico”.
A busca diagnóstica é a busca não de um índice de deficiência irremediável, ou de algo ameaçador para o próprio sujeito. Queremos encontrar os índices de sofrimento do sujeito e de sua tentativa constante para solucionar o que sem cessar o ameaça e invade. Desse diagnóstico dependem as maneiras de dar chances para que o sujeito encontre melhores soluções para se incluir no mundo. Isso é uma aposta em que essas crianças não estão programadas para permanecerem da mesma maneira durante toda a sua vida e de que devemos dar-lhes possibilidades de inventarem outras soluções.
Muitas vezes profissionais e pais têm buscado a avaliação diagnóstica para amenizar suas angústias frente ao singular do sintoma da criança ou do adolescente. Pareceu-nos importante cuidar para que o diagnóstico vise à orientação a ser dada ao tratamento e que sua comunicação à família seja feita, quando necessário, da maneira mais cuidadosa possível, já que os efeitos mortíferos desta comunicação são frequentemente observados. Há também um importante trabalho no sentido de acolher o sujeito e sua família nesse processo.
A experiência de trabalho de psicanalistas em troca interdisciplinar recolheu o testemunho de pediatras, educadores e assistentes sociais sobre como a escola hoje busca responder à angústia dos pais fazendo ela mesma o diagnóstico, através de testes que respondem SIM ou NÃO para a presença de sintomas e, ao final, “contam os pontos” e classificam o sujeito. O cuidado em orientar as escolas a tratar desse questão com toda delicadeza necessária é fundamental. Assim, abre-se a possibilidade de um tratamento que inclua a criança e não faça dela um elemento de um conjunto universal no qual ela perderia toda a sua singularidade.
3 – A inclusão da família e dos diversos profissionais que se ocupam desse sujeito
“De fato, é preciso admitir que o enfrentamento de todos esses problemas e riscos só poderá ser realizado de forma efetiva através de um processo contínuo de discussão e negociação entre os diversos atores envolvidos, a saber: pessoas com Transtorno do Espectro do Autismo, seus responsáveis e familiares, profissionais da saúde, da educação, da assistência social e da seguridade social, pesquisadores, planejadores e gestores”.
Não há uma solução standardizada para o sujeito e é nessa troca ampla que o interesse e o apoio que essas crianças necessitam poderá ser dado. O fundamental é encontrar uma maneira de ser parceiro do trabalho que a criança faz em torno do que a aflige e de suas dificuldades. Encontrar a maneira de ser outro para esses sujeitos é uma tarefa difícil para os familiares e os profissionais e são as observações e a leitura dos detalhes de cada caso que poderão nos orientar.
Na nossa experiência, notamos que as conversações interdisciplinares para discutir sobre os impasses na prática dos profissionais e familiares podem vir a ser uma via de produção de um saber-fazer inédito a respeito de cada impasse, dificuldade, podendo transmitir uma orientação, sem se transformar em um método de trabalho rígido, um padrão, uma etiqueta.
4 – O acompanhamento das famílias, já que a lógica que orienta cada um desses sujeitos tem uma particularidade que precisa ser constantemente repensada. O saber dos pais e o direito ao saber fazem com que um laço de trabalho seja possível, onde todos estão implicados e os profissionais podem acolher as soluções que já foram encontradas e buscar outras. O objetivo, além disso, é possibilitar que as pessoas da família possam ser parceiros dessas crianças, que muitas vezes fazem uso do outro como um duplo para se relacionarem com o mundo. Acompanhar essa maneira de se fazer disponível para os autistas nos parece fundamental.
“A história de vida da família que procura ajuda com uma pessoa com Transtorno do Espectro do Autismo, assim como as circunstancias vividas por ela e pelos seus familiares são fundamentais para o processo diagnóstico e para a construção do seu projeto terapêutico singular. Esse processo precisa ser construído por uma equipe multidisciplinar e discutido passo a passo com a família. A implicação dos familiares durante todo processo diagnóstico e nas diversas intervenções será fundamental para evitar minimizar o choque que acomete uma família com uma simples comunicação do diagnóstico”.
5 – O cuidado de incluir os distintos campos de saber e práticas clínicas no sentido de que o tratamento dos autistas concerne a todos.
Bem extenso e detalhado, o documento não privilegia nenhuma técnica ou teoria para tratamento do Espectro do Autismo, em consonância com o que ressaltamos: a importância de um trabalho interdisciplinar em que cada campo contribua com seu saber construído e se abra tanto para os outros saberes, quanto para o que de inédito possa surgir.
“A pluralidade de hipóteses etiológicas sem consensos conclusivos, a variedade de formas clínicas e/ou co-morbidades que podem acometer a pessoa com Transtorno do Espectro do Autismo, exigem o encontro de uma diversidade de disciplinas. Sendo preciso avaliar a real necessidade de exames neurológicos, metabólicos e genéticos que podem ou não complementar o processo diagnóstico”.
“Atos que se apresentam muitas vezes sem lógica, de forma repetitiva, estereotipada, podem ser formas possíveis de estabelecer contato com o outro, não devendo ser necessariamente suprimidos”.
“Se, como profissionais, conseguirmos acompanhar o que faz cada sujeito, (seja virar a cabeça, tapar o ouvido, se sujar, etc), podemos nos servir desses atos como parceiros para podermos nos aproximar desses sujeitos e mesmo estabelecer laços com eles. Para tanto, é necessário superar o entendimento de comportamentos apenas pelo seu valor aparente, e estar ciente que nem sempre o que se apresenta pode ser o mais óbvio, o mais usual”.
Achamos fundamental levar em consideração as particularidades do sujeito e não querer educá-lo num modelo universal.
Não partir da lógica do para todos, mas querer aprender com as soluções particulares desses sujeitos. Como essas crianças tem que ser constantemente estimuladas, como pensar em tratamento/educação pedagógica em tempo integral, ou num tempo que seguramente vai ser maior do que os das escolas comuns?
É muito importante buscar os espaços nos quais o diálogo com o autista seja possível. Nós consideramos que temos algo a dizer-lhes. Nesse sentido, os trabalhos em ateliers e oficinas têm se mostrado muito importantes nas construções que essas crianças fazem. Oficinas que não são profissionalizantes, mas que são voltadas para um espaço de encontro com o sujeito autista onde uma construção singular é possível, um por um.
O sentido é que o sujeito possa encontrar uma maneira de dirigir-se ao Outro. Como ajudar a esses sujeitos, para os quais a palavra é devastadora, a encontrar um bom uso da palavra e da escuta? Como construir um laço suportável? Como cuidar para que sua forma particular de tomar os objetos permita sua inclusão na vida e uma boa relação com seu corpo próprio?
Estar atento a esses pontos onde os sujeitos autistas encontram impasses, nos parece essencial para a construção de um projeto de vida para esses sujeitos. Com seu outro familiar, social e escolar.
Uma bibliografia psicanalítica acerca do autismo pode ser encontrada no site http://www.autismos.es. Este site, a cargo da Fundação Internacional do Campo Freudiano foi concebido por nossa comunidade para esclarecer e difundir, para a sociedade em geral, questões fundamentais acerca do autismo e os fundamentos de um tratamento clínico ampliado e orientado pela psicanálise. A Escola Brasileira de Psicanálise publicou o livro Autismo(s) e atualidade: uma leitura lacaniana (Belo Horizonte: Scriptum, 2012) no qual recolhe textos que tratam de nossa orientação sobre a questão.
Participaram da elaboração desse texto:
Cristina Drummond (diretora da EBP), Marcus André Vieira (presidente da EBP), Heloísa Prado R. da Silva Telles, Fernanda Otoni de Barros-Brisset, Paula Borsoi, Ana Martha Maia, Angela Duarte de Carvalho, Giselle Fleury, Vanessa Carrilho dos Anjos, Rômulo Ferreira da Silva, Tânia Abreu, Alice Monteiro, Patrick Almeida, Luiz Mena, Luciana Castilho de Souza, Silvia Sato, Cristiana Gallo.
Por Audir
Um trabalho deste sem apoio da SES.
outros olhares sobre o autismo:
https://cadernosdeligny.jur.puc-rio.br/index.php/CadernosDeligny
Por Maria Luiza Carrilho Sardenberg
Guattari habla de micro-fascismos que existen en un campo social sin estar necesariamente centralizados en un determinado aparato de Estado (…)
"El peligro de la segmentariedad dura o de la línea de ruptura aparece por todas partes. No sólo concierne a nuestras relaciones con el Estado, sino a todos los dispositivos de poder que trabajan nuestros cuerpos, a todas las máquinas binarias que nos cortan, a todas las máquinas abstractas que nos sobre-codifican; concierne a nuestra manera de percibir, de actuar y de sentir, a nuestros regímenes de signos. (…)
in Deleuze, G. & Parnet, C.: Diálogos. Valencia: Pre-Textos, 1980, 160-162